terça-feira, 3 de maio de 2011

326- Direitos Humanos 16 - Reforma Agraria

TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM 1991. AS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E CITAÇÕES DE TODOS OS TEXTOS DESTA SÉRIE SERÃO PUBLICADAS AO FINAL.


5.2.7 A questão da reforma agrária

José Luiz Quadros de Magalhães

a) Breve relato histórico

O Brasil, antes de sua descoberta, já existia sob o signo do latifúndio. O Tratado de Tordesilhas dividiu o mundo em dois imensos territórios, concedendo a Portugal a porção situada a 300 léguas a oeste do arquipélago do Cabo Verde. A etapa seguinte foi a divisão do território brasileiro em 13 de capitanias hereditárias, para 13 amigos do Rei de Portugal. Esses 13 latifúndios foram depois subdivididos em sesmarias, que geram os atuais latifúndios.102

A Coroa Portuguesa incentivou a reforma da técnica agrícola, mas fez qualquer referência a uma reforma agrária. Ao contrário manteve por três séculos o regime das sesmarias, o principal responsável pela consolidação do latifúndio improdutivo no Brasil.103

É interessante notar que vários projetos de reforma agrária foram escritos durante os anos de 1770 e 1817, por homens dos mais diversos grupos sociais em diversos lugares do Brasil, caracterizando uma insatisfação generalizada com a realidade colonial.104 Como exemplo, o padre jesuíta João Daniel (1722-1776), que escreveu uma obra sobre a Amazônia, imaginando implantar ali uma sociedade mais igualitária, na qual o acesso à terra seria garantido a todos e não haveria escravidão.

José Arouche de Toledo Rendon é o autor, em 1788, das "Reflexões sobre o estado em que se acha a agricultura da Capitania de São Paulo", escrevendo que o “Poder Público pode confiscar as terras não aproveitadas para incentivar a criação do gado e a agricultura”.105

As Ordenações, regulamentando a concessão da sesmaria, dispunham:



a) que não se dessem maiores terras a uma pessoa que razoavelmente parecesse não poder aproveitar;

b) se as pessoas a quem foram dadas as sesmarias não as aproveitarem no tempo determinado, as terras seriam dadas a outros para que estes as aproveitassem.”106



Entretanto, essa lei não foi aplicada no Brasil com rigor. Luís dos Santos Vilhena, português nascido em 1774, nomeado professor régio em Salvador, propõe uma lei agrária que preveja o confisco de terras improdutivas e a sua redistribuição em lotes menores.107



b) Reforma agrária – Conceito



A Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964, conceitua a reforma agrária no art. 1º, § 1º:



“Art.1º..................................................................................................

§ 1º Considera-se reforma agrária o conjunto de medidas que visem promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento da produtividade.”



São inúmeros, no entanto, os conceitos de reforma agrária. Conforme o conceito legal, constitui uma tentativa de alteração profunda na estrutura social e nas relações tradicionais de propriedade, donde se deduz, a partir do texto da Exposição de Motivos que encaminhou ao Congresso Nacional o projeto do Estatuto da Terra, que o conceito de reforma agrária adotado no Brasil seria o de reforma integral.108

Preconizada nos estatutos dos países latino-americanos, significa que deve haver uma substituição total dos sistemas de latifúndio, que, conforme Octávio Mello Alvarenga, também é um sistema integral. Dessa forma, deve acontecer uma substituição “integral” em todos os setores da agricultura: fundiário, associativista, de crédito, assistência técnica, comercialização e serviços.109

Esse conceito brasileiro se baseia nas diretrizes acertadas entre os países latino-americanos, reunidos em Punta del Este em 1960. Entre as metas a serem alcançadas podemos destacar que a finalidade principal da reforma agrária será o aumento do nível social e econômico do pequeno e do médio produtor, através da formação de empresas agrárias com base no sistema cooperativo e, alternativamente, a formação de empresas comunitárias juntamente com o combate frontal ao latifúndio e ao minifúndio.110

Fernando Pereira Sodero disseca o conceito estabelecido no § 1º do art. 1º da Lei n. 4.504/64, para sua melhor compreensão do artigo:



• A expressão “conjunto de medidas” elimina definitivamente a idéia de que reforma agrária será simplesmente uma divisão de latifúndios.

• “Melhor distribuição de terras” vai significar que, partindo do combate ao latifúndio e ao minifúndio, deve-se chegar a um resultado satisfatório, conjugando a propriedade familiar com a propriedade média, cada qual com o seu fim econômico específico (produção para o mercado interno e/ou exportação).

• “Mediante modificações no regime de posse” significa que deve ser alterado o conceito do direito de propriedade da terra como simplesmente sendo um bem patrimonial, para significar um bem de produção.

• “Mediante modificações no regime de seu uso” significa que se deve utilizar corretamente o solo, sem atividades predatórias.

• “A fim de atender aos princípios da justiça social” significa que o beneficiado será o sem-terra, o posseiro, o trabalhador rural, o parceiro, o arrendatário, o empreiteiro rural, que terá a sua terra e a assistência na produção.

• Finalmente, a expressão “a fim de atender ao aumento de produtividade” deve ser entendido como a obtenção da produção quantitativa mais alta.111

Octávio Mello Alvarenga, em artigo publicado na Revista da OAB, observa que, como a reforma agrária deve



“liquidar um determinado sistema agrário que se reputa inadequado [se uma] reforma agrária irá importar em redistribuição de terra e eliminação das barreiras institucionais que impedem o processo de desenvolvimento social e econômico, e a modernização, deve haver uma ação rápida, massiva e drástica”.112



Coutinho Cavalcanti fornece o seguinte conceito de reforma agrária



“Reforma agrária é a revisão e o reajustamento das normas jurídico-sociais e econômico-financeiras que regem a estrutura agrária do País, visando à valorização do trabalhador do campo e o incremento da produção, mediante a distribuição, utilização e exploração sociais e racionais da propriedade agrícola, à melhor organização e extensão do crédito agrícola e ao melhoramento das condições de vida da população rural”.113



Nesse conceito, é importante notar os termos revisão e reajustamento, pois é necessário, para se efetuar uma reforma, que se faça uma revisão de todo o complexo de normas jurídicas e da realidade social, econômica e financeira vigente, para que se possa, a partir dos dados obtidos, se reajustar toda a estrutura agrária, de acordo com as necessidades e exigências da população rural e da realidade social e econômica existentes no País.

Segundo Coutinho Cavalcanti, para se atingir a reforma deve haver uma modificação nos alicerces jurídicos, sociais, econômicos e financeiros, alterando-se o regime jurídico da propriedade, a assistência social, a técnica agrícola, o sistema de crédito, com os objetivos básicos de valorizar o trabalhador do campo e incrementar a produção.114

Convém deduzir que, se podemos chegar a um conceito mais amplo a respeito de reforma agrária, no seu aspecto geral, é de fundamental importância reconhecer que, para sua realização, não haverá jamais uma receita universal. O Prof. Cláudio Thomás Bornstein nos ensina que para a realização de uma reforma agrária é necessário levar-se em conta a especificidade que esta deve ter para cada país, para cada região: “Universal e geral é somente o fato de que uma reforma agrária será tanto mais perfeita quanto menos universal e geral ela for, isto é, quanto mais se adaptar às condições socioeconômicas e às condições políticas específicas de cada região”.115

A reforma agrária não será uma simples repartição de terras. Assim, ela seria contraproducente, pois poderia levar a formas mais individualistas de produção, prejudicando a divisão social do trabalho e as formas coletivas de produção, que normalmente são mais eficientes e mais rentáveis. Tomando como exemplo a grande plantação de caráter sazonal (depende da estação do ano, do tempo profícuo) e agroexpositor, é fácil notar que uma reforma agrária baseada na simples repartição de terras poderia comprometer as formas modernas de organização e administração que caracterizam essas plantações. O fracionamento de uma fazenda, onde já existem formas coletivas de trabalho, em uma grande quantidade de pequenos produtores isolados, pode colocar tudo a perder. O importante em uma reforma agrária também será o favorecimento à associatividade do homem do campo, dando preferência a formas coletivas de produção.116

Para Cláudio Thomás Bornstein, “as formas mais individualistas de produção, como, por exemplo, a propriedade familiar ou o minifúndio, costumam ter baixa produtividade, por impossibilitar a utilização de meios de produção mais modernos, por tornar mais difícil a mecanização, como também por favorecer a formação de uma mentalidade individualista no camponês, que atenta contra qualquer projeto mais progressista de desenvolvimento social.”117

Pompeu Accioly Borges, ex-diretor no Brasil da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), estabelece uma estratégia reformista para o desencadeamento de uma verdadeira reforma agrária com chances de êxito. Para ele, a reforma agrária deve ser um processo maciço, rápido e drástico, na qual exista uma mobilização das forças políticas e entidades representativas da massa rural, incentivando-se o surgimento de sindicatos rurais. Deve haver ainda uma limitação no pagamento das indenizações pela desapropriação e uma fixação de prazos mais longos de resgate dos títulos, sendo que todo o processo de planejamento, coordenação e execução deve ser feito por uma só entidade estatal de caráter autárquico forte. A reforma agrária deve incidir sobre as grandes propriedades não aproveitadas ou mal cultivadas, e a nova estrutura a ser criada deve ser apoiada na pequena empresa familiar, integrada em cooperativa de produção agrícola e na média empresa, multifamiliar ou comunitária, modificando as relações de trabalho existentes, assegurando no meio rural uma justa distribuição da renda agrícola e maiores direitos e garantias à mão-de-obra assalariada.118



c) Colonização e reforma agrária



Segundo o art. 40, Capítulo II, do Título III do Decreto-Lei n. 7.967, de 18 de setembro de 1945, colonização é “a promoção destinada a fixar o elemento humano no solo, ao aproveitamento econômico da região e à elevação do nível de vida, saúde, instrução e preparo técnico dos habitantes das zonas rurais”.

O Estatuto da Terra – Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964 – define a colonização como “toda atividade oficial ou particular que se destina a promover o aproveitamento econômico da terra, pela sua divisão em propriedade familiar ou através de cooperativas” (Capítulo I do Título I, art. 4º, inciso IX).

O Decreto n. 59.428, de 27 de outubro de 1966, no seu art. 5º, torna mais explícita a participação do sistema cooperativo no processo de colonização, à qual define como



“toda atividade oficial ou particular destinada a dar acesso à propriedade da terra, e a promover seu aproveitamento econômico, mediante o exercício de atividades agrícolas, pecuárias e agro-industriais, através da divisão em lotes ou parcelas, dimensionadas de acordo com as regiões definidas na regulamentação do Estatuto da Terra, ou através das cooperativas de produção nela previstas”.119



Para Dryden Castro de Arezzo, “reforma agrária e colonização implicam em duas concepções de política bastante diferentes, cada uma com objetivos e procedimentos próprios”.120

Ultimamente, confunde-se propositadamente esses dois termos, chamando de reforma agrária, que nunca foi efetivamente realizada, a colonização. Assim, o simples assentamento de colonos em terras inexploradas é chamado por muitos de reforma agrária.

A reforma agrária é muito mais ampla, implicando a mudança do sistema agrário. É a substituição de um sistema inadequado por um novo sistema. É redistribuição de terras modificando toda uma relação de trabalho existente. É o combate frontal ao latifúndio e minifúndio. Não se confunde, pois, com colonização.

Dryden Castro de Arezzo nos ensina que hoje “confunde-se (ou procura-se confundir) a colonização enquanto processo, com a colonização enquanto sistema, este último relacionado com a forma ou procedimentos de se parcelar (ou dividir) a terra em lotes ou parcelas. Dentro desse sentido, podemos ter um sistema de colonização, tanto em um processo de Reforma Agrária, como de colonização”.121

Para José Emílio G. Araújo, colonização não se confunde com reforma agrária. Colonização não é um substituto da reforma agrária. Colonização é a ocupação ou a incorporação de novas terras, particulares ou estatais, ao processo de produção agrícola, as quais não tenham sido “submetidas à exploração ou uso agropecuário e que não têm acesso regular à infra-estrutura existente, em um determinado momento, em um País”. Colonização deve ser um complemento da reforma agrária, jamais um substituto.122

Dessa forma, podemos agora entender que a colonização foi utilizada como resposta populista aos movimentos sociais e, até mesmo, como instrumento contra a reforma agrária. A Segunda República no Brasil (1930-1945) “marca a passagem da política de colonização e imigração estrangeira para a política de migrações internas e de colonização para os trabalhadores nacionais”.123

De 1945-1964, a República retorna à política de colonização como uma resposta ideológica e política às lutas sociais no campo, tendo sido o governo Kubitschek o que mais implantou projetos de colonização. Posteriormente, a colonização foi utilizada contra a reforma agrária no período de 1964-1982. Apesar da ação ambígua no período até 1970, quando se propôs uma legislação favorável para se efetuar a reforma agrária, a partir daí toda a atenção do Estado voltou-se novamente para a colonização, adotando a ideologia que a coloca como a única solução para o problema agrário brasileiro. Baseando-se “na existência de terras devolutas, a colonização abriria a perspectiva de acesso à propriedade de um lote de terra às populações rurais”.124

O sociólogo e professor José Vicente Tavares dos Santos, após um estudo da colonização no Brasil, chega a duas conclusões a respeito do seu objetivo nos anos mais recentes. Primeiramente, observando que a ocupação das novas terras, dirigida por órgãos públicos ou empresas particulares, tem como objetivo a formação de pequenos proprietários familiares, no Centro-Oeste e na Amazônia, com condições modernas de produção e um comportamento político conservador da ordem social, formula a hipótese de que “a política de colonização consiste em uma técnica social que utiliza instrumentos de controle e de seleção social para reproduzir uma denominação política e ideológica sobre as populações rurais brasileiras”.125

Essa política de colonização assegura a estrutura fundiária vigente e tenta suavizar as tensões sociais estruturais da agricultura brasileira, distribuindo lotes nas regiões de conflito.

A segunda hipótese formulada pelo mestre em Sociologia, é a de que “a política de colonização consiste em uma reação do Estado às lutas sociais no campo, visando neutralizá-las mediante a incorporação, de modo subordinado, de suas reivindicações, em particular pela terra, a fim de estabelecer a dominação política e ideológica sobre as populações rurais brasileiras.”126



d) Violência no campo



Dentre os inúmeros benefícios sociais e econômicos de uma reforma agrária integral no Brasil, está o fim às violências constantemente cometidas no campo.

Segundo dados cadastrais do INCRA existiam, no ano de 1985, 11 milhões de trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra no Brasil, número que corresponde a cerca de 14% da população econômica ativa, sendo a reforma agrária o único meio capaz de garantir-lhes a propriedade da terra, o seu meio de produção.127

Pode-se dizer que, a grosso modo, os latifundiários que correspondem a 3% dos proprietários possuíam em 1985 em torno de 70% 80% de todas as terras ocupadas.128

De acordo com os números apresentados pelo governo, os estabelecimentos rurais com área igual ou superior a 1.000 hectares representavam, em 1980, 1% do total de propriedades rurais e, aproximadamente, 45% da área total. Esse percentual aumenta, em 1984, para 58% da área total. Ainda em 1984, constatou-se que 342 proprietários latifundiários controlavam uma área de 47,5 milhões, superando em 5 milhões de hectares o total de terras em poder de 2,5 milhões de pessoas.129

Além de tudo isso, constatou-se ainda, em 1984, a existência de 10,6 milhões de trabalhadores sem terra, ao passo que existiam 409 milhões de hectares apropriados como latifúndios, sendo que 41% da área explorável destes não era explorada.130

O resultado de tudo isso, além da miséria, da fome e de outras conseqüências sociais, é o do aumento de violência no campo, o que pode ser confirmado pelo gráfico a seguir:



Ano           Conflitos ocorridos              Números de mortes

1971                    109                                        20

1976                    126                                        31

1981                    896                                        91

1984                    950                                       180



Fonte: ABRA, Contag, CPT.131



Em quase todos os Estados da Federação, o número dos mortos em conflitos de terras aumentou em 100% entre 1983 e 1984. Os Estados que mais mortes registraram foram os seguintes: Maranhão (68 conflitos), Goiás (60), Bahia (58), Pará (53), Mato Grosso (46) e Minas Gerais (35). Neste último, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Francisco foi assassinado em 16 de dezembro de 1984 por um fazendeiro e seu capanga, que dispararam sete tiros à queima-roupa, além de o espancarem e esfaquearem.132

A socióloga Vera Lúcia G. da Silva Rodrigues e o engenheiro-agrônomo e doutor em Agronomia José Gomes da Silva chegaram a determinadas conclusões, após o estudo realizado sobre os conflitos de terras acontecidos entre 1971 e 1974, dentre as quais vamos ressaltar as seguintes:



a) “O problema agrário no Brasil, cuja importância é revelada

também pelo número de vítimas das lutas pela posse da terra,

manifesta-se tanto nas áreas ocupadas (Nordeste, Santa Catarina),

como nas zonas pioneiras (Pará, Roraima, Mato Grosso, Goiás).

b) Os conflitos agrários no Brasil, quando se transformam em luta armada, caracterizam-se pela violência, com o número de mortes superando, largamente, o de feridos.

c) O simples registro de um conflito feito pelo método do noticiário ou pelo método de levantamento direto nem sempre dá idéia da real dimensão do incidente. Assim, por exemplo, no conflito registrado no Estado de São Paulo em março de 1974, como uma simples ocorrência do tipo 'A' (sem invasão, feridos ou mortos), a pressão dos posseiros do Vale do Ribeira acabou resultando na distribuição de 487 títulos de propriedades. Da mesma forma, no Paraná, os conflitos que ocorrem no sudoeste, quase sempre noticiados isoladamente, envolvem milhares de colonos e glebas em litígio.”133

Estas conclusões vêm confirmar, com dados reais, com fatos, a idéia anteriormente colocada: “A política de colonização é uma reação do Estado às lutas sociais”. Isso pode ter sua comprovação pelo fato de 487 títulos terem sido concedidos no caso citado na letra c, como forma de atenuar as tensões sociais. Podemos ainda anotar que, de acordo com a conclusão na letra a, mesmo nas áreas pioneiras existem conflitos de terras, o que confirma o pensamento de que a colonização jamais poderá substituir a reforma agrária.



e) Reforma agrária na Constituição de 1988



Ao estudarmos o direito à propriedade privada é necessário verificar as limitações a esse direito, como foi visto nos incisos do art. 5º. A Constituição Federal, além das limitações estabelecidas neste artigo, elenca outras no Título VII, referente à Ordem Econômica, especialmente no Capítulo II, sobre a Política Urbana, e no Capítulo III, sobre a Política Agrícola e Fundiária, e Reforma Agrária.

Começamos pouco a pouco vislumbrar com maior clareza a integração dos grupos de direitos que compõem os Direitos Humanos. Neste caso é o Direito Econômico, com suas normas, que limita um Direito Individual em benefício do interesse social.

O art. 184 determina a competência da União para desapropriar por interesse social para fins de se fazer uma reforma agrária no imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização, que será em títulos da dívida agrária, resgatáveis a partir do segundo ano até vinte anos, excetuando-se as benfeitorias úteis e necessárias, que serão indenizadas em dinheiro.

Cria a Constituição no § 2º do art. 184 a necessidade de a União promover a ação de desapropriação que será autorizada pelo decreto que declara o imóvel de interesse social, e rito sumário estabelecido em lei complementar.

Proíbe a desapropriação, para fins de reforma agrária, da pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra, assim como a propriedade produtiva.

Note-se que o inciso II do art. 185, ao proibir a desapropriação para fins de reforma agrária da propriedade produtiva, admite que mesmo não cumprindo os demais requisitos relativos à função social, sendo a terra produtiva, não poderá ser desapropriada. Portanto, mesmo não havendo a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente e mesmo não havendo a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e uma exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores, sendo a terra produtiva segundo os critérios legais, esta não poderá ser desapropriada para fins de reforma agrária.

Esse dispositivo constitucional mostra a ambigüidade de um texto que, ao mesmo tempo que sugere ser avançado nos Direitos Individuais e Sociais, ajuda a perpetuar no campo os latifúndios, a violação do meio ambiente, a exploração do trabalhador rural, a violência, a miséria e o êxodo dos trabalhadores sem terra.

Um comentário:

  1. Ei Professor!
    Muito bom o texto. Não sabia diferenciar colonização e reforma agrária, além de tantas outras informações sobre o tema. Fica muito prejudicado o ensino jurídico técnico, reflexivo e crítico desse campo na tão reconhecida faculdade de Direito que cursei, nem chegamos a ter Direito Agrário apesar de estudar num Estado de tantas terras...
    A falta de interesse em contribuir para a formação do conhecimentoa e visão crítica dos alunos/profissionais nessa área é nítido.
    Obrigada pelo seu empenho!

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