terça-feira, 31 de maio de 2011

423- Plurinacionalidade - Conflitos religiosos no Equador

Reparem que a notícia já contém expressões preconceituosas em relação aos povos originários ou indígenas chamados de "indios" (caras pintadas).

26/5/2011


Sucumbíos: índios e polícia tomam a catedral, e bispo inicia jejum público permanente

"Aqui segue o e-mail de um amigo leigo, isto é, não religioso, nem padre, que acompanhou o processo em Sucumbíos e o resumiu em 14 pontos. Por razões óbvias não vou dizer seu nome, porque ele quer deixar os caminhos abertos para uma possível colaboração posterior com os cristãos de Sucumbíos e de Quito", escreve Xabier Pikaza, teólogo espanhol, em seu blog, 25-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto e a revisão é da IHU On-Line.

Segundo Pikaza, ''em sua cônica, ele me diz o que já é conhecido (como foram expulsos carmelitas e arautos, uns descalços, outros em grandes botas). Em nota pessoal (não para publicação), ele acrescenta que tudo foi um fracasso da Igreja, um erro do Papa e de Arregui (arcebispo de Quito e presidente da Conferência Episcopal do Equador), um escândalo em que estão envolvidos a polícia e os índios, aos quais supostamente os Arautos do Evangelho queriam "civilizar". Eles foram e são, no fundo, os únicos civilizados em todo o assunto"

E o blog de Pikaza reproduz a carta.

Carta pessoal de H.M., cristão de Quito-Sucumbíos:

As coisas vão de mal a pior.

1. Primeiro, a notícia da expulsão dos carmelitas... Eles se reúnem com o delegado pontifício e lhe pedem para assinar uma carta em que solicitam que lhes deixe terminar o ano pastoral e que sairão, sim, paulatinamente. O provincial vem, e decidem ir buscando outros carmelitas que os substituam, mas com calma...

Tudo isso publicam na rádio etc., e dizem que sim, que obedecem e irão embora, mas em agosto... e não imediatamente como o Papa lhes pediu. As pessoas estão muito agitadas, e há vigílias e protestos por todos os lados.

2. Dois ou três dias depois da expulsão dos carmelitas, os Arautos vão ao delegado do governo e pedem que ele assine uma carta tirando do trabalho todos os trabalhadores da rádio Sucumbíos, porque não há dinheiro... O Delegado assina a carta de expulsão, e os Arautos se apresentam na rádio, pedem-lhes uma reunião, e, enquanto uns mostram as cartas de demissão, outros tomam posse dos computadores, mudam as senhas etc., mas não sabem operar a emissora.

3. Enquanto estão tomando a rádio, as pessoas de dentro telefonam e pedem ajuda, porque os Arautos estão lá. Várias mulheres, freiras e alguns homens acorrem. Entram na rádio pulando as cercas e por debaixo das cercas e brigam aos socos com os Arautos, que chamam a polícia. Esta chega e arrasta, literalmente, as mulheres por invasão de propriedade. Algumas mulheres mordem os Arautos... e a polícia consegue fazer com que todos saiam, Arautos e as pessoas que não são da rádio. Mas, depois, os Arautos denunciaram as mulheres por "terrorismo organizado", e estão nas mãos da promotoria. As coisas vão ficando muito pior.

4. No dia seguinte, chegam alguns delegados de ministério de Quito e, na reunião, não dizem nada, pelo contrário, dizem que o governo não tem nada a ver com isso e que a Igreja é quem deve pôr ordem e dar a solução. A Assembleia não quer ouvir isso, e a alternativa que lhes dão é que os Arautos saiam nesse mesmo dia, que sejam removidos nesse mesmo dia.

5. Os governantes não se pronunciam, e, então, um grupo de índios (suhar), que estão ali na assembleia vestidos com seus trajes, suas penas na cabeça, a cara pintada com as marcas de guerra e suas lanças, vão à catedral e a tomam pela força. Arma-se a confusão, mas "nós" nos apossamos da catedral e dos salões. Fazemos guarda dia e noite. Os Arautos têm que celebrar a missa na rua etc. A tensão é cada vez maior. Lutas etc... até que, na quinta-feira passada, de repente, Arregui (o presidente da Conferência Episcopal, basco-castelhano, do Opus Dei) chama os Arautos e lhes dá a ordem de sair imediatamente.

Os Arautos vão embora em vários ônibus na quinta-feira, todos, como um exército... depois de ter suscitado, com a sua atitude, uma situação insuportável em Sucumbíos. Manipularam as pessoas, mas fracassaram e assim vão embora, para outra conquista...

6. Os carmelitas, os seis, estavam em Quito durante toda a semana "para apoiar dali o que vai acontecer". Não querem promover nenhum escândalo, não querem ser acusados de terem expulsado os Arautos, nem de terem promovido distúrbios. Talvez pensam que o presidente Correa e Arregui vão lhes pedir para que voltem, para que a situação se normalize. Mas não foi assim, já que os políticos não fizeram nada.

7. Os Arautos saem na quinta-feira, e, no sábado, os carismáticos vêm para a vigília na porta da catedral e eles voltam a tomar a catedral (jogando para fora os índios de penas e caras pintadas), de novo. A polícia vem mas a porta não lhes é aberta. Derrubam-na, perante o procurador que não tinha ordem de despejo. Derrubam a porta, entram todos, começa a pancadaria... e tiram a câmera de um seminarista que estava tirando fotos e o levam para a prisão. (Hoje, terça-feira, 24 de maio, ele saiu sem custos.)

8. Os carmelitas acompanham tudo isso em Quito. Mas ontem o Delegado Episcopal os chama para uma reunião (já prevista há dias) e lhes diz que a carta que ele tinha assinado, dizendo que podiam ficar em Sucumbíos até agosto, para terminar o ano pastoral, não valia. Ele se retrata e diz que eles têm que sair imediatamente, sem lhes dar opção para retornar a Sucumbíos para recolher seus pertences pessoais (suas roupas íntimas, seus papéis, suas recordações). Que, já que estão em Quito, já estão fora, já não pode, retornar...!!!

9. Hoje, terça-feira, dia de Santa Maria Auxiliadora (Deus nos auxilie!), o Delegado Episcopal chegou em Lago Agrio. Grupos de cristãos foram falar com ele na casa diocesana (fechada e solitária), mas é meio-dia, e ele não lhes recebeu ainda. Ele estava reunido ali com um grupo de carismáticos, um grupinho... parece que amanhã (hoje, dia 25 de maio) ele vai falar com as pessoas.

10. Vários grupos falaram com os carmelitas reclusos em Quito, por telefone, pedindo-lhes que venham, mas eles disseram que não podem fazer isso agora, porque foram proibidos e não querem armar escândalo... Que eles gostariam de ir em Pentecostes para recolher as coisas. Que lhes dá muita pena, mas não podem fazer os batizados e as primeiras comunhões e os casamentos que tinham programados, NADA de nada. Nesse momento, estão tentando que os diocesanos daqui se encarreguem de todos os compromissos...

11. Amanhã, vão se reunir vários religiosos representantes de Quito com os delegados da Conferência Episcopal. Dizem que o que vai se exigir é SEGUIR O MODELO de Igreja. O MODELO é o que estão defendendo atualmente. Querem evitar por todos os lados que esse seja um conflito arautos-carmelitas... querem evitar que um modelo de Igreja aberta a todos seja destruída.

12. A cidade (a capital da diocese e da província de Sucumbíos) esteve e continua, em parte, tomada pela polícia, parece uma cidade sitiada... É horrível tudo isso, e não se sabe o que vai acontecer. O certo é que os Arautos já apresentaram o ius comisionis (a delegação que tinham recebido) a Roma e NÃO vão voltar. Foram embora com suas botas, em grandes ônibus, depois de terem destruído toda a pastoral daqui, depois de terem sublevado o povo...

13. O que vai acontecer agora? Alguns, os mais pessimistas, dizem que vão enviar um bispo titular pior. O que vai acontecer... Muitos dos cristãos "velhos" daqui e de Quito, os que haviam compartilhado o caminho de fé dos carmelitas, aqueles que acreditavam no Deus da paz, estão horrorizados e tremendo. Quem sabe se amanhã o delegado do não vem com a polícia armada e diz que seja levantada a tenda que está montada na porta da catedral há 138 dias... proíbe tudo, e acabou... Não se sabe, mas a ferida, a divisão etc. já não tem remédio, e a reconstrução será muito difícil. O mal que foi feito aos índios, os menos culpados, já é irreparável. Para eles, o cristianismo parece ser agora mais um elo da corrente de opressões que está lhes destruindo.

14. É muito doloroso, muito doloroso que a Igreja, com Arregui e os de Roma, tenha formado tudo isso, em um lugar que era pacífica e onde havia muito evangelho. É doloroso que a Igreja não dê um passo atrás nem reconheça seus erros... Isso é angustiante para muitas pessoas boas, para a imensa maioria das pessoas, para os índios das margens dos rios...

15. Orar, orar, orar é o único, mas as coisas já estão feitas, e não há remédio. Por favor, reze por essa gente... especialmente pelos índios, pelos pobres trabalhadores, pelos cristãos que há anos confiavam na missão.

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