quarta-feira, 29 de maio de 2013

1326- Contraponto Cultura - Lusia Ribeiro Pereira - sobre Walter Benjamin

Programa Contraponto Cultura da TV Comunitária de Belo Horizonte com Tatiana Ribeiro de Souza e José Luiz Quadros de Magalhães entrevistando a professora da PUC Minas Lusia Ribeiro Pereira sobre a obra de Walter Benjamin:

quinta-feira, 23 de maio de 2013

1325- Precisamos fechar Guantánamo

Caros amigos, 



Dentro de 24 horas, o presidente Obama pode dar fim a mais de uma década de injustiças e finalmente fechar Guantánamo, a prisão mais polêmica do mundo. Enquanto ele se prepara para o seu discurso em resposta à greve de fome dos presos, vamos enviar uma mensagem ressonante: chega de desculpas -- o mundo exige o fechamento dessa versão americana dos porões da ditadura. Assine agora:

Sign the petition
Dentro de 24 horas, o presidente Obama pode, de uma vez por todas, dar o passo final para fechar Guantánamo -- a prisão mais polêmica do planeta.

Obama tem sido pressionado a responder sobre a prisão em um discurso público: mais de 100 detentos estão em greve de fome e a ONU denunciou a alimentação forçada como uma prática de tortura. Se um número significativo de nós exigir um plano de ação, Obama poderia libertar os prisioneiros que já têm autorização para ser soltos ou transferidos e nomear um oficial da Casa Branca com uma missão: fechar Guantánamo!

Estamos em um momento decisivo. Assine para exigir que Obama feche essa versão americana dos porões da ditadura e compartilhe os fatos chocantes abaixo, trazendo mais pessoas para esse apelo mundial:

http://www.avaaz.org/po/obama_shut_down_gitmo_4/?bFvlMcb&v=25084 

Os fatos falam por si próprios:
  • Número atual de presos em Guantánamo: 166
  • Presos com acusações pendentes: 6
  • Presos cuja liberdade imediata foi garantida, mas que continuam sob custódia: 86
  • Detentos de Guantánamo em greve de fome: 103
  • Detentos em greve de fome que foram forçados a comer: 30
  • Prisioneiros que morreram em custódia: 9
  • Crianças detidas pelos EUA em Guantánamo: 21
  • Presos julgados em um tribunal civil: 1
  • Presos sem direito à liberdade pois não podem ser julgados devido a falta de provas ou tortura: 50
  • Prisioneiros libertados pelo governo Bush: 500+
  • Prisioneiros libertados pelo governo Obama: 72
  • Custo anual da prisão aos cidadãos dos EUA: US$150 milhões
  • Dias passados desde que Obama prometeu fechar Guantánamo: 1580
  • Dias passados desde que os prisioneiros chegaram em Guantánamo: 11 anos, 4 meses, 12 dias
Durante anos, Obama culpou o Congresso dos EUA pelo fracasso de não fechar Guantánamo. Mas desde que o Congresso concedeu ao Departamento de Defesa dos EUA autoridade para permitir prisioneiros autorizados a serem transferidos para fora da prisão, o próprio Obama tem agora a chance de libertar 86 prisioneiros. E mesmo que ele precise da cooperação do Congresso para fechar a prisão definitivamente, se for essa a sua vontade, ele pode designar alguém na Casa Branca agora para mostrar ao mundo que isso é uma prioridade e que pode ser feito. 

Assine agora para exigir que Obama anuncie um plano para fechar Guantánamo, e compartilhe essa campanha com todos. Vamos construir um protesto global urgente para dar um fim a essa vergonha.

http://www.avaaz.org/po/obama_shut_down_gitmo_4/?bFvlMcb&v=25084 

Durante a sua primeira campanha presidencial, Obama prometeu fechar Guantánamo. Essa prisão, ilegal e repulsiva, já causou sofrimento demais e alimentou a divisão e o ódio por todo o mundo. Basta. Vamos fazer com que Obama tome medidas e feche essa cicatriz que ficou na humanidade. 

Com esperança e determinação, 

Dalia, Joseph, Allison, Bissan, Nick, Alice, Ricken e toda a equipe da Avaaz 

PS - Muitas campanhas da Avaaz foram começadas por membros da nossa comunidade! Comece a sua própria campanha agora e obtenha a vitória sobre qualquer questão, seja ela local, nacional ou global: http://www.avaaz.org/po/petition/start_a_petition/?bgMYedb&v=25040 


Mais informações: 

Obama abordará Al-Qaeda, drones e Guantánamo em discurso na quinta (G1) 
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/05/obama-fala-sobre-al-qaeda-drones-e-guantanamo-em-discurso-de-quinta-feira-1.html 

Presos de Guantánamo chegam aos 100 dias de greve de fome (Brasil de Fato)
http://www.brasildefato.com.br/node/12944 

Imagem de Obama sofre com fracasso em Guantánamo (Estadão)
http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,imagem-de-obama-sofre-com-fracasso-em-guantanamo,1033428,0.htm 

Editorial: Ainda Guantánamo (Folha de S. Paulo)
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/05/1272522-editorial-ainda-guantanamo.shtml 

Manifestantes fazem protesto contra a prisão de Guantánamo na Inglaterra (G1) 
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/05/manifestantes-fazem-protesto-contra-prisao-de-guantanamo-na-inglaterra.html 

terça-feira, 21 de maio de 2013

1325- Direito dos Povos Indígenas na atualidade - artigo de Heloísa Greco


Seminário "Direito dos Povos Indígenas na atualidade”
Primeiro Painel: Violação dos Direitos Humanos
 2013 / CIMI e Gedin / Faculdade de Direito da UFMG

Heloísa Greco
   
*Este artigo foi apresentado no seminário acima e é parcialmente baseado no capítulo I (A construção  da cultura repressiva: processo histórico de longa duração) da minha tese de doutorado (Dimensões fundacionais da luta pela anistia), defendida em 2003 no Departamento de História da FAFICH-UFMG.

           Procurei articular minha exposição a partir de duas provocações presentes na justificativa e nos objetivos específicos deste seminário: a desmisticação da visão historicamente construída que se tem do índio – e isto diz respeito à própria construção da nacionalidade - ; e o papel da ditadura militar na exacerbação das graves violações dos direitos humanos em geral e daquelas sofridas pelos índios em particular.
         A construção da cultura repressiva no Brasil é matéria  de longa duração gestada no processo de construção letrada da nacionalidade brasileira.  Tal construção formulou um discurso orgânico que consolidou o que Henrique Samet chamou de construção da brasilidade excludente cujo pressuposto é o seguinte: “Estado e nação precisam de povo, mas não obrigatoriamente de cidadãos”.  A exclusão estrutural , a opressão econômica e o exercício da violência  institucional explícita, seriam a própria  razão de ser da nacionalidade brasileira  -  uma nacionalidade sem cidadania[1],  forjada  em nome da manutenção dos interesses das oligarquias e  das elites dominantes. 
Caio Prado Junior identifica o núcleo duro deste processo  no binômio herança escravocrata / estrutura fundiária baseada na grande exploração agrícola.  Trata-se, segundo ele, “daquele passado que parece longínquo, mas que nos cerca de todo lado”- “o passado que nos fez”.[2]  O Brasil contemporâneo é o resultado possível dessa herança ubíqua do escravismo.
            A construção da brasilidade excludente  encontra fiel tradução no projeto do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838)  de “criar uma idéia de Brasil que atendesse os requisitos da construção da ordem”[3].   Também no Brasil a consolidação da história enquanto disciplina coincide cronológica e ideologicamente com a consolidação do Estado nacional, o que determina o vício de origem da nossa historiografia:  indisfarçável e assumidíssimo atrelamento ao poder estatal e aos interesses dominantes.
          A preocupação exclusiva com a construção do Estado nacional ao longo do século XIX significa na prática a confirmação da hegemonia política das elites dirigentes, a legitimação da brutal desigualdade da sociedade escravista e da violência extremada sobre as populações originárias.  Significa também a preservação das raízes portuguesas e da monarquia,  vendida como única garantia da ordem, da unidade e da identidade nacionais[4].   O liberalismo heterodoxo e fora de lugar  assim engendrado - como diz Roberto Schwartz[5] -  revela a essência da jovem nação, construída segundo a imagem e semelhança das classes senhoriais  latifundiárias e escravocratas:   só elas tinham as prerrogativas da liberdade e da cidadania (leia-se propriedade), logo, o resto da sociedade deveria ser mantido meticulosa e radicalmente alijado  -  os mundos  deveriam ser conservados rigorosamente separados.
  É destacada aí a força da instituição do índio como símbolo da identidade nacional, resultado da poderosa combinação do “amálgama das três raças”, proposto por Von Martius[6] como núcleo da singularidade do país, com o indianismo do nosso romantismo literário[7], do qual José de Alencar é um dos exemplos mais representativos.[8]
Na configuração deste mito - que Alfredo Bosi caracteriza como “simbiose luso-tupi”[9] - o papel de rebelde e de elemento genuinamente americano em oposição ao conquistador branco só é permitido às nações já há muito extintas (os  Tupi-guarani, por exemplo).  O índio é “servo voluntário” e “vassalo fidelíssimo” do colonizador generoso e magnânimo, portador da civilização.  Ele aparece, então, como síntese de esquema sem antítese, cujo desfecho é o seu sublime desaparecimento, ou melhor, sua desintegração - enquanto indivíduo,  cultura, saberes  e etnia  -  objetivo último do  processo de miscigenação que visava o “branqueamento natural” da sociedade.[10] Além de genocídio, podemos falar em epistemicídio institucionalizado.   É este o índio instituído como elemento definidor da naçãoíndio bom é índio integrado ou índio morto.
          Este mito fundador da brasilidade é também “mito sacrificial” (Alfredo Bosi). Traz em seu bojo uma das mais persistentes matrizes explicativas da nossa singularidade: aquela que define a boa índole, a cordialidade, a passividade e a informalidade como características ontológicas da população.  Esta questão é tipificada com maestria  no  homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda [11]que  simboliza uma sociedade marcada pela completa promiscuidade entre público e privado com franco favoritismo do segundo em detrimento do primeiro. O  homem cordial não se adequa  representa  o protótipo (arquétipo?) do não-cidadão; o seu locus  é a esfera do privado.[12] 
          Nos quadros dessa matriz explicativa, a docilidade brasileira é colocada  como representação correlata da docilidade da dominação. Estamos diante de  outro mito construído na gestação da nacionalidade sem cidadania: o mito da  história incruenta.  A violência do opressor é ao mesmo tempo negada e legitimada como necessidade histórica para a consecução de um bem maior:  a moral, a religião, os bons costumes, a modernidade, a civilização, enfim, a  construção da ordem.  A esta idéia de “povo inercial”[13] é acoplada outra ainda mais radical, a de sociedade inexistente.
          No projeto de ordenação política  da nossa  República,  a lógica segregacionista dos urbanistas e da modernização produz modelos espaciais  cujo objetivo  é proteger as elites contra as multidões, que deveriam se manter o mais afastadas possível.   A Cidade passa a ser considerada “área de risco”,[14]portanto, objeto de regulação e quadriculação permanentes.  É nesse contexto de criminalização dos espaços públicos que se dá a emergência do conceito de classes perigosas, que são também as classes torturáveisas eternas classes indesejáveis:.  subversivos, marginais e desclassificados de todos os matizes, todos no mesmo balaio. 
         Trata-se já da construção do processo perverso de estereotipia e estigmatização das classes populares, das etnias não hegemônicas  e dos movimentos sociais.  Todos são  suspeitos permanentes, fenômeno tão familiar para nós, cidadãos  brasileiros do início do chamado terceiro milênio. Mais uma vez está colocada a necessidade histórica da violência – e da quadriculação – em nome da construção da ordem,  missão  que passa a ser materializada na montagem paulatina de aparelho repressivo policial e político inspirado ao mesmo tempo na violência da tradição escravocrata e no cientificismo então em voga. Haveria que se garantir a maior eficiência possível no combate ao perigo maior  – as massas populares.  A matriz discursiva desse conjunto de representações – formulada pelo movimento higienista[15] - articula organicamente “contaminação, nocividade e subversão” [16] [17]. Seu determinante  racista foi levado aqui às máximas consequências.          O higienismo brasileiro institui a noção de periferia social, geográfica e demográfica e a urgência do estabelecimento de fronteiras profiláticas separando as zonas civilizadas das zonas selvagens para evitar o alastramento da pandêmica  degradação moral das classes perigosas.  Nesta lógica não é o mal que deve ser erradicado, mas quem o pratica.  Seu desdobramento é o que Henrique Samet considera o próprio “cerne da construção da brasilidade excludente”:  a possibilidade da criação de conceitos radicais que compreendem a existência do inimigo   e a necessidade de sua eliminação.[18]  
          Nos anos  1930, sobretudo com a ditadura do Estado Novo (1937-1945), o papel do Estado é novamente redesenhado, processo  hegemonizado pelo pensamento anti-liberal, contra-revolucionário e anti-democrático[19], galvanizado sobretudo por Oliveira Vianna[20].  Coloca-se a necessidade de um Estado forte dirigido por um líder imbuído da missão histórica que prevê a formulação da nova identidade  baseada na integração nacional e  no enquadramento das massas.
          O Estado é considerado sujeito exclusivo da história, sua capacidade demiúrgica é levada às últimas consequências.  Discursos que articulam nação una, integrada e coesa;  ufanismo e nacionalismo exacerbados; e enaltecimento do trabalho   constituem a sustentação ideológica deste processo. São também estes discursos que engendram as políticas indigenistas praticadas. Tudo isto é  energizado pela doutrina da conciliação e cooperação de classes. Trata-se da consubstancialidade e indivisibilidade sociedade/Estado/nação. [21]
A matriz interpretativa do amálgama das três raças é reatualizada com o mito da democracia  racial de Gilberto Freire.[22]  Os trabalhadores são alvo de ofensiva de  cooptação e aplastramento . Carlos Fico chama atenção para o fato de que as matrizes ideológicas do Estado Novo serão re-significadas pela ditadura militar[23].
          A partir destes elementos,  Eliane Dutra aponta a existência de uma “disposição totalitária” no Brasil dos anos 30  que teria deixado marcas e efeitos residuais renitentes  no nosso imaginário político.[24] Esta disposição totalitária  não se restringe à esfera do simbólico, mas se concretiza em instrumentos ostensivos de coerção  como a montagem de aparelho repressivo adequado à mais extrema repressão policial e política e de  gigantesca máquina de propaganda do regime, a monopolização estatal dos meios de comunicação social,  a instrumentalização da instrução pública, a regulação da vida cultural.
           Florestan Fernandes, com a aguda percepção da luta de classes que lhe é peculiar, radicaliza ao  afirmar que desde a década de 1930, “...as classes e estratos de classe burgueses desenvolveram uma solidariedade de classes  abertamente totalitária e contra-revolucionária, em suma, o fermento de uma ditadura de classe preventiva”, que se efetivaria com o golpe de 1964”. 
*
           Esta  tradição de longo prazo de construção da nacionalidade sem cidadania  foi, então,  levada ao paroxismo pela  ditadura militar brasileira (1964-85): a Doutrina de Segurança Nacional  institucionalizou a figura do inimigo interno e a necessidade de sua eliminação.  Institucionalizaram-se as câmaras de tortura, onde tudo é possível.  A instituição- prisão, a instituição-tortura e  a instituição jurídica passaram a compor um só  todo orgânico articulado pelo aparelho repressivo.  Este continua montado e segue operando sob a égide da brutalidade explícita e do Terror de Estado:  o Estado Penal vigente se constrói como sucessor do Estado de Segurança Nacional, do qual é tributário.
            
Importante não perder de vista que  tortura e extermínio não são fenômenos recentes nestas plagas. Temos no prontuário trezentos e cinqüenta anos de escravidão , quinhentos anos de extermínio da população indígena e, se considerarmos apenas os últimos oitenta  anos de história da, vá lá, ´moderna´ república brasileira, mais da metade se deu sob regimes de exceção.  Na outra metade, nas fases ditas constitucionais, dá-se o  funcionamento normal do terror, que se abate sistematicamente sobre  as eternas classes perigosas,  as  classes torturáveis de sempre:
         Se a tortura não foi inventada pelos militares, ela foi certamente  institucionalizada pela ditadura militar, que a adotou como método de governo, como política de Estado. Nos vinte e um longos anos de ditadura militar houve  aumento desenfreado dos meios de violência do Estado, que nunca abre mão de suas conquistas neste terreno. Estão aí como evidências empíricas o pau-de-arara, os choques elétricos, os afogamentos, os desaparecimentos forçados, as execuções ditas extra-legais  – eles vieram para ficar.   A tortura tornou-se a instituição central da ditadura militar e permanece a como uma das  instituições  mais sólidas e mais longevas do país.   A cultura do terror, do extermínio, da impunidade sobreviveu à ditadura militar, prosperou e permanece arraigada no aparelho policial e repressivo. Mesma coisa para  a cultura da criminalização do dissenso e dos movimentos sociais. E ainda a cultura da mentira organizada, do sigilo (arquivos) e da fabricação do esquecimento. O Estad ocontinua a  interditar de forma cabal a punição dos responsáveis pelas torturas, mortes e desaparecimentos de presos políticos durante a ditadura militar.  A estratégia do esquecimento segue seu curso.
         Durante a ditadura, simplesmente sumiram/evaporaram milhares de indígenas –  não se sabe o seu paradeiro.  Foi o que aconteceu com os ianomâmi e waimiri-atroari, por exemplo.  Aqui em Minas houve política sistemática da PM de monitoramento e repressão às comunidades indígenas.  O Reformatório Krenak (Resplendor-MG) e a Fazenda Guarani (Carmésia-MG), pertencente à PM,  verdadeiros campos de concentração étnicos, são aparelhos desta política.  Estes aparelhos precisam ser localizados. Os responsáveis pelo seu funcionamento precisam ser punidos.  Precisamos também acrescentar à lista dos mortos e desaparecidos políticos os milhares de nomes dos trabalhadores do campo e indígenas massacrados pelo latifúndio e pelo Estado.
          O pessimamente chamado Estado Democrático de Direito (???) tem prendido,  matado e torturado mais que a ditadura militar, o que configura, segundo o filósofo Paulo Arantes, a mais assustadora anomia que se possa imaginar. Tem também promovido brutal regressão nas políticas públicas que se referem aos direitos  e avançado no projeto histórico de extermínio da população indígena.
A normalização defeituosa que aqui se instaurou com a Constituição de 1988 incorporou alegremente a situação-limite tão bem definida por Giorgio Agamben: naturalizou-se o Estado de exceção permanente enquanto política de Estado, o paradigma da segurança institucionaliza-se como técnica normal de governo[25].  Realiza-se, assim, o terrível telos da teoria de Karl Schmitt, ideólogo do nazismo:  a inscrição do Estado de exceção num contexto jurídico[26] para dar sustentação técnica e política ao totalitarismo de mercado dito neoliberal. Enfim,  a demofobia sem mediação alguma,  aqui se manifesta  na iniqüidade da política sistemática de encarceramento em massa e  de extermínio -  ou melhor, genocídio institucionalizado - da população jovem,  negra e indígena. Este é o país dos massacres sistemáticos, cuja peridicidade tem assumido sistematicidade  cada vez mais assustadoramente regular.
Há ainda o fenômeno da militarização da sociedade.  Exemplos mais evidentes:  a adoção das UPPs como política de Estado, a organização militar dos canteiros de obras do PAC, a privatização e quadriculação dos espaços públicos nas cidades.  Trata-se de processo severo de fascistização da sociedade.
O fenômeno totalitário foi  reatualizado pela chamada pósmodernidade no Estado de exceção como paradigma de governo
          O agravante é que esta situação não é prerrogativa exclusiva do Brasil, trata-se de fenômeno universal: Giorgio Agamben, mais uma vez,  o define muito bem:  o campo de concentração – onde tudo é possível para a realização do domínio total, a concretização mais acabada do aniquilamento da vida política, da consolidação da superfluidade do ser humano -  tornou-se o paradigma biopolítico do Ocidente: as favelas e as reservas indígenas brasileiras se apresentam  como enormes campos de concentração a céu aberto, como destaca o jornalista uruguaio Raúl  Zibechi.   No caso dos índios, a situação ainda é mais drástica, já que são muito mais atingidos pela invisibilidade – ou melhor, pelo inexitencialismo deles, de sua história e de suas lutas  -imposta pelo aparato midiático e pela institucionalidade.
       Tudo isto para consolidar e ampliar a hegemonia do neoliberalismo – que nada mais é, segundo Bourdieu,  do que um programa definitivo para destruir as estruturas coletivas capazes de resistir à lógica do mercado puro.
            Foi Walter Benjamin,  o primeiro a nos alertar para a situação de barbárie engendrada naquela meia noite da história, no começo de 1940, quando ele redige o clássico Sobre o conceito de história, pouco antes de optar pelo suicídio, ao ver fracassada a sua tentativa de escapar da Gestapo, na fronteira da França com a Espanha.  Retomemos ao pé da letra sua tese VIII, ela é genial, definitiva e  irretocável. É sombria, mas é também um chamamento à luta.  Concluo com ela  minha intervenção:
“A tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘Estado de exceção’ em que vivemos é na verdade a regra geral.  Precisamos construir um conceito de história que corresponda a esta verdade.  Neste momento, percebemos que nossa tarefa é originar um verdadeiro estado de exceção;  com isso, nossa posição ficará mais forte na luta contra o fascismo.  Este se beneficia da circunstância de que seus adversários o enfrentam em nome do progresso, considerado como norma histórica.  O assombro com o fato de que os episódios que vivemos no século XX ‘ainda’ sejam possíveis, não é um assombro filosófico.  Ele não gera nenhum conhecimento, a não ser o conhecimento de que na concepção histórica da qual emana, semelhante assombro é insustentável.”[27]


Belo Horizonte, abril 2013

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[1] SAMET, Henrique.  “A construção da brasilidade excludente”.  In: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO SECRETARIA DE ESTADO DE JUSTIÇA.   DOPS, a lógica da desconfiança. 1993, p. 46-55.  Estou  me apropriando do conceito de brasilidade excludente, colocando-o na centralidade deste capítulo,  que será calcado  neste texto  de Samet.
[2] PRADO JUNIOR, Caio.  Formação do Brasil contemporâneo.  São Paulo: Brasiliense, 1976, p.9.
[3] CARVALHO,  José Murilo.  “O historiador às vésperas do terceiro milênio”.  In:  Pontos e bordados. Belo Horizonte, Editora UFMG1998, p.448.  
[4] CARVALHO, J.M., op. cit., p.448. Há  boa síntese do papel do IHGB em:  SCHWARCZ, Lilia Moritz.  O espetáculo das raças  Cientistas, instituições e questão racial no Brasil.   São Paulo:  Editora Schwarcz Ltda, p.101-140 ( “O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro); e GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado.  “Nação e civilização nos Trópicos: o IHGB e o projeto de uma história nacional”. Estudos históricos, MCT, CNPq, FINEP, 1988/1,  p. 5-27.
[5] Schwartz, Roberto.  Ao vencedor as batatas.  São Paulo, Duas cidades, 1988. 
[6] VON MARTIUS, Carl F. P.   “Como se deve escrever a história do Brasil?”(“O Estado do Direito entre os autoctones do Brasil”).  Ferri, Marcos Guimarães (dir.).  COLEÇÃO RECONQISTA DO BRASIL (Nova Série), v. 58.  Belo Horizonte: Editora Itatiaia Ltda / Editora da USP, p. 89-107.

[7] Id. ibid, p. 30.
[8] CARVALHO, José Murilo.  A formação das almas  O imaginário da República no Brasil.   São Paulo, Companhia das Letras, p. 23.
[9] BOSI, Alfredo.  “Um mito sacrificial: o indianismo de José de Alencar” In: BOSI, Alfredo, op. cit., p. 181 ( p. 176-193).  V. tb.  RIBEIRO, Renato Janine.  “ Iracema ou a fundação do Brasil”.  In: Freitas, Marcos Cezar de. (org.)  Historiografia Brasileira em perspectiva.  São Paulo, Contexto, p.405-413.
[10] SCHWARCS, Lilia Moritz, op. cit., p.137.
[11] A expressão (homem cordial), de Ribeiro Couto, é empregada por Sérgio Buarque de Holanda – “em seu sentido exato e estritamente etimológico”- para designar o tipo ideal que representa a articulação entre a herança ibérica e a estrutura social brasileira, marcada pelo “culto à personalidade”, a incapacidade de abstração e a predominância de “contatos primários”.  V. HOLANDA, Sérgio Buarque.  Raízes do BrasilSão Paulo,  Editora Schwarcs, 1998, cap. 5  “O homem cordial”, p. 139-152.
[12] GRECO, Heloisa.  “O  ‘passado que nos cerca’ e a promessa do futuro: considerações sobre a questão da cidadania em Caio Prado Junior e Sérgio Buarque de Holanda”. Fronteiras Revista de História,  Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, v. 5, n. 10, 2001, p.63-80.
[13] SAMET, Henrique, op. cit., p.49.
[14] COIMBRA, Cecília., op.cit., p. 93-97.
[15] Cecília Coimbra, na obra citada, aponta a trilogia teorias racistas / darwinismo social / eugenia como essência do movimento higienista, que tem seu apogeu na Europa no final do século XIX e no Brasil, na década de 1920. A construção da nação baseada no saneamento moral constitui a missão civilizadora da elite científica.    A autora cita Montecorvo Filho como um dos seus criadores no Brasil.  José Murilo de Carvalho considera  o darwinismo social como “a versão do final do século XIX da postura liberal”: Spencer foi o inspirador de Alberto Sales, “o principal teórico paulista da República”. Segundo o autor, o liberalismo assume na República “um caráter de consagração da desigualdade, de sanção da lei do mais forte”.  COIMBRA, Cecília.  Op. cit., p. 88-89;  CARVALHO, José Murilo.  A formação das almas, p.24-25. V. tb.:   SCHWARCZ, Lilia Morirz, op. cit., p.43-66 ( Cap. 2: “Uma história de ‘diferenças e desigualdades’ As doutrinas raciais do século XIX”).
[16] SAMET, Henrique,   op. cit., p. 49.  O autor se refere explicitamente a Afrânio Peixoto, José Duarte e Jimenez de Ásua. 
[17] Cecília Coimbra, na obra citada, aponta a trilogia teorias racistas / darwinismo social / eugenia como essência do movimento higienista, que tem seu apogeu na Europa no final do século XIX e no Brasil, na década de 1920. A construção da nação baseada no saneamento moral constitui a missão civilizadora da elite científica.    A autora cita Montecorvo Filho como um dos seus criadores no Brasil.  José Murilo de Carvalho considera  o darwinismo social como “a versão do final do século XIX da postura liberal”: Spencer foi o inspirador de Alberto Sales, “o principal teórico paulista da República”. Segundo o autor, o liberalismo assume na República “um caráter de consagração da desigualdade, de sanção da lei do mais forte”.  COIMBRA, Cecília.  Op. cit., p. 88-89;  CARVALHO, José Murilo.  A formação das almas, p.24-25. V. tb.:   SCHWARCZ, Lilia Morirz, op. cit., p.43-66 ( Cap. 2: “Uma história de ‘diferenças e desigualdades’ As doutrinas raciais do século XIX”).
[18] SAMET, Henrique,.  op. cit., p. 48-51.
[19] CAPELATO, Maria Helena Rolim.  “Estado novo:  novas histórias”.  In:  FREITAS, Marcos Cezar de (org.).  Historiografia brasileira em perspectivaSão Paulo, Contexto, 1998, p. 183-213, sobretudo 213.
[20]  MEDEIROS, Jarbas.  Ideologia autoritária no Brasil.  Rio de Janeiro, FGV, 1978, p. 160.  V. tb.  , claro, VIANNA,Oliveira.  Instituições políticas brasileiras. Rio de Janeiro: Record, 1947, sobretudo p. 135-178.  Medeiros considera Oliveira Vianna – sem desabono de seus colegas como Alberto Torres, Azevedo Amaral, Francisco Campos e Gustavo Capanema – como “um dos ideólogos mais lúcidos (em termos, naturalmente de estrutura de poder) de todo o Brasil contemporâneo”. 
[21] V. LEFORT, Claude.  op. cit., p.67; e LEFORT, Claude.  “O nome de Um”.  In:  LA BOÉTIE, Etienne de.  Discurso da servidão voluntária.  São Paulo, Brasiliense, 1986, p. 125-171, sobretudo p. 138-142.
[22] FICO, Carlos, op. cit., p.34.
[23] FICO, Carlos. op. cit., p. 34.
[24] DUTRA, Eliane.  O ardil totalitário:  o imaginário político no Brasil dos anos 30.  Belo Horizonte, Editora UFMG, 1997, p. 24-28.  Dutra também trabalha a representação do Uno, referida na nota 35, colocando-a como núcleo desta tentativa de construção de uma “ordem totalitária”no período em questão.
[25] AGAMBEN, Giorgio.  Estado de exceção.  São Paulo:  Boitempo Editorial, 2005, p. 12-49.
[26] Idem, ibidem, p. 54.
[27] BENJAMIN, Walter.  Obras escolhidas  Magia e técnica, arte e política.  São Pulo:  Editora Brasiliense, 1993 (6ª ed.), p. 226.

1324- Massacre de Felisburgo: o que não pode ser esquecido - Coluna do Frei Gilvander


Massacre de Felisburgo: o que não pode ser esquecido.
Gilvander Luís Moreira[1]

Na madrugada do dia 1º de maio de 2002, dia das/os trabalhadoras/res, cerca de 230 famílias sem-terra, organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam a Fazenda Nova Alegria, de 1.700 hectares, em Felisburgo, Vale do Jequitinhonha, MG. Era a primeira ocupação do MST no município. Cerca de 1/3 da fazenda (515 hectares) é de terra devoluta, grilada pela família do fazendeiro e empresário Adriano Chafic. O coronelismo imperava incólume na região, mas a fome e necessidade impeliram os camponeses a se unir, se organizar e a partir para a luta. Com poucas reuniões promovidas pelo MST, o povo teve a coragem de quebrar a cerca desse latifúndio, onde, aliás, posseiros já tinham sido humilhados, inclusive, o Sr. Koné, ali por muito tempo e ter depois simplesmente desaparecido.
Mas a sanha egoísta dos latifundiários irrompeu-se. Era inadmissível o MST chegar, ocupar e quebrar um tabu que dizia “aqui quem manda é os fazendeiros.” Era inaceitável Sem Terra ter vez e voz. Assim, uma escalada de ameaças desencadeou-se durante dois anos e meio. Ameaças de todos os tipos. O povo do Acampamento Terra Prometida – pelo Deus da vida e pela luta organizada – teve de montar guarita e Comissão de Segurança para se defender. Inúmeras denúncias foram feitas pelo MST e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) alertando as polícias militar e civil, a Secretaria de Segurança de Minas, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o Governo Federal, enfim, todas as autoridades sobre os riscos a que estavam sujeitos os trabalhadores. Estava já sendo criadas as condições para se fazer o que ficou conhecido como O Massacre de Felisburgo. Mas ... até os Boletins de Ocorrência eram “revisados” pelos Sem Terra, porque quase sempre maquiados por policiais que se negavam a escrever a versão dos Sem Terra. A CPT, em 24 de setembro de 2004, fez uma representação junto à Secretaria de Segurança Pública de Minas, alertando que oito jagunços estavam há dois dias dentro do acampamento, mas as autoridades não tomaram as medidas para evitar o massacre. O Estado, mais do que omisso, revelou-se cúmplice de violência.
Estes fatos ganharam repercussão nacional e internacional, mas não são isolados. Eles se inserem no bojo dos 112 conflitos agrários no estado de Minas Gerais, registrados pela CPT em 2004. Estes conflitos, além dos nove assassinatos acontecidos em Minas Gerais, foram responsáveis por 32 tentativas de assassinatos, 27 ameaças de morte, 24 torturados, 75 presos e 56 feridos. Em 25 de novembro de 2004, a CPT de Minas entregou ao Governo do Estado e à Assembléia Legislativa de Minas Gerais um dossiê denunciando a existência de milícias armadas atormentando a vida dos sem-terra acampados no estado. A CPT/MG também registrou 26 ataques de jagunços a acampamentos em Minas nos anos de 2003 e 2004.
Após ter acontecido em Unaí, MG, dia 28 de janeiro de 2004, o Massacre dos quatro fiscais do Ministério do Trabalho, no mesmo ano, dia 20 de novembro de 2004, um sábado chuvoso, dia de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra, por volta das 10:40h da manhã, Adriano Chafic, dono também de muitas outras fazendas na Bahia, chegou ao Acampamento Terra Prometida, com um bando de 17 jagunços. Renderam um Sem Terra que estava na guarita do acampamento e, com revólver encostado na sua orelha, o obrigaram a soltar um foguete, que era a senha para reunir todo o povo do acampamento em caso de ameaça ou de necessidade de se reunir com rapidez. O povo começou a se reunir. Adriano Chafic, visto por muitos no local, liderava a operação, perguntando “Cadê a Eni e o Jorge?” e ordenando “Podem atirar e matar...”. O bando de jagunços - uns encapuzados, outros não - iniciaram os disparos. Dentro de poucos minutos já tinham assassinado cinco Sem Terra - Francisco Nascimento Rocha (72 anos), Juvenal Jorge da Silva (65 anos) Miguel José dos Santos (56 anos), Joaquim José dos Santos (49 anos) e Iraguiar Ferreira da Silva (23 anos). Todos os tiros foram à queima roupa.  Feriram mais de 12 pessoas, incendiaram com gasolina dezenas de barracos de lona preta, inclusive a barraca da Escola, a barraca de alimentos, a barraca da biblioteca, barracos da Eni e do Jorge. Uma criança de doze anos levou um tiro próximo ao olho. Puseram gado nas lavouras dos Sem Terra. Muitos trabalhadores do acampamento ficaram, desde então, amedrontados e portadores de alguma doença, física ou mental, como conseqüência daquele crime.
 Eni está viva, porque naquele momento estava na pequena Secretaria do MST na cidade de Jequitinhonha. O Jorge está vivo, porque companheiros o convenceram a sair rastejando pelos fundos do acampamento. Ele fugiu pelo mato por muitos quilômetros até poder telefonar e dizer a Eni: “Cinco companheiros tombaram no Acampamento Terra Prometida, mas nós seguiremos em frente!”
O pânico e traumas indeléveis estão ainda como fantasmas na mente, no subconsciente de dezenas de crianças, idosos, mães desesperadas procurando seus filhos. Leonice, mãe de onze filhos, com seis já tendo migrado para São Paulo, por falta de reforma agrária, em pranto gritava procurando seus filhos.
Avisada logo em seguida por Eni, a Polícia só apareceu no local do Massacre de Felisburgo seis horas após, dando prazo suficiente para os jagunços e Adriano Chafic fugirem, após esconder o arsenal de armas em um buraco no mato. Detalhe: cada jagunço empunhava dois revólveres. Além de encontrar as armas, a polícia encontrou as Notas Fiscais de compra das armas na Bahia e da compra de colchões para abrigar os jagunços durante a preparação do bárbaro massacre.
Houve feridos que morreram por falta de socorro. Um motorista de Kombi da prefeitura de Felisburgo foi demitido porque deu carona para um trabalhador Sem Terra que implorava na beira da estrada por socorro. Mortes a queima roupa e com requintes de crueldade. Assassinatos seletivos, pois os cinco mortos eram lideranças do acampamento e do MST do Vale do Jequitinhonha. O ódio também se voltava contra ex-trabalhadores da fazenda, pois, na mente doentia do assassino, significava afronta à submissão dos trabalhadores aos seus coronéis.
Adriano Chafic foi preso duas vezes e conquistou habeas corpus. Confessou a participação no massacre. Ele e os jagunços – um já morreu – já deveriam estar detrás das grades, condenados como perpetradores desse crime hediondo, mas há muitos outros culpados que não podem ser esquecidos. O prefeito de Felisburgo na época e vários outros fazendeiros participavam agressivamente das ameaças e davam todo apoio à sanha criminosa do Adriano Chafic. Policiais, delegado e o governo de Minas que deixa as terras nas mãos de empresas, especialmente as eucaliptadoras. Some-se que agora o governador de Minas está tentando reabilitar uma Proposta de Emenda à Constituição de Minas e aprová-la na Assembleia Legislativa querendo passar de 250 para 2.500 hectares a área que o Estado de Minas Gerais pode titular as terras devolutas para as pessoas físicas ou jurídicas. Algo antidemocrático que significa entregar de vez a imensidão de terras devolutas de MG, contrariando a Constituição Federal que destina essas terras preferencialmente para a Política de Reforma Agrária. Logo, o Governo de MG também deveria estar no Banco dos réus ao lado do mandante Chafic.
O Presidente Lula assinou o Decreto de desapropriação da Fazenda Nova Alegria por crime ambiental, não porque lá ocorreu o massacre. Ou seja, matar uma árvore é mais grave do que matar cinco pessoas, disse implicitamente o decreto de desapropriação. Mas o Poder judiciário não se comoveu nem com as árvores matadas e nem com o sangue dos pobres vertendo na mãe terra, naquele dia chuvoso. E impugnou o decreto desapropriatório. Assim as 60 famílias que perseveram na luta estão ainda sem ser assentadas e terão que fazer a reforma agrária na marra, porque o Estado violentador dos direitos humanos não o faz.
No memorial construído no cemitério da cidade de Felisburgo, há uma grande inscrição que diz: "Aqui foram sepultados os Sem Terra Francisco, Iraguiar, Manoel, Joaquim e Miguel, covardemente assassinados a mando do fazendeiro Adriano Chafik, dia 20 de novembro de 2004. Eles tombaram, mas o sangue deles circula nas nossas artérias e nós seguiremos lutando por reforma agrária, por justiça social e dignidade. Essa era a luta deles e é nossa luta." A Família MST assumiu o compromisso, imortalizado na frase inscrita do lado esquerdo do memorial: "Nós caminharemos por vocês na busca dos seus sonhos que também são os nossos sonhos: a terra, a justiça e a dignidade". O memorial guarda a triste lembrança do dia em que o fazendeiro Adriano Chafik comandou o Massacre de Felisburgo.
Em 20 de novembro de 2005, na celebração de 1 ano do massacre de Felisburgo, uma série de testemunhos deixou todos os presentes com o coração na mão. O Sem Terra Jorge Rodrigues Pereira, um dos marcados para morrer naquele dia, deu o seu testemunho: "Iraguiar, antes de ser assassinado, me disse: 'Jorge, sai fora, porque vão matar você'. Quando vi o tanto de armas, tentei animar os companheiros a dialogar com os pistoleiros, mas tive que correr para não ser morto também. Fugi para procurar socorro. Andei uns oito quilômetros pelo mato até um vilarejo, onde pude telefonar para avisar aos companheiros da cidade de Jequitinhonha e de Belo Horizonte. Nós não queremos guerra. Queremos terra, pois sabemos plantar".
José Maria Martins, um sobrevivente que levou um tiro na perna, disse: "Enquanto a gente tentava levantar um companheiro que tombava, os pistoleiros matavam outros. Após fugir para não morrer, olhei para trás e vi uma nuvem de fumaça cobrindo o acampamento que ardia em chamas. Nunca vou esquecer isso. Doeu muito e continua doendo!".
A Sem Terra Maria Gomes enfatizou: "Antes da chegada do MST em Felisburgo, os pobres sempre se curvavam diante do poder dos fazendeiros. O massacre foi premeditado. As armas foram compradas antes e os coronéis diziam que o massacre não aconteceria antes da eleição para não atrapalhar a política e o candidato apoiado por eles, ou seja, um massacre não ficaria bem".
Dia 20 de novembro de 2009, no cemitério de Felisburgo, na celebração do 5º ano do Massacre de Felisburgo, a emoção foi grande. Muitos choraram. As viúvas e os sobreviventes do massacre de Felisburgo sentiram, mais uma vez, uma espada de dor atravessando o coração deles. Graziele, de onze anos, entre lágrimas desabafou: "Todos os dias sinto uma grande dor no coração, pois perdi meu pai Joaquim, perdi meu tio Miguel e perdi meu cunhado Iraguiar. Todos nesse covarde massacre. Eu só peço justiça!" Eis a dor que o latifúndio e o coronelismo causam.
A psicóloga doutoranda da PUC/SP Fabiana Andrade e professora da PUC/MG pesquisou em sua dissertação o trauma causado pelo Massacre de Felisburgo. Diz ela: “Diagnostiquei que as pessoas desenvolveram um trauma que afeta suas vidas diariamente. Elas têm medo, não dormem à noite, algumas pessoas desmaiam e têm pesadelos constantes.”
Três processos de indenização na esfera cível tramitam parados na comarca de Jequitinhonha. Indenização? Cadê?
Apesar de tanta dor, um sentimento pode ser cultivado: hoje, 8,5 anos após, o MST é respeitado em Felisburgo. Todo sábado a produção do Acampamento Terra Prometida é carinhosamente esperada na Feira de Felisburgo, pois os alimentos, verduras e legumes produzidos hoje pelas 60 famílias da Terra Prometida abastecem a Feira da Cidade. “70% do abastecimento de alimentos para a cidade vem do Terra Prometida”, diz o vice-prefeito de Felisburgo, Franklin Canguçu. Ou seja, o latifúndio e os latifundiários oferecem balas que matam os Sem Terra, mas os Sem Terra oferecem alimentação saudável, sem agrotóxicos, para o povo. No acampamento Terra Prometida, a luta segue com muita organização: grupos de jovens, rádio comunitária, escola municipal, além da organização em núcleos de base. Assim, o MST segue na luta produzindo acima de tudo pessoas cidadãs e revolucionárias. Tombaram cinco Sem Terra, mas os sobreviventes seguiram em frente!
O julgamento de Adriano Chafic e de Washington, esse gerente da fazenda, após quase nove anos, está marcado para dia 15 de maio de 2013 pelo Tribunal do Júri, em Belo Horizonte, MG. O Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas, da área de conflitos agrários, Dr. Afonso Henrique de Miranda alerta: “Eu não estou trabalhando com a possibilidade de Chafik ser inocentado. Eu trabalho com provas, e temos provas suficientes para sua condenação.” Será feita justiça?
Belo Horizonte, MG, Brasil, 13 de maio de 2013.

Eis, abaixo, links de alguns vídeos que estão na internet, no youtube, vídeos que revelam a verdade nua e crua sobre o Massacre de Felisburgo.

1)      Massacre de Felisburgo, 1ª parte de 6 (7,2 minutos):

2)      Massacre de Felisburgo, 2,30 minutos:

3)      Massacre de Felisburgo, feito pelo italiano Antonio Luppo:
http://www.youtube.com/watch?v=mjsU2QI-aI0              

4)      Depoimento de João Pedro Stédile, da coord. do MST Nacional, sobre o Massacre de Felisburgo, 7 minutos.

5)      Massacre de Felisburgo, parte 1 (7,41 minutos):

6)      Massacre de Felisburgo: Mística durante o Encontro de preparação para o Plebiscito Popular em MG (12 minutos):


8)      Brigada Justiça para Felisburgo. Justiça para o Massacre de Felisburgo. Julgamento em BH, 15/05/2013


9)      Palavra Ética com Antoniel Assis e Joselane Gomes: massacre de Felisburgo. E a Justiça? 14/11/2012

https://www.youtube.com/watch?v=6qMtT0PgUGk

 

10)  Massacre de Felisburgo (Audiência na ALMG): Eni e Dr. Afonso Henrique/Denúncias graves. 21/11/2012

https://www.youtube.com/watch?v=cxkNoUVA4u0

 

11)  Dep. Padre João cobra Reforma Agrária em Audiência sobre Massacre de Felisburgo. 21/11/2012

https://www.youtube.com/watch?v=xHNyKMQgiN8

 

12)  Jorge Rodrigues, sobrevivente do Massacre de Felisburgo, MG: memória do Massacre. 20/10/2012

https://www.youtube.com/watch?v=e6UniPXXcuc

 

13)  Massacre de Felisburgo: Kely, do MST e sobrevivente, relata que ameaças continuam. 20/10/2012

https://www.youtube.com/watch?v=T4Ya57hh7Zk

 

14)  Palavra Ética com Jorge Rodrigues e Maíra Gomes, sobreviventes/Massacre/Felisburgo/MST. 07/11/2012

https://www.youtube.com/watch?v=zlooMdNqQRo

 

15)  Justiça para Felisburgo

https://www.youtube.com/watch?v=ZJ1sQhTT5Dw

 

16)   JUSTIÇA PARA FELISBURGO 1

https://www.youtube.com/watch?v=1mHsA4yLw6Q

 

17)  JUSTIÇA PARA FELISBURGO 6

https://www.youtube.com/watch?v=1mHsA4yLw6Q

 

18)  JUSTIÇA PARA FELISBURGO 5https://www.youtube.com/watch?v=1AePAGHbR0U


Obs.: Muitos dos vídeos, acima referidos, têm outras partes que podem ser encontradas em www.youtube.com.br



[1] Frei e Padre Carmelita, bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, doutorando em Educação pela FAE/UFMG, assessor da CPT, CEBI, CEBs, SAB e Via Campesina; e-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br – facebook: gilvander Moreira