quinta-feira, 21 de novembro de 2019

1690- Surprendente


Surpreendente
José Luiz Quadros de Magalhães

Vivemos tempos de extrema radicalidade. Este é o primeiro pressuposto para pensar, fazer e planejar qualquer coisa. Nunca a humanidade viveu momento tão radicalmente veloz e transformador como se vive neste século XXI. O economista Robin Hanson estima que nas sociedades de caçadores-coletores a economia mundial demorava 224.000 anos para dobrar de tamanho; nas sociedades agrarias este tempo reduziu para 909 anos e na sociedade industrial 6 anos e três meses (BOSTROM, Nick. Superinteligência, Darkside books, Rio de Janeiro, 2018). Em velocidade impressionante, aumenta a exploração da natureza; aumenta a população; muda a economia e as sociedades; proliferam as pesquisas e descobertas cientificas capazes de afetar profundamente toda a vida e a percepção da mesma. Hoje dispomos de engenharia genética de fácil acesso para moldar o ser humano e começamos a imaginar um(a) “super-mulher/homem/pessoa” capaz de fazer o inimaginável ao se fundir com tecnologias (os transumanos). Ao mesmo tempo o aquecimento global e a amaça a continuidade da vida humana neste planeta torna-se uma ameaça real e próxima. Nada que fizermos e pensarmos de agora em diante deve ignorar o contexto de radicalidade e velocidade do tempo em presente continuo.
Em uma escala menor, mas de proporções gigantescas para nossa percepção da história e do tempo e espaço, a partir de uma compreensão moderna, assistimos ao fim de um sistema mundo: o sistema mundo moderno. A modernidade, simbolicamente iniciada, para os pensadores decoloniais, em 1492, chegou ao fim. E com ela, chega ao fim suas instituições e racionalidades: o estado moderno; o direito moderno; os idiomas oficiais; as moedas nacionais; o nacionalismo; os bancos nacionais; o capitalismo; exércitos; polícias.....
Aqui uma parada para reflexão: é possível que instituições criadas para viabilizar interesses de um grupo de pessoas e construir o seu sistema econômico possa servir a outros interesses. Ou melhor formulando: é possível que as instituições acima referidas, criadas para viabilizar o capitalismo e os interesses da nobreza e da burguesia, possam servir à dignidade e liberdade de todes, todas e todos? Ou ainda melhor: é possível que racionalidades, instituições e sistemas criados para servir aos homens brancos, proprietários e ricos, europeus, sirvam à toda forma de vida?
Estamos falando de um momento de esgotamento que jamais ocorreu. Uma velocidade que jamais foi por nós experimentada.
Claro, portanto, que as soluções construídas dentro do paradigma moderno não servem para o desafio do momento. Repetir discursos e formulas modernas são de uma inutilidade assustadora. Para compreendermos a dimensão dos desafios presentes devemos compreender as grandes revoluções modernas como apenas modernas. A revolução francesa e a revolução russa foram apenas modernas. Embora em alguns momentos de seus processos elas possam ter anunciado uma ruptura com a racionalidade moderna, foram absorvidas pelas armadilhas modernas. Portanto, o momento “presente contínuo” representa uma ruptura maior, que não depende de revolução, e mesmo assim será maior que qualquer revolução conhecida. O momento presente se caracteriza pelo esgotamento, pela impossibilidade de continuidade dos projetos humanos modernos. Por esse motivo, a única salvação é a coragem da revolução. Só a radicalidade pode nos salvar.
Para o campo que na modernidade convencionou-se chamar de esquerda, é fundamental que tenhamos coragem de nos unirmos na radicalidade dos princípios. São os princípios que nos unem. Os detalhes, as regras, os pontos e virgulas, as vaidades, os personalismos e a imensa e rica diversidade teórica nos jogam uns contra os outros. Só o radicalismo dos princípios pode nos unir. Quais são os princípios que são capazes de unir todas as pessoas? O amor; a vida; a diversidade; a rejeição intransigente da violência, a rejeição intransigente do egoísmo, da vaidade, da opressão, da tortura, do fundamentalismo, do ódio. Muita coisa é capaz de gerar união. O que realmente importa pode nos unir. O resto é vaidade.
Precisamos surpreender. Atacar. Atacar em outro flanco. Parar de tentar salvar um mundo que já foi e atacar na construção de algo radicalmente diferente. Agir, construir, surpreender, com leveza.......fazer diferente. Fazer diferente é urgente: falar, pensar, agir, construir outra coisa. Surpreender a todos que esperam algum acontecimento capaz de mobilizar a todos nós, para além das mentiras; Fakes News; algoritmos; para além da insuportável mesmice dos discursos repetidos à exaustão. É necessário ter coragem para amar. O ódio é fruto do medo e gera violência e covardia.
A contemporaneidade nos revelou e expôs uma maravilhosa diversidade de desejos; percepções; espiritualidades; idiomas; povos; epistemologias; culturas; e é no diálogo com esta imensa diversidade desocultada que podemos e iremos, e estamos, construindo o radicalmente novo. Com coragem e amor.