terça-feira, 3 de maio de 2011

335- Direitos Humanos 25 - Pena de Morte

TEXTO PUBLICADO ORIGINARIAMENTE EM 1991.


AS CITAÇÕES BIBLIOGRAFICAS SERÃO TODAS PUBLICADAS AO FINAL DESTA SÉRIE DE TEXTOS NA POSTAGEM 336 DIREITOS HUMANOS 26.

José Luiz Quadros de Magalhães



a) A questão da pena de morte

R. P. Vernet faz importante análise da questão da pena de morte e o posicionamento da Igreja Católica e dos países católicos, tentando demonstrar que o atual posicionamento dos católicos põe por terra a afirmação corrente de que os protestantes são contra, e os católicos a favor da pena de morte. Para tanto, cita opiniões contrárias à pena de morte, por parte de alguns cardeais. O Cardeal Verdier, por exemplo, afirma que o regime penal vem sofrendo constante evolução, e que não se intimida mais o homem civilizado com os mesmos processos utilizados para intimidar os selvagens.214

Embora essa afirmação, vinda de um Cardeal, demonstre uma mudança de posicionamento dos membros da Igreja, os fundamentos que justificam a mudança de posição não nos parecem os mais próximos da verdade que envolve a questão da criminalidade, principalmente por acharmos que, embora concordando, obviamente, com a repressão à criminalidade (não poderíamos adotar posicionamento diverso), esta repressão em nenhum momento pode significar uma forma de solução da criminalidade. Acrescentamos que se a pena de morte não é eficaz no “mundo civilizado”, muito menos eficaz seria entre homens “não civilizados”, com toda a reserva que merece esta enganadora expressão.

Observa Vernet que foram os países católicos os primeiros a abolir a pena de morte:



a) Portugal, que celebrou o centenário da supressão da pena de morte em 1967, aplicando esta lei em todas as suas colônias.

b) Toscana e San Marinho, e posteriormente toda a Itália.

c) A Bélgica e a Áustria pouco depois.

d) Na América pode-se citar: Brasil, Colômbia, Equador, Peru, México, Uruguai, Venezuela, Honduras, Costa Rica, Guatemala (onde se restabeleceu por um momento para depois suprimir novamente).215



Isso prova que nas mais diversas situações e realidades sociais dos países citados a pena de morte não possibilita a diminuição da criminalidade, mas o contrário, como veremos adiante.

Com relação à moral católica, Vernet afirma:



“L’Église sait qu’aprés le premier crime, Dieu promit a Cain de ne pas laver le sang dans le sang (Gen. 4,15). Elle se souvent de l’enseignement du Prophête. ‘C’est le vivant, le vivant seul que glorifie Dieu, car l’enfer ne le célèbre pas, ni la mort le loue (Is., 38, 13 et 14). Affirmation reprise par le Christ en toute autorité: ‘Dieu n’est pas le Dieu des mort, mais de vivants. ‘Dieu ne veut pas la mort du culpé mais qu’il vive!” (A Igreja sabe que depois do primeiro crime: Deus prometeu a Caim não lavar o sangue com o sangue (Gên. 4,15). Ela se lembra do ensinamento do Profeta ‘É o vivo, o vivo que glorifica Deus, porque o inferno não o celebra, nem a morte o louva”. (Is. 38, 13 e 14) Afirmação confirmada por Cristo em toda autoridade: ‘Deus não é o Deus dos mortos, mais dos vivos’. ‘Deus não quer a morte do culpado, mas a sua vida’.”216



Deixando um pouco o pensamento da Igreja, encontramos observações interessantes a respeito da pena de morte em artigo de Miguel Moacyr Alves Lima, o qual começa por observar a pena de morte no passado mais distante, quando se respondia o mal com o mal:



“Comum era o tempo em que se respondia o mal com o mal: ‘Olho por olho, dente por dente.’ Vida por vida. Refiro-me a um corpo de leis em vigor por volta de 1.700 a.C.: o Código de Hammurabi, rei babilônico (1728 a.C. a 1687 a.C.) que previa a pena capital em 29 oportunidades. Para certos crimes, o tipo de morte era especificado: ‘afogamento’: no caso da mulher do homem livre cometer adultério; ‘afogamento’, no caso de recusa da mulher ‘saidora’, que dilapida sua casa e desonra o seu marido, a ter com ele relações sexuais; ‘cremação’: no caso de relação incestuosa do filho com a mãe; ‘empalamento’, para esposa do homem livre que mandasse matá-lo, etc.”217



Entretanto, nos dias de hoje, após o longo caminho percorrido pelo homem, sempre em busca do conhecimento, novas indagações são colocadas a respeito das reais causas da criminalidade, e novas ciências, como a Sociologia aplicada ao Direito, a Psicologia Social, nos apontam soluções reais para a criminalidade.

O autor que acabamos de citar, em outra passagem de seu artigo, aborda a questão com muita nitidez:



“Já não tem mais sentido falar em pena sem que ela contenha a finalidade de ressocialização, de reeducação. Vai-se além e se fala num princípio de Defesa Social, tratado dinamicamente e que não se satisfaz com a defesa da sociedade contra o crime, contra o criminoso, mas que evolui para a defesa do próprio criminoso contra as condições que o levaram à ação delituosa.

Pensa-se em sanear as causas sociais da criminalidade. Pensa-se em combater os focos de pobreza moral e material. Pensa-se, como pensava Beccaria em 1764, na saída pela educação. Pensa-se em erradicar e prevenir o aviltamento de pessoas, de grupos, de classes sociais, de nações até em favor de ‘alguns’, de ‘poucos’, e às vezes de ‘bem poucos’. [...] É que ficou transparente aos que quiserem pensar a vida e a sociedade, com postura crítica, que é preciso ir às causas da criminalidade e não ficar apenas nos efeitos, reprimindo-se, cada vez mais, com o grande risco de asfixiar-se a sociedade civil, as pessoas e o seu cotidiano, com o Estado Policial, o Estado de Direito Penal, o Estado Penitenciário, etc.”218



Muitos outros argumentos podem ser levantados contra a pena de morte. Encontramos aqueles que se opõem a ela pela existência comum de erro judiciário: “O erro é humano e não se pode afastar a hipótese do erro judiciário em julgamentos. Isto faz com que nunca se deva recomendar a aplicação de pena de efeito definitivo, que não possa ser corrigida, como é o caso da pena capital ou pena de morte.”219

O Prof. José Barros Azevedo aponta a questão da doença mental, perguntando se é justo tirar a vida de uma pessoa porque sua doença mental não lhe permite entender o caráter criminoso do fato ou não consegue se controlar de acordo com o entendimento, acrescentando:



“Como ficaria nossa consciência hoje se aplicássemos a pena capital a um ‘psicopata incurável’ e a Medicina nos mostrasse, alguns meses depois, métodos de cura para essa mesma doença, ou se se viesse a descobrir tratamento capaz de eliminar sua periculosidade? Mas ainda há mais: a história do mundo vem nos ensinando há séculos que ‘violência gera violência’! Familiares e amigos dos executados talvez viessem a cometer excessos, à guisa de vingança.”220



Essas afirmações de professor do Medicina Legal nos fazem refletir sobre o que já ouvimos de médicos psiquiatras, como: “Pessoas mentalmente doentes são geradas por sociedade doentes.”

Isso nos leva à questão central do problema: a justiça social. De fato, queremos mostrar que é uma sociedade imperfeita, injusta e desigual que leva as pessoas à prática de crimes; que leva as pessoas a se drogarem; e a resposta à violência da revolta, com mais violência, sempre vai gerar mais violência, o que é facilmente provado.

Queremos ainda analisar ou apenas citar determinados depoimentos. Entre vários artigos e livros onde encontramos posições diferentes com relação à questão, uma chama a atenção por ser do último carrasco inglês, Harry Allen. Diz ele que muitos dos condenados à pena de morte mereciam, mas que outros, em sua opinião, não deveriam ser executados. Nesta passagem que reproduziremos, em uma linguagem nãocientífica, nota-se através do reconhecimento de um homem que lidou com a morte por assassinato legal, de que o ambiente social é o maior culpado da criminalidade, e que este, sim, deve ser mudado:



“Era raro executar homens na casa dos vinte anos. Hoje em dia, os candidatos à forca mal saíram da adolescência. Deixo aos sociólogos a interpretação do fenômeno. Quando eu era assistente de Tom Pierrepoint, lembro-me de que tivemos um condenado muito jovem. Era tão fora do comum que cheguei a perguntar a Tio Sam se devíamos mesmo enforcar o rapaz.

Tom era um bom homem, mas de poucas palavras: Não, respondeu-me. Acho que sempre precisou de umas boas palmadas.

Com isso quis dizer que os pais do jovem é que deviam ser punidos. E acho que isso se aplica muito bem aos exemplos de hoje em dia. ...

Espero que muito breve minha carreira de executor caia no esquecimento e que não mais seja alvo da curiosidade dos caçadores de emoções baratas.”221



Disse Thomas Paine: “Aquele que quiser assegurar a própria liberdade deve defender até seu inimigo da opressão, porque, se viola este dever, estabelece o precedente que virá atingi-lo”.

E. Coester, em artigo publicado em 1985, preocupava-se com a abolição da pena de morte na França, em 1981, e com a crescente prática de atos terroristas. Também nesse caso achamos não ter a pena de morte nenhum efeito dissuasivo, e fundamentamos essa posição com os trechos do autor citado:



“Mohamed Taki Al Mondarrissi, o chefe da milícia Al Amar Alislami, proclamou em Teerã que lhe é muito fácil recrutar em uma semana, quinhentos fiéis, prontos a se lançar em uma operação suicida. Nenhuma fronteira, afirma ele, poderia impedi-los. [...] Todos aqueles que, através de um fanatismo ideológico religioso, se abrigam por detrás do mito da procura de uma identidade, que conduz tanto os Bascos, como Irlandeses, Corsos, Israelenses, e mais que todos, naturalmente os Iranianos aos terroristas e à violência onde o ato de matar é glorificado. Desde 1943, se mata se suicidando.”222



Não se pode admitir que a pena de morte vá, de alguma forma, intimidar a prática desses atos de terrorismo. Da mesma forma, não se procura questionar as reais causas da sua existência e as reais soluções da questão, se bem que, no caso de envolvimento de Estados que dão subsídios a tais práticas, a questão do terrorismo se torna bem mais complexa, não comportando o seu debate neste estudo.

Marc Ancel já observava em 1969 a abolição da pena de morte em diversos países e salientava que, mesmo naqueles países onde ainda vigorava, era cada vez menos aplicada:



“Os países do Leste e especialmente a União Soviética na sua reforma de 1958-1960, ou a Iugoslávia na sua revisão de 1959 de seu Código Penal de 1950, afirmam não manter esta pena capital a não ser em casos excepcionais e esperando a sua supressão definitiva. Nos países da Europa, incluindo a Europa do Leste, e nos países americanos que ainda a conservam, são cada vez mais raras as execuções. Em todos os países evoluídos, estas execuções deixaram de ser públicas. Tudo se passa na verdade, como se o Estado, mesmo sendo obrigado a matar um criminoso, tivesse uma vergonha secreta de o fazer.”223



Portanto, em 1969, Marc Ancel já assinalava a queda das execuções da pena capital, nos países que ainda não a tinham abolido, como o anúncio de seu fim definitivo: “Alors, que represente aujourdi’hui la peine de mort? Il faut repondre hardiment: un principe, sinon un simple symbole; et c’est ce qui nous permet de comprendre la position même de ses partisans actuels.”224

O que representa hoje a pena de morte? É necessário responder: um princípio, senão um simples símbolo; e é isto que nos permite compreender a posição dos seus atuais partidários.

b) A ineficácia da pena de morte



Marc Ancel mostra que muitos dos defensores da pena de morte são aqueles oportunistas que pretendem refletir a opinião pública geral, ou o senso comum, sem nenhuma base científica. São os mal-informados, que continuam em sua maioria a acreditar que, com a supressão da pena capital, haveria um recrudescimento da criminalidade violenta. Ele se refere a alguns poucos ingleses e norte-americanos na década de 60.225 No nosso país podemos afirmar que esses mal-informados a que se refere o autor são os que acreditam que a pena de morte vai diminuir a criminalidade.

Vamos agora demonstrar a ineficácia da pena de morte como redutor de violência, como fator de diminuição da violência. São numerosos os estudos e os debates organizados por organismos universitários e científicos sobre a pena de morte que se encontram registrados em diversas publicações especializadas. Em seminário sobre a pena de morte organizado em Paris, 1977, pela Anistia Internacional, vários especialistas foram ouvidos, e entre os depoimentos registrados podemos destacar os seguintes:



“M. Claude Charmes traita de la psychologie du condamné à mort et se déclara convaincu que l’exemplarité de la peine de morte ne jouait aucun rôle au moment du passage à l’acte.” (Sr. Claude Charmes tratou da psicologia do condenado à morte e se declarou convencido de que a exemplaridade da pena de morte não tem nenhuma influência no momento da passagem ao ato).226

“Mme. Buffard, dans son exposé, estima qu’en raison du caractère structurant de la loi un système ne prévoyant pas la peine de mort serait plus apte à éviter les vengeances privées”. (Sra. Buffart, na sua exposição, estimou que, em razão da característica estrutural da lei, um sistema que não admita a pena de morte seria mais apto para evitar as vinganças pessoais.)227



As estatísticas relativas aos países em foi abolida a pena de morte demonstram claramente que esta pena não tem nenhum efeito dissuasivo. Para chegar a essa conclusão é necessário levar em conta diversas circunstâncias. Em primeiro lugar, entendendo o caráter social da criminalidade, ou seja, entendendo que é o agravamento dos problemas sociais que contribui para o aumento da criminalidade de forma mais decisiva, não sendo, entretanto, sua única causa, devemos procurar exemplos de países em que estas causas sociais permaneçam estáveis, de forma que possamos realmente medir o grau de influência no crescimento ou diminuição da criminalidade pela pena de morte. No caso brasileiro, em que os problemas sociais se agravaram diariamente em 1989, os métodos utilizados deveriam levar em consideração esse fator para análise dos dados. Entretanto, este não é o caso, por não ter o Brasil a pena de morte legalizada, e os extermínios diários de criminosos por determinados grupos armados contribuem para o aumento intensivo de criminalidade.

Portanto, para demonstrar o papel da pena de morte no aumento da criminalidade, vamos citar a República Federal Alemã. Mostraremos dados da média mensal de homicídios nos diversos Estados Alemães, antes e depois da abolição da pena de morte pela Lei Fundamental de 1949.







ANTES DEPOIS

Renânia do Norte e Westfalia 4,08 5,83

Baviera 16,1 9,41

Baixa Saxônia 17,1 8,16

Hesse 4,12 1,79

Wurtemberg – Baden 5,83 2,95

Renânia – Palatinado 3,33 3

Schlesswig – Holstein 3,83 2,12

Hamburgo 2,37 1,41

Baden 1,13 0,58

Wustemberg 1,88 3,95

Bremen 0,63 0,29

Berlim Ocidental 2,25 2,05





Portanto, entre 12 estados, apenas 2 apresentaram um ligeiro crescimento do número de homicídios, enquanto todos os outros apresentaram uma queda, em alguns lugares, bastante representativa.228

O professor Sílvio Dobrowoski mostra-nos que em diversos países em que se aboliu a pena de morte os resultados foram semelhantes:



“a) Alemanha Ocidental: ‘após a abolição da pena de morte, em maio de 1949, as estatísticas demonstraram a diminuição dos índices de crimes.’

b) Bélgica: ‘a punição capital deixou de ser aplicada de 1963, e desde então, não se observou qualquer aumento na criminalidade que pudesse ser atribuído a tal feito.’

c) Dinamarca: ‘a criminalidade tem diminuído desde que a pena de morte foi extinta em 1930’.

d) Holanda: ‘está definitivamente estabelecido que a abolição da pena capital – acontecida em 1870 – não teve como conseqüência o aumento ou a agravação da criminalidade.’

e) Itália: ‘a extinção da pena de morte – definitivamente em 1944 – não deteve a queda da média anual de crimes.’

f) Noruega: ‘nada indica que a abolição da pena capital – acontecida em 1905 – tenha provocado qualquer aumento na criminalidade.

g) Suécia: ‘é possível afirmar que o ponto de vista segundo o qual o Estado não necessita da pena de morte para assegurar plenamente sua própria proteção, não foi desmentida pela experiência’ (a pena de morte foi abolida em 1921).

h) Suíça: ‘há setenta anos (em 1874) a abolição da pena de morte foi seguida em alguns cantões – os mais atrasados – de um aumento da criminalidade, logo depois, de um decréscimo. Em 1942 – quando essa punição foi extinta, em definitivo, para todo o país – apesar da Guerra Mundial, não houve nenhuma elevação, mas, ao contrário, uma queda nos percentuais de crimes’.”229



O professor norte-americano de Direito e Ciência Política, Dr. John P. Richet, faz uma análise das características socioculturais dos condenados à morte nos Estados Unidos, cujo resultado é bastante interessante e nos leva a reflexões sobre quais seriam as dos condenados à morte no Brasil, se essa pena existisse aqui. Diz ele:



“A grande maioria dos condenados à morte receberam apenas uma educação escolar primária, e que somente três condenados eram mulheres. Sabe-se que o percentual de negros condenados à morte era historicamente superior ao de brancos. Esta cifra era de 50% em dezembro de 1973. A concentração de negros condenados à morte era mais elevada nos Estados do Sul (63%).”230



Thorsten Sellin, da Universidade da Pensilvânia, assinala que há “maior número de assassinatos de agentes de polícia nos Estados americanos onde havia o castigo extremo, em comparação com aqueles onde tal forma punitiva fora extinta”.231

Em 1972 a Corte Suprema do Estado da Califórnia declarou inconstitucional a pena de morte. Essa decisão foi baseada no artigo da Constituição daquele Estado que proíbe as penas cruéis e não habituais. Nas suas considerações, a Corte salienta que os castigos aplicados aos criminosos se fundam sobre quatro motivos:



“a reabilitação, a punição, a proteção da sociedade, a dissuasão. A reabilitação está fora de questão quando se trata da pena de morte. Quanto à punição, entendeu a Corte que esta era incompatível com a dignidade de uma sociedade esclarecida retirar a vida de alguém, justificando este ato com a noção de vingança. A terceira razão para a pena de morte ter sido rejeitada pela Corte foi a de que a sociedade pode ser protegida dos criminosos condenados por meios menos onerosos que uma execução. De nenhuma maneira a pena de morte é necessária para isolar o criminoso da sociedade. ‘Finalmente, no que diz respeito à dissuasão, a Corte ressaltou que o efeito de dissuasão (da pena de morte) é vigorosamente controvertido e fica ainda por provar’, e que não existia nenhuma base que permitisse afirmar que ‘a pena capital era um meio de dissuasão mais potente que outras formas de castigo. ‘Acrescenta ainda a Corte, que 40 nações aboliram a pena capital e que esta se tornou uma pena não habitual também na Califórnia (somente uma execução desde 1963) como também no conjunto dos Estados Unidos onde o número de execuções não parou de diminuir regularmente desde os anos 30 até parar completamente a partir de 1967."232



Concluindo a decisão, afirma a Corte da Califórnia:



“Nós concluímos que a pena capital é de uma crueldade inadmissível. Ela degrada e desumaniza todos aqueles que dela participam. Ela não é necessária para atingir a finalidade legítima do Estado, e ela é incompatível com a dignidade do homem e com a dignidade da Justiça. Nossa conclusão de que a pena de morte não deve mais ser pronunciada na Califórnia em virtude do art. 1º, alínea 6, de nossa Constituição, não é motivada por qualquer simpatia pelos criminosos que cometeram atos de violência; a preocupação é com a sociedade que se diminui ela mesma, cada vez que ela retira a vida de um de seus membros.”233



c) A pena de morte no Brasil e no mundo



Na França, a pena de morte por guilhotina foi abolida pelo Parlamento em 18 de setembro de 1981, por 369 a 116 votos, aprovando o projeto governamental neste sentido. A França veria nessa época um novo período de mudanças representativas em sua vida política e social. Chegava ao poder na década de 80 o Presidente Socialista, François Mitterand, assim como no Parlamento a esquerda obtinha maioria. Foram estes parlamentares os responsáveis pela abolição. André Decourrière lembra que “o princípio da abolição figurava no programa de todos os partidos de esquerda e a França se pronunciou desta forma nas eleições presidenciais e nas eleições parlamentares”.234

Antônio Beristain, em trabalho publicado na Revista de Informação Legislativa, registra que cerca de 133 países ou territórios ainda mantêm a pena de morte; entretanto, cerca de cinqüenta países, por razões de política governamental, não executam nenhuma sentença desde 1973.235

A legislação penal do Estado do Vaticano, vigente no período de 7 de junho de 1929 até 1º de agosto de 1969,

“estabelecia a pena de morte para o delito de atentar contra a vida, a integridade e a liberdade pessoal do pontífice Romano e dos Chefes de Estado estrangeiros. Esta histórica sanção foi abolida em 1969. Entre os países que mantêm a pena de morte, podemos colocar todos os países do Oriente Médio (Egito, Irã, Iraque, Israel, Jordânia, Líbia, Síria e Iêmen) que admitem a pena de morte para assassinatos e para outros delitos específicos contrários à segurança interna e externa do Estado. Seguindo as orientações do Corão, a Lei Islâmica sancionou o assassinato voluntário com a pena de morte. [...] tal se sucede especialmente na República Popular da China. Neste país ocorrem processos em massa e seus condenados foram executados imediatamente após o fim do processo. [...] A maior parte dos governos africanos admitem a pena de morte mas a freqüência com que se impõe e se aplica varia muito de um país para outro. Em muitos se condena e executa pessoas acusadas de delitos políticos por juízos sumaríssimos. As taxas de execuções capitais na África do Sul, há muito tempo, é uma das mais altas do mundo."236

A Constituição do Império abolia no seu texto as penas cruéis. Poder-se-ia deduzir, a partir daí, que estava virtualmente abolida a pena de morte, cruel, pois era executada por enforcamento. Entretanto, entendeu-se que o princípio constitucional não abrangia a pena capital sendo mantida: A pena de morte, de uma forma geral, nunca foi popular no Brasil. Lembra Pontes de Miranda o caso acontecido com o Frei Caneca, que não encontrou quem o enforcasse. Foi aí que o líder revolucionário sugeriu que o arcabuzassem, o que aconteceu.”237

Com a República, promulgou-se a Constituição de 1891, nitidamente liberal, ampliando o leque de direitos individuais previstos na Declaração de Direitos, e proibindo expressamente a pena de morte, só a admitindo, no caso da legislação militar, em tempo de guerra:



“Art. 72. A Constituição assegura aos brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

..................................................................................................................................

§ 21 Fica igualmente abolida a pena de morte, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra.”

Com a Revolução de 1930, assume o poder Getúlio Vargas. Em 1933 é eleita a Nova Constituinte, que inicia os trabalhos entregando ao Brasil uma Nova Carta em 1934, inspirada na social-democracia da República de Weimar, abandonando o Liberalismo do século XIX. Essa Constituição também proíbe a pena de morte, com exceção da legislação militar em caso de guerra com país estrangeiro.

“Note-se, a propósito disso, que a Constituição anterior não se referiu à guerra ‘com país estrangeiro’. Embora a interpretação levasse a tal resultado, houve por bem o constituinte de 1934 ser mais explícito sobre tal assunto. Após a Intentona Comunista de 1935, foram aprovadas três emendas constitucionais, por meio de Decreto Legislativo n. 6, de 18/12/1935. Pois bem, a primeira delas equiparou a comoção instestina grave, com finalidade subversivas das instituições políticas e sociais, ao estado de guerra. Assim, nesses casos, era possível a aplicação da pena de morte, segundo pensamos.”238

A Constituição de 1937 marca o início da ditadura do Estado Novo e é de caráter altamente autoritário, restringindo os direitos individuais e sociais e prevendo a pena de morte no art. 122, item 13, alíneas a, b, c, d e f. Na leitura do item 13 nota-se o caráter anticomunista do texto, que se refere à ditadura de uma classe social na alínea e, e ainda que, de forma bastante incoerente, tal dispositivo se encontra previsto justamente na parte dos direitos e garantias individuais:

“Art. 122. A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

..................................................................................................................................

13. Não haverá penas corpóreas perpétuas. As penas estabelecidas ou agravadas na lei nova não se aplicam aos fatos anteriores. Além dos casos previstos na legislação militar para o tempo de guerra, a lei poderá prescrever a pena de morte para os seguintes crimes:

a) tentar submeter o território da Nação ou parte dele à soberania de Estado estrangeiro;

b) tentar com auxílio ou subsídio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, contra a unidade da Nação, procurando desmembrar o território sujeito à sua soberania;

c) tentar por meio de movimento armado o desmembramento do território nacional, desde que, para reprimi-lo, torne-se necessário proceder às operações de guerra;

d) tentar, com o auxílio ou subsídio do Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, a mudança da ordem política ou social estabelecida na Constituição;

e) tentar submeter por meios violentos a ordem política e social, com o fim de apoderar-se do Estado para o estabelecimento da ditadura de uma classe social;

f) o homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade.”

Embora permitindo a pena de morte, não houve nenhuma execução, seja por crime comum, crime militar ou crime contra a Segurança Nacional: “Recorde-se que durante a Segunda Grande Guerra, foram condenados à morte expedicionários que, no teatro da guerra da Itália, praticaram crimes infamantes. Mas acabou prevalecendo a tradição brasileira, e as penas foram comutadas pelo então Presidente da República.”239

Termina a Segunda Guerra Mundial e com ela, no Brasil, o governo Vargas. A Constituição de 1946 é uma combinação de princípios liberais do Texto de 1891 com a social democracia do Texto de 1934. O § 31 do art. 141 da Constituição de 1946 dispunha:

“Não haverá pena de morte, de banimento, de confisco nem de caráter perpétuo. São ressalvadas quanto à pena de morte, as disposições da legislação militar em tempo de guerra com país estrangeiro. A lei disporá sobre o seqüestro e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidades autárquicas.”

A democracia no Brasil durou de 1946 a 1964, quando um golpe militar depôs o Presidente constitucional João Goulart, que tentava iniciar reformas sociais de base que feriam os interesses do capital internacional no Brasil.

Em 1967, temos uma Nova Constituição. O § 11 do art. 159 previu:

“Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, nem de confisco. Quanto à pena de morte, fica ressalvada a legislação militar aplicável em caso de guerra externa. A lei disporá sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de função pública.”

Em 1968, o processo político no Brasil radicaliza-se ainda mais com o Ato Institucional n. 5. Sucessivamente foram editados novos Atos Institucionais, dos quais o n. 14, de 5 de setembro de 1969, prevê a pena de morte. Este Ato Institucional altera a redação do § 11 do art. 150, que passou a vigorar da seguinte forma:

“Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, ou confisco, salvo nos casos de Guerra Externa, Psicológica Adversa, ou Revolucionária ou Subversiva, nos termos que a lei determinar. Esta disporá, também, sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de cargo, função ou emprego na Administração Pública, Direta ou Indireta.”

Nas considerações do Ato Institucional n. 14, faz-se referência à guerra revolucionária, ou subversiva, e à guerra psicológica adversa que perturbavam o País, atingindo a Segurança Nacional, “a qual deveria ser preservada para o bem-estar do povo e o desenvolvimento pacífico das atividades do País”.

Notamos que, no período Republicano, a pena de morte no Brasil, quando admitida, tem um caráter eminentemente político, o que se pode observar quando da leitura do Decreto-Lei n. 898 de 29/9/69 que previa a pena de morte de acordo com as modificações do já referido Ato Institucional n. 14, modificações estas seguidas pela Emenda n. 1 de 1969:

“O Decreto-Lei n. 898, de 29 de setembro de 1969, previu a pena de morte nos seguintes crimes:

a) entrar em entendimento ou negociação com governo estrangeiro ou seus agentes, a fim de provocar guerra ou atos de hostilidades contra o Brasil, se as hostilidades forem realmente desencadeadas (art. 8º);

b) tentar, com ou sem auxílio estrangeiro, submeter o território nacional, ou parte dele, ao domínio ou soberania de outro País, ou suprimir ou pôr em perigo a independência do Brasil, e se disso resultar morte (art. 90);

c) aliciar indivíduos de outra nação para que invadam o território brasileiro, seja qual for o motivo ou pretexto (art. 10º);

d) comprometer a Segurança Nacional, sabotando quaisquer instalações militares, navios, aviões, material utilizável pelas Forças Armadas, ou ainda, meios de comunicação e vias de transporte, estaleiros, portos e aeroportos, fábricas ou outras instalações, verificando-se morte (art. 11º);

e) exercer violência de qualquer natureza contra chefe de governo estrangeiro, quando em visita ao Brasil ou passagem pelo território brasileiro, resultando morte (art. 22);

f) promover insurreição armada ou tentar mudar, por meio violento, a Constituição, no todo ou em parte, ou a forma de governo por ela adotada, se, da prática do ato, resultar morte (art. 24);

g) praticar atos destinados a provocar guerra revolucionária ou subversiva, e se a guerra sobrevém (art. 25);

h) impedir ou tentar impedir por meio de violência, ou livre exercício de qualquer dos poderes da União ou dos Estados, se da prática do ato resultar morte (art. 26);

i) devastar, depredar ou praticar atentado pessoal, ato de massacre, sabotagem ou terrorismo, se tal ato terminar em morte (art. 28);

j) impedir ou dificultar o funcionamento de serviços essenciais administrados pelo Estado ou executados mediante concessão, autorização ou permissão, se disso resultar morte (art. 29);

l) matar, por motivo de facciosismo ou inconformismo político-social, quem exerça autoridade ou estrangeiro que se encontrar no Brasil, a convite do Governo Brasileiro, a serviço do seu país ou em missão de estudo (art. 32);

m) exercer violência, por motivo de faccionismo ou inconformismo político-social, contra quem exerça autoridade, se ocasionar morte (art. 33);

n) exercer violência, por motivo de faccionismo ou inconformismo político-social, contra estrangeiro que se encontre no Brasil, a serviço de seu país, em missão de estudo ou a convite do governo brasileiro, e dessa violência resultar morte (art. 37);

o) incitação à guerra ou à subversão da ordem político-social, ou à desobediência coletiva das leis, ou à animosidade entre as Forças Armadas, ou entre estas e as classes sociais ou às instituições civis, ou à luta pela violência entre as classes sociais, se o incitamento resultar morte (art. 39);

p) perturbar, mediante o emprego de vias de fato, ameaças, tumultos ou arruídos, sessões legislativas, judiciárias ou conferências internacionais realizadas no Brasil, se de tudo isso resultar morte (art. 41).

Conforme o espírito e a letra da Constituição está prevista a pena de morte na legislação militar para o tempo de guerra. O Código Penal Militar (29) a prevê para trinta e três crimes, a saber:

1º). traição (art. 335);

2º). favorecimento do inimigo (art. 356);

3º). tentativa contra a soberania do Brasil (art. 357);

4º). coação a comandante (art. 358);

5º). informação ou auxílio ao inimigo (art. 359);

6º). aliciação de militar (art. 360);

7º). ato prejudicial à eficiência da tropa (art. 361);

8º). traição imprópria (art. 362);

9º). covardia qualificada (art. 364);

10º). fuga em presença do inimigo (art. 365);

11º). espionagem (art. 366);

12º). motim, revolta ou conspiração (art. 368);

13º). incitamento em presença do inimigo (art. 371);

14º). rendição ou capitulação (art. 372);

15º). falta de cumprimento de ordem qualificada (art. 375, parágrafo único);

16º). separação reprovável (art. 378);

17º). abandono de comboio, qualificada (art. 379);

18º). dano especial (art. 383);

19º). danos em bens de interesse militar (art. 384);

20º). envenenamento, corrupção ou epidemia (art. 385);

21º). crimes de perigo comum (art. 386);

22º). recusa de obediência ou oposição (art. 387);

23º). violência contra superior ou militar de serviço (art. 389);

24º). abandono de posto (art. 390);

25º). deserção em presença do inimigo (art. 392);

26º). libertação de prisioneiro (art. 394);

27º). evasão de prisioneiro (art. 395);

28º). amotinamento de prisioneiros (art. 396);

29º). homicídio qualificado (art. 400, n. III);

30º). genocídio (art. 401);

31º). roubo ou extorsão (art. 405);

32º). saque (art. 406);

33º). violência carnal que resulte em morte (art. 408). 240

Posteriormente, a Emenda Constitucional n. 11, de 13 de outubro de 1978, faz com que a redação do § 11 do art. 153 da Emenda n. 1 de 1969, volte a ser igual à do § 21 do art. 150 da Constituição de 1967, antes do Ato Institucional n. 14.

Finalmente, a Constituição Brasileira de 5 de outubro de 1988 marca a redemocratização do País. Com um texto moderno e socialmente avançado, privilegia os Direitos Fundamentais da pessoa humana. A proibição da pena de morte se encontra no art. 5º:

“XLVII – não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX."


O art. 84, inciso XIX, dispõe que compete privativamente ao Presidente da República “declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar total ou parcialmente a mobilização nacional”.

A Constituição não só proíbe que a lei infraconstitucional estabeleça a pena de morte no seu art. 5º, inciso XLVII, como também (e o que é de grande importância) proíbe que seja objeto de deliberação a proposta da emenda à Constituição que vise estabelecer a pena de morte. Portanto, nem através de emenda a Constituição poderá se recriar a pena de morte no Brasil, pois o art. 60, § 4º, da Constituição Federal transformou todos os direitos e garantias individuais em cláusulas pétreas da Constituição, que não podem ser modificadas mesmo através da emenda:



“Art.60.................................................................................................

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa do Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação de poderes;

IV – os direitos e garantias individuais.”


Proíbe o Texto, no art. 5°, I a LXXVII, a supressão de qualquer direito individual e sua garantia, dentre eles o direito à vida, e no caput do art. 5º e no inciso XLVII, alínea a, proíbe expressamente a pena de morte. Não pode o caput do art. 5º ser modificado através da emenda, nem o inciso LXXVII, alínea a, ser suprimido, pela proibição do art. 60, § 4º, IV.

Este é o entendimento de José Afonso da Silva quando afirma:

“É claro que o texto não proíbe apenas emendas que expressamente declarem: ‘fica abolida a Federação ou a forma federativa de Estado’, fica abolido o voto ‘direto [...]’, ‘passa a vigorar a concentração de Poderes’, ou ainda ‘fica extinta a liberdade religiosa, ou de comunicação [...], ou o habeas corpus, o mandado de segurança [...]’. A vedação atinge a pretensão de modificar qualquer elemento conceitual da Federação, ou do voto direto, ou indiretamente restringe a liberdade religiosa, ou de comunicação ou outro direito e garantia individual, basta que a proposta de emenda se encaminhe ainda que remotamente, ‘tenda’ (emendas tendentes diz o texto), para a sua abolição.”241

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