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5.2.7 Liberdade de consciência
José Luiz Quadros de Magalhães
A liberdade de consciência está intimamente ligada à liberdade de expressão, pois uma depende diretamente da outra. São inseparáveis. Para a livre formação da consciência é necessário que exista a liberdade de expressão, pois é através do livre acesso a todas as correntes do pensamento da humanidade que poderá o indivíduo formar livremente a sua consciência filosófica, política ou religiosa. Daí, limitando-se a liberdade de expressar, estará sendo limitada também a liberdade de formação da consciência. Entretanto, não será somente dessa forma que poderá ser violada, o que no nosso entender é a mais preciosa liberdade. Pontes de Miranda nos ensina que “quando se pensa e não se diz, nem se deixa perceber, torna-se impossível, lá fora, conhecer-se o que se pensa e ter-se prova”.88
Dessa forma, cria-se uma barreira natural à ação do autoritarismo estatal ou privado, que, não conhecendo o pensamento, não vai procurar interferir nele de maneira bárbara e cruel como por meio das diversas formas de lavagem cerebral. Mas mesmo esse esconderijo da consciência, que é o silêncio, pode ser violado. Vamos recordar mais uma vez o mestre Pontes de Miranda, utilizando suas palavras:
“Expedientes e truques têm sido usados para derrubar essa muralha e se permitir, com explicações cavilosas, o sadismo decadente das indagações inquisitórias, tais como a leitura de poemas revolucionários, em reuniões, para se verificar, pelos olhos, se alguns dos presentes o conheciam; ou de música, para se verificar ser estranha, ou não, aos ouvintes. Recorrem-se a outros meios, inclusive tóxicos especiais e soros por sugestão. Essa invasão do foro íntimo obedece a sistema geral de regressão”.89
O Estado autoritário, ou o autoritarismo privado não contente em limitar ou acabar com a liberdade de expressão, busca o que de mais íntimo tem o ser humano: a sua consciência.
Podemos identificar na História formas diferentes de violação da liberdade de consciência. Através da tortura e do uso de drogas viola-se a consciência, esvazia-se o cérebro, condicionam-se comportamentos: é o que se pode chamar de lavagem cerebral individual.
Outra forma de controle de consciências é feito de forma coletiva. O autoritarismo segue então um processo de manipulação da opinião pública, conduzindo a população a acreditar em algo que não corresponde à realidade. Em primeiro lugar, é necessário criar-se um mito, e que alguém, um homem, encarne-o . Um líder no qual a população possa se realizar, o que a Psicologia chamaria de ideal de ego. Após a criação do mito, a propaganda em massa, e a censura das idéias e informações que possam abalar o mito. Normalmente, facilita a condução da massa a criação de um sinal ou símbolo comum de identificação. O uniforme usado por civis na época do nazismo é um exemplo. Facilita a identificação entre os seguidores algo como: estamos todos juntos, caminhando na mesma direção. O último passo é a violência contra aqueles que resistem à manipulação do pensamento e do comportamento. Assim se forma o quadro que permitirá que as ideologias autoritárias ou totalitárias tenham seguidores cegos, impossibilitados de usar a razão, inconscientes da realidade.
Essa forma de controle da opinião pública, conduzindo a uma alienação da realidade, pode ser feita de forma muito mais eficaz na atualidade, através dos meios de comunicação social, principalmente a televisão, que é o meio de comunicação e de informação único para a maioria da população, proporcionando àquele que detém o seu controle um poder sem igual. Pode-se, na atualidade, impor regimes e governos aparentemente democráticos, perpetuando grupos no poder através do controle da informação. Pode-se até mesmo tolerar dissidentes e críticos do sistema imposto, pois as dissidentes escrevem para si mesmos, ajudando a criar a imagem de liberdade, utilizando de um meio de informação caro e pouco utilizado: o livro ou os jornais de pequena circulação. Tudo isso concede a aparência de liberdade a um Estado (muitas vezes privatizado ou ocupado pelo grande poder econômico privado) que pode facilmente controlar as consciências. Por esse motivo é que, para a evolução da democracia e para a legitimidade de seus pleitos, é necessário que se tenha como pressuposto a livre expressão da vontade consciente da população.
A Constituição de 1988 traz importante dispositivo – art. 220, § 5º –, que é uma proteção que se oferece à liberdade de consciência, quando proíbe o monopólio e o oligopólio dos meios de comunicação social.
Quando trata especificamente da liberdade de consciência, o texto constitucional é pouco preciso, fazendo por vezes a habitual confusão entre liberdade de consciência e liberdade de expressão do pensamento religioso.
O direito à liberdade de consciência se encontra nos incisos VI, VII e VIII do art. 5º da Constituição Federal, com a seguinte redação:
“Art.5º.................................................................................................
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias;
VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de intervenção coletiva;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivos de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.
O inciso VI enfoca a liberdade de consciência apenas na primeira frase, passando a tratar da liberdade de expressão ao se referir a “exercício dos cultos religiosos”. Note-se, ainda, que quando fala em liberdade de consciência está-se referindo a consciência filosófica, religiosa e política, não sendo necessário repetir-se a liberdade de crença, que nada mais é do que uma forma de consciência religiosa.
O inciso VII assegura a assistência religiosa nas entidades civis e religiosas, protegendo a liberdade de consciência religiosa ao assegurá-la aos civis e militares que tenham crenças diferentes, não podendo haver imposição, nos estabelecimentos militares, de uma só crença.
O inciso VIII vem proibir o cerceamento dos direitos ou a perda destes por motivos de crença religiosa, convicções políticas e filosóficas, admitindo-se a exceção única no caso de a pessoa invocar sua consciência para eximir-se de obrigação legal, a todos imposta, recusando-se ainda a cumprir uma prestação alternativa.
Podemos perceber, ainda dentro dessa liberdade fundamental, uma outra que será a liberdade de não emitir o pensamento, ou não dar a conhecer a sua consciência. Com relação à escusa de consciência, a Constituição isenta de punição a recusa de cumprimento de obrigação legal que seria exigível ao sujeito, “mas retira o direito (a vantagem) que é contrapartida da prestação”.90
Na Constituição norte-americana encontramos uma brevíssima referência à liberdade de consciência propriamente dita na mesma Emenda n. 1, que se refere às liberdades de expressão e de reunião, que, como já vimos, estão intimamente ligadas à liberdade de consciência. A Emenda n. 1, quando se refere à liberdade de consciência, menciona somente a consciência religiosa, proibindo o Congresso de fazer lei relativa ao estabelecimento de religião.
Na Constituição Soviética encontrava-se a liberdade de consciência religiosa. Não é, pois, a liberdade de consciência propriamente dita, mas sim a liberdade de professar uma religião. Não existia referência à liberdade de consciência filosófica ou política. O art. 52 da Constituição da URSS tem a seguinte redação:
“É garantida aos cidadãos da URSS a liberdade de consciência, isto é, o direito de professar qualquer religião ou não professar nenhuma, de celebrar cultos religiosos ou de fazer propaganda do ateísmo. É proibida a incitação ao ódio e à hostilidade por motivo de crença religiosa.
Na URSS, a igreja está separada do Estado e a escola separada da Igreja”.91
A Constituição portuguesa assegura a liberdade de consciência da seguinte forma:
“Art. 41...........................................................................................
1 – A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável.
2 – Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções.
3 – Ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções políticas ou religiosas, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a responder.
4 – As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto.
5 – É garantida a liberdade de ensino de qualquer religião praticada no âmbito da respectiva confissão, bem como a utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas atividades.
6 – É garantido o direito à objeção de consciência nos termos da Lei”.
E, ao tratar da liberdade de consciência, faz referência somente à liberdade de consciência através do culto. Não faz, como a Constituição brasileira de 1988, referência direta à liberdade de consciência filosófica e política em outros artigos. No art. 33, item 2, por exemplo, existe a proibição de extradição por motivos políticos, o que significa que Portugal não reconhece os crimes de opinião. Também quando assegura a liberdade de expressão de qualquer pensamento, o faz, conseqüentemente, com a liberdade de formação da consciência. Finalmente, é importante ressaltar a restrição que faz a Constituição portuguesa ao proibir associações que perfilem a ideologia fascista.
O texto constitucional espanhol também assegura a liberdade de consciência juntamente à liberdade religiosa e de culto, só que fala em liberdade ideológica, tendo pois um sentido mais amplo, referindo-se ao pensamento político e filosófico. Fica claro, em todos estes textos estudados, a inseparabilidade lógica das liberdades de expressão e da liberdade de consciência.
O art. 16 tem a seguinte redação:
“Art. 16...........................................................................................
1 – É garantida a liberdade ideológica, religiosa e de culto dos indivíduos e das comunidades, sem outro limite, nas suas manifestações, do que é necessário para a manutenção da ordem pública.
2 – Ninguém pode ser obrigado a declarar a sua ideologia, a sua religião ou as suas crenças.
3 – Nenhuma confissão terá caráter estatal.
Os Poderes Públicos terão em conta as crenças religiosas da sociedade espanhola e a manutenção das conseqüentes relações de cooperação com a Igreja Católica e as demais confissões”.
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