POR QUE TÃO POUCOS OS ESCOLHIDOS?
Para o Frei Gilvander, um dos chamados.
Virgílio de Mattos(1)
Queria refletir sobre o direito penal estar por toda parte enquanto a cidadania tem que correr para pegar o ônibus, mesmo o errado da inflação legislativa.
Quando o cerco se fecha muito, mas muito mesmo, vemos as organizações religiosas fecharem-se ainda mais. O complexio oppositorum de que falava Carl Schmitt, parece ter um retrocesso espetacular: como quem dá um salto mortal no escuro da metáfora, sem rede de proteção. E se pudesse forçar no reino das metáforas a dicção de Nicanor Parra a descrever “o abismo a nos separar de outros abismos”.
Falo da hipocrisia de uma igreja retrógada que chega ao absurdo de negar a possibilidade de qualquer método de anticoncepção e o uso de camisinha anti-DST(2)! São modernos, desde que estejamos em 1492!
Aliás, não foi Inocêncio III, um pouco antes, o papa que determinou que “todos podem ser torturados”?
Se e quando a igreja, ou as religiões se você preferir, leitor incrédulo, chegarem ao anno domini 1492, teremos, enfim o que comemorar. E nem me digam que alguns burgueses, daqui a uns três séculos – depois de 1492! – virão com conversa de igualdade, liberdade e fraternidade. É esse o passar inexorável dos tempos e do tempo.
Mas em que tempo estamos que um religioso não pode expressar a sua opinião sem ser admoestado por estar em rota de colisão com a Comissão de Doutrina do Vaticano?
Que igreja é essa que não vê os 25 milhões de brasileiros que têm opção sexual diferente daquela de Adão e Eva ou se Eva e Adão estão num mesmo corpo? Ou se Eva gosta de “pecar” com Eva e Adão com Adão?
Que medo é esse? Como se papas, padres e madres bandalhos não existissem aos montes na própria igreja... Os padres pedófilos acobertados por Her Ratzringer, o füher, não causam perplexidade, mas um Frei que se manifesta por aqueles que são vítimas de preconceitos, sim. Proh pudor!
Por que não abrir a discussão dentro e fora da própria igreja? Do que têm medo os poderosos? Do velho ideal das revoluções burguesas de final do século XVIII, ou que cheguemos a 1492? Ou ambas?
Frei Betto argumenta, em seu artigo dessa semana, que “Relações entre pessoas do mesmo sexo ainda são ilegais em mais de 80 nações. Em alguns países islâmicos elas são punidas com castigos físicos ou pena de morte (Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Nigéria, etc).” Esta é a verdadeira jihad que se pretende? Os tementes a Deus, ou não, mas que querem a paz entre os mortais e os deuses, estão perplexos com a volta do futuro com tanta velocidade... E que dizer de nosso Poder Legislativo?
O jornalista (com diploma!) Henrique Leal, com a ironia e a alegria que têm sido sua marca registrada nesses últimos (tão conturbados) tempos, enviou-me uma preciosa oração para tempos tão sombrios quanto esse em que dizer as verdades comuns e corriqueiras é crime contra a fé, mesmo àqueles que a têm em demasia... No bem humorado texto – que só rivaliza, insista-se, com a alegria de viver de seu autor – é pedido ao poderoso “santo” São Jeitinho Brasileiro, que nos salve. “Santo subito!”, como bradam os italianos.
Oração a São Jeitinho Brasileiro, Padroeiro da Nação
“Senhor, eu não sou digno que entreis em minha morada, mas dizei uma só palavra e eu serei salvo”.
Já que assim o é:
1) Que eu tenha sempre muita fé na política para ser eleito e reeleito, para o bem de todos e, principalmente, dos meus;
2) Que a imprensa fique muito longe das minhas maracutaias e que minha Assessoria de Imprensa a manipule, sempre, para que eu possa ficar bem com os jornalistas pela frente, para falar mal deles por de trás;
3) Que minha Secretária continue acobertando minhas puladas de cerca, até porque pular a cerca com minha Secretária seria óbvio demais;
4) Que meu Chefe de Gabinete continue melhor que a Cinq a Sec, lavando direitinho meu dinheiro, como convém;
5) Que eu tenha sempre filhos de Desembargadores, por nada fazer, em meu Gabinete, aquecendo, devidamente, minhas combalidas costas;
6) Que o meu partido continue bem partido para que eu possa me sobressair na idiotice pasmacenta ignóbil dos ignorantes;
7) Que eu tenha sempre um empresário de plantão – santos empresários! – que me socorram na hora de cobrir uma despesa com nota fiscal fria;
8) Que eu continue a utilizar as Comissões das quais participo para perseguir meus inimigos e favorecer meus amigos;
9) Que minha máscara de charme, simpatia, carisma e inteligência jamais caia diante de minha arrogância sem limites;
Parágrafo Único: e, se nada disso der certo, que eu tenha sempre um Arcebispo que me absolva na hora em que a Polícia Federal colocar a mão em mim.
Assim seja.
Amém.
- Do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade. Do Fórum Mineiro de Saúde Mental. Autor de Crime e Psiquiatria – Preliminares para a Desconstrução das Medidas de Segurança, A visibilidade do Invisível e De uniforme diferente – o livro das agentes, dentre outros. Advogado criminalista. virgilio@portugalemattos.com.br
- A “camisinha” é útil, é fundamental para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, mas como método anticonceptivo deixa muito a desejar.
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