terça-feira, 31 de agosto de 2010

39- Plurianacionalidade - Luis Tapia

Tapia, Luis 2007 “Una reflexión sobre la idea de Estado plurinacional” en OSAL (Buenos Aires: CLACSO) Año
VIII, Nº 22, septiembre.
Disponible en: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/osal/osal22/D22Tapia.pdf

38- Plurinacionalidade - A leis fundamentais - Bolívia

19 de Agosto de 2010
BRASIL DE FATO
As cinco leis fundamentais do Estado Plurinacional
por Admin última modificação 13/08/2010 15:52
Baseadas na Nova Constituição Política de Estado (NCPE), as leis delineiam novos Órgão Judicial, Tribunal Constitucional, Órgão Eleitoral e Regime Eleitoral, além de definir um novo marco de descentralização da administração territorial do Estado Plurinacional

13/08/2010


Vinicius Mansur
correspondente em
La Paz (Bolívia)

Com a promulgação da Lei Marco de Autonomias e Descentralização pelo presidente Evo Morales, no dia 19 de julho, foi conformado o corpo legal básico que permitirá o pleno funcionamento do novo Estado boliviano, conforme a Nova Constituição Política de Estado (NCPE). O prazo para a aprovação deste corpo, também composto pelas outras quatro leis orgânicas citadas, já estava definido nas disposições transitórias da nova Constituição: o Congresso boliviano tinha o dia 22 de agosto como data limite para entregá-las ao presidente.

A oposição à Morales classificou de autoritária a rapidez empreendida ao processo de aprovação, porém, pouco pode fazer diante de uma bancada governista que corresponde a mais de dois terços do Parlamento. Alguns pontos das novas leis também foram taxadas de autoritárias pelos oposicionistas, mas até mesmo a Lei Marco de Autonomias e Descentralização, alvo das maiores polêmicas, foi considerada um avanço por Ruben Costas, governador de Santa Cruz, departamento que reúne a mais forte oposição à Morales. “Se recorremos a história da Bolívia e de Santa Cruz, encontraremos que nunca houve tantos avanços em autonomia como tivemos nos últimos cinco anos”, declarou.


Autonomias e Descentralização
Denominada de Andrés Ibáñez, em homenagem ao líder da Revolução Igualitária de 1877, em Santa Cruz, a Lei Marco de Autonomias e Descentralização define o regime de competência e os mecanismos de coordenação entre os diferentes níveis de governo, além de criar o Conselho Nacional de Autonomias e do Serviço Estatal Técnico de Autonomias para acompanhar o processo de descentralização. A nova lei concede diferentes níveis de autonomias a regiões, departamentos, municípios e territórios indígenas autônomos, descentralizando ações em mais de 20 áreas, como saúde, educação, transporte, obras públicas, meio ambiente, entre outras.

De acordo com o ministro de Autonomias, Carlos Romero, a nova lei serve para promover o desenvolvimento econômico e produtivo do país: “Uma vez aprovada a lei de classificação de impostos, vão poder [as unidades autônomas] exercer sua reforma tributária, o que os vai permitir aumentar seus recursos, mas também assumir empreendimentos econômicos que os permitam dar sustentabilidade às autonomias, captando receitas próprias e não sujeitando-se somente às projeções de renda geradas pela exploração de recursos naturais”. Um Fundo de Produção e Solidariedade foi criado pela nova lei para complementar a renda dos departamentos mais pobres.

A desconcentração de poderes prevista pela NCPE e especificada na nova lei, a princípio, pode não soar muito inovadora para a realidade brasileira de Estado federal. Porém, significa grandes mudanças na Bolívia, país com forte herança centralista, no qual seu povo sequer tinha o direito de eleger os governadores antes da NCPE, sendo estes indicados diretamente pelo presidente. Tal herança se justifica na histórica dificuldade boliviana de forjar a unidade e a identidade nacional, fato que sempre travou a descentralização de poderes em nome do medo da fragmentação do Estado. Ou, ao contrário, motivou movimentos separatistas que se camuflavam sob a bandeira da “autonomia”. O exemplo mais recente aconteceu em 2008, quando quatro departamentos do oriente boliviano (Santa Cruz, Pando, Tarija e Beni), governados pela oposição à Morales, realizaram, sem reconhecimento dos órgãos do Estado nacional, os chamados referendos autonômicos, aprovando estatutos que conferiam aos governos departamentais poderes até então monopolizados pelo governo central.


Enquadrando a oposição
O estatuto de Santa Cruz, por exemplo, permitia ao departamento ter seu próprio regime eleitoral, ter o controle de titulação de terras, sobre os serviços de telecomunicações, sobre recursos naturais, entre outros. Com a Lei Marco de Autonomias e Descentralização, estes departamentos estão obrigados a enquadrar seus estatutos às novas disposições legais, o que, de acordo com a presidenta da Comissão Mista de Autonomias e Descentralização da Assembléia Legislativa Plurinacional, a masista Betty Tejada, obrigará Santa Cruz a modificar 40 dos 168 artigos de seu estatuto.

Tejada explicou que todos os departamentos terão até dezembro para adequar seus estatutos ou para redigir novos. Em 5 de dezembro, o Tribunal Constitucional será eleito por voto popular, em janeiro de 2011 tomará posse, tendo até maio para aprovar os estatutos elaborados. Em setembro do mesmo ano, todos os estatutos deverão ser submetidos à referendos populares.

A adequação dos estatutos deverá ser feita pelas Assembléias Legislativas Departamentais e aprovada por dois terços dos assembleístas, condição que não é alcançada pelos opositores à Morales em nenhum departamento, o que os obrigará a pactuar. Para o senador masista Eduardo Maldonado, “mais do que debater e aprovar o estatuto, esse processo deve buscar participação dos municípios, povos indígenas e organizações da sociedade civil para conseguir um documento altamente representativo e consensuado”. Diante de um cenário amplamente desfavorável, três dos quatro departamentos que precisam remodelar seus estatutos já começaram os trâmites. Apenas Santa Cruz está com o processo parado. Os cruceños questionam, sobretudo, o artigo 145 da Lei Marco, que ordena a suspensão de autoridades elegidas quando apresentada, contra ela, uma acusação formal, por algum órgão de Justiça, de supostos atos de delito.


Cidob protesta
A Confederação de Povos Indígenas do Oriente Boliviano (Cidob) iniciou uma marcha no dia 21 de junho, saindo da capital do departamento de Beni, Trinidad, enquanto a Lei Marco estava em debate no Congresso. A organização apresentou um documento com 13 reivindicações, entre elas a regularização de terras, anulação de concessões florestais e mineiras em suas áreas e autonomia plena. Antes que a marcha chegasse a La Paz, Cidob e governo assinaram um acordo que contemplava 11 dos 13 pontos, entre eles, um financiamento de 1,5 milhões de dólares para a regularização de terras e a revisão de todas as concessões. O acordo suspendeu a marcha, porém o dirigente da Cidob, Johnny Rojas, afirmou que “os projetos de desenvolvimento são uma derrota” e que “vão denunciar ao mundo inteiro que não somos atendidos, apesar de termos um governo indígena”.

De acordo com o ministro de Autonomias, Romero, o único problema na negociação foi a “chantagem” imposta pela Cidob que reivindicava um cargo no órgão público Autoridade de Fiscalização e Controle Social de Florestas e Terras.


Próximos passos
Segundo o diretor do curso de Sociologia da Universidad Mayor de San Andrés (UMSA), Eduardo Paz, “as leis aprovadas até aqui tratam de modificar a superestrutura, de maneira a afiançar o atual governo”. Paz destaca que, após conquistado o poder Executivo, as novas leis vêm para permitir uma mudança da classe dirigente em outros níveis de poder, especialmente no Legislativo. Passada a aprovação das cinco leis, o sociólogo acredita que o governo impulsionará a Assembléia Legislativa Plurinacional a tratar de temas mais diretamente ligados à vida do povo, como aposentadoria, saúde, educação e código de trabalho.


Principais novidades das outras quatro leis

Lei de Regime Eleitoral
Regulamenta referendos e eleições, estabelecendo critérios para aumentar a presença das mulheres e a diversidade étnica em eleições para o Legislativo e o Judiciário. Define que os mais altos cargos do Órgão Judicial serão eleitos por voto popular. Promove a democracia interculural, reconhecendo como legítimos os mecanismos de democracia direta, participativa, representativa e também comunitária. O texto convida os bolivianos a “reconhecer e respeitar as distintas formas de deliberação democrática, diferentes critérios de representação política e os direitos individuais e coletivos da sociedade intercultural boliviana”. Reconhece o direito a consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas. De maneira inédita na Bolívia, estabelece o segundo turno nas eleições para cargos do Executivo. Foi criticada por impor limites às campanhas e às coberturas jornalísticas nas eleições para o Órgão Judicial e também por estabelecer somente sete circunscrições especiais indígenas (equivalentes a sete cadeiras no Congresso), uma vez que dentro destas sete circunscrições existem mais de 30 povos indígenas.

Lei do Órgão Eleitoral Plurinacional (OEP)
Estabelece que o novo órgão terá um Tribunal Supremo Eleitoral, com sede em La Paz, Tribunais Departamentais em cada um dos departamentos, além do Serviço de Registro Cívico. O Tribunal Supremo será dirigido por sete membros, sendo um escolhido pelo presidente e os outros seis pela Assembléia Legislativa Plurinacional, com pelo menos dois terços dos votos. Dos sete, pelo menos três terão que ser mulheres e dois de origem indígena originária camponesa. Os Tribunais Departamentais serão dirigidos por cinco membros, dos quais pelo menos duas devem ser mulheres e um de origem indígena originária camponesa.

Lei do Órgão Judicial
Reconhece a Justiça Indígena Originária Camponesa, que goza de igual hierarquia à Justiça ordinária, porém não define seus limites jurisdicionais, que serão estabelecidos pela Lei de Deslinde Jurídico. Define que os magistrados do Tribunal Superior de Justiça (TSJ) e do Tribunal Agroambiental, além dos conselheiros do Conselho de Magistratura serão eleitos por sufrágio universal. A Assembléia Legislativa Plurinacional selecionará uma lista de candidatos inscritos para ir a votação, garantindo a presença de pelo menos 50% de mulheres e de uma pessoa de origem indígena originária camponesa. No caso do TSJ, serão eleitos um magistrado titular e um suplente por departamento. Caso o mais votado seja homem, sua suplente deverá ser a mulher mais votada. Caso seja mais votada uma mulher, seu suplente será o homem mais votado.

Lei do Tribunal Constitucional
Encarregado de elucidar os conflitos entre as novas autonomias e receber ações de inconstitucionalidade. Serão eleitos, por sufrágio universal, sete magistrados titulares e sete suplentes, sendo que pelo menos um deverá vir do sistema indígena originário camponês, por auto-identificação. A Assembléia Legislativa Plurinacional selecionará previamente 28 dos candidatos inscritos, tendo que garantir 50% de mulheres na lista.

________________________________________
SOCIEDADE EDITORIAL BRASIL DE FATO
CNPJ 05.522.565/0001-52
Alameda Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – São Paulo – SP – CEP. 01218-010
TEL: 0xx11 2131-0800 – FAX: 0xx11 3666-0753

37- Psicanálise - Zizek

A busca de um novo homem começa com Jacques Lacan
Dossiê da revista Cult discute, em seis ensaios, obra do psicanalista francês, necessária para entender a alvorada deste século

Francisco Quinteiro Pires

O entendimento sobre o começo do século 21 talvez se torne impossível se o pensamento de Jacques Lacan for ignorado. Guardadas as peculiaridades históricas, teóricas e individuais, é o mesmo que pensar o século passado sem passar pela psicanálise, desenvolvida pelo austríaco Sigmund Freud (1856-1939) na virada do século 19 para o 20.

Após a proclamada crise - até com declarações de morte - da psicanálise nos anos 1980, período durante o qual se intensificou o tratamento farmacológico para problemas psíquicos, a presença da obra de Lacan em diferentes pensadores da atualidade, como Derrida, Deleuze, Foucault, Laclau, Zizek, estimulou a produção de um dossiê pela revista Cult deste mês sobre o psicanalista francês.

No Brasil, textos importantes de Jacques Lacan (1901-1981) estão chegando às livrarias, apesar do atraso, como O Mito Individual do Neurótico e O Seminário, Livro 16: De Um Outro ao Outro, ambos recém-lançados pela Jorge Zahar. O dossiê da Cult (66 págs., R$ 9,90), composto por seis ensaios, aborda o pensamento lacaniano a partir das suas relações com outras áreas, como a filosofia, a estética e a política.

No ensaio Revolução na Clínica, o professor de psicologia da USP Christian Ingo Lenz Dunker aborda o procedimento clínico radical de Lacan, que propunha repensar constantemente as razões da prática psicanalista, em vez de estabelecer normas e burocracias - como um prazo fixo para começar e terminar as sessões - no atendimento dos analisados. Já Uma Relação Ambivalente, de Richard Theisen Simanke, professor de filosofia da UFSCar, trata do contato cheio de tensão entre filosofia e psicanálise como um dos traços fundamentais da produção teórica lacaniana.

Em Estética e Descentramento do Sujeito, a psicanalista Tania Rivera mapeia a influência da arte contemporânea, comparável ao freudismo e à psiquiatria, em Lacan. Antônio Teixeira, professor de psicologia na UFMG, apresenta as perspectivas do psicanalista francês sobre as relações entre individualidade, coletividade e política no texto Política, Classes e Singularidade.Vladimir Safatle abre o dossiê ao afirmar, em Confrontar-se com o Inumano, a capacidade da obra de Lacan de “abrir as portas para uma outra figura do homem”.

Quando Freud criou a psicanálise, seu método terapêutico baseado na livre associação desafiava as convenções do discurso. Ao estimular a expressão dos pensamentos que vêm ao espírito, o austríaco desvendava para os homens o campo do inconsciente, em que se guardavam pulsões, condutas e atitudes que tinham entrado em confronto com exigências sociais contrárias. E mais: esse recalque era responsável pelas ações desses indivíduos. Foi um petardo contra a sociedade burguesa, embora críticos marxistas tenham dito que a psicanálise não passava de ardilosa mentira para preservar essa mesma burguesia.

À semelhança de Freud, Lacan ultrapassou a prática clínica sobre patologias mentais para refletir a respeito de identidade, sexualidade, valores, ética, etc., escreve Safatle. Lacan afirmava: “Não há razão alguma para fazermos o papel de fiadores dos devaneios burgueses.” Ele deixou uma tarefa às gerações posteriores: o confronto com aquilo que não tem a figura de humanidade nos homens.

O esloveno Slavoj Zizek diz, em Não Existe Grande Outro, texto que fecha o dossiê, que as intuições de Freud adquiriram agora seu pleno valor. Para ele, o que Lacan deixa como maior legado é a noção - baseada em Kant - de que o indivíduo não só é plenamente responsável por cumprir o seu dever, mas por determiná-lo. Não existe “a figura do grande Outro” para levar a culpa.




JÁ NAS BANCAS

Não existe grande Outro

Desmentindo a suposta crise da psicanálise, as intuições centrais de Freud adquirem somente agora seu pleno valor. Como a ética lacaniana pode nos orientar diante das inúmeras escolhas morais da atualidade?

Slavoj Zizek

Nestes últimos anos, uma nova onda triunfante proclama a morte da psicanálise: graças aos avanços recentes das neurociências, aí está ela, relegada ao lugar onde desde sempre pertenceu, no quintal pré-científico e obscurantista da busca dos sentidos ocultos, em companhia dos confessores religiosos e dos decifradores dos sonhos. Como disse Todd Dufresne, ninguém na história do pensamento humano esteve tão enganado sobre seus postulados fundamentais - com exceção de Marx, acrescentariam alguns, sem dúvida. E, de fato, como se poderia prever, em 2005, o lamentavelmente célebre Livro negro do comunismo, somando todos os crimes do comunismo, foi seguido do Livro negro da psicanálise, enumerando todos os erros teóricos e todas as manipulações clínicas da psicanálise. Nesse sentido negativo, pelo menos, a solidariedade profunda entre o marxismo e a psicanálise agora é mostrada aos olhos de todos.

Há algo de verdadeiro nessa oração fúnebre. Há um século, Freud situava a psicanálise na série de três humilhações sucessivas do homem, as três "feridas narcísicas", como ele denomina. Em primeiro lugar, Copérnico demonstrou que a Terra girava em torno do Sol e nos privou conseqüentemente, a nós, humanos, do lugar central no universo. Em seguida, Darwin demonstrou que éramos o produto de uma evolução cega, privando-nos assim de nosso lugar privilegiado entre as criaturas vivas. Enfim, quando o próprio Freud tornou visível o papel predominante do inconsciente nos processos psíquicos, tornou-se claro que nosso eu não é nem mesmo senhor em sua própria morada.

Hoje, cem anos mais tarde, uma outra imagem aparece: as últimas descobertas científicas parecem infligir toda uma série de humilhações suplementares à imagem narcísica do homem: nosso próprio espírito não é nada além do que uma máquina de calcular e de produzir séries de dados, sendo nosso sentido da liberdade ou da autonomia simplesmente "ilusões do utilizador" dessa máquina... Conseqüentemente, aos olhos das neurociências atuais, a própria psicanálise, longe de ser subversiva, parece pertencer mais ao campo humanista tradicional ameaçado pelas últimas humilhações.

Morte da psicanálise?

A psicanálise está realmente ultrapassada? A resposta parece ser sim, em três níveis conectados entre si: 1) o nível do saber científico, onde o modelo cognitivista-neurobiológico do espírito humano parece suplantar o modelo freudiano; 2) o da clínica psiquiátrica, onde o tratamento psicanalítico perde seu espaço rapidamente em relação às terapias clínicas e à terapia comportamental; 3) o do contexto social, onde a imagem de uma sociedade de normas sociais que reprimem as pulsões sexuais do indivíduo não parece mais válida aos olhos da permissividade hedonista que predomina hoje em dia. Entretanto, no caso da psicanálise, o serviço fúnebre talvez seja um pouco precipitado. Em oposição às verdades "evidentes" dos críticos de Freud, é preciso afirmar que o tempo da psicanálise chegou somente agora e que as intuições centrais de Freud também adquirem somente agora seu pleno valor.

Um dos lugares-comuns da crítica cultural conservadora é que, em nossa época permissiva, faltam às crianças limites rígidos ou interdições. Essa falta causa frustrações a elas, levando-as de um excesso a outro. Só um limite rígido instituído por uma autoridade simbólica pode garantir não somente a estabilidade, mas a satisfação mesma (a satisfação trazida pela violação do proibido, pela transgressão dos limites). A fim de tornar claro o modo pelo qual a denegação funciona no inconsciente, Freud evocava a reação de um de seus pacientes a um sonho centrado em torno de uma mulher desconhecida: "Quem quer que seja esta mulher em meu sonho, eu sei que não é minha mãe". Uma clara prova negativa, segundo Freud, de que aquela mulher era sua mãe. Não há modo melhor de caracterizar o paciente típico de hoje do que imaginar sua reação oposta ao mesmo sonho: "Quem quer que seja esta mulher em meu sonho, tenho certeza que ela tem algo a ver com minha mãe!"

Em nenhuma parte esse papel paradoxal da psicanálise é mais claro que no caso dos sonhos. Se pedirmos a um intelectual médio hoje para nos dizer resumidamente do que fala a teoria dos sonhos de Freud, ele responderia provavelmente: para Freud, um sonho é a realização fantasmática de algum desejo inconsciente e censurado por quem sonha, que é, em princípio, de natureza sexual. Agora, tendo essa definição em mente, voltemos ao início de A interpretação dos sonhos, quando Freud procura uma interpretação detalhada de seu sonho acerca da "injeção aplicada em Irma" - é razoável supor que Freud sabia o que ele estava fazendo e que escolheu cuidadosamente um exemplo apropriado para introduzir sua teoria dos sonhos. Entretanto, é aqui que encontramos a primeira grande surpresa: a interpretação desse sonho por Freud não pode nos deixar de lembrar uma antiga piada soviética que passava na Rádio Erevan ("É verdade que Rabinovitch ganhou um carro novo pela loteria nacional?" "Em princípio sim, ganhou. Só que não era um carro, mas uma bicicleta e não era nova, mas usada e ele não ganhou, roubaram dele!"): o sonho é a realização do desejo sexual inconsciente daquele que sonha? Em princípio, sim. Só que o desejo no sonho que Freud escolheu para demonstrar sua teoria dos sonhos não é nem sexual, nem inconsciente e, ainda mais, não é nem mesmo seu...

Dois sonhos

O sonho começa por uma conversa entre Freud e sua paciente Irma sobre o fracasso de seu tratamento devido a uma injeção infectada. No curso da conversa, Freud se aproxima dela, inclina-se em direção a seu rosto e olha para o interior de sua boca, confrontando-se com uma visão horrível de uma carne vermelha viva. Neste ponto de horror insuportável, a tonalidade do sonho muda, e o horror de repente se transforma em comédia: três médicos, amigos de Freud, aparecem enumerando, num jargão pseudo-profissional ridículo, as múltiplas razões (que mutuamente se excluem) pelas quais o envenenamento de Irma pela injeção infectada não foi culpa de ninguém (não houve injeção; a injeção estava limpa...). Assim, o desejo do sonho, o "pensamento latente" exprimido nele, não é nem sexual, nem inconsciente, mas é o
desejo (plenamente consciente) de Freud de obliterar sua responsabilidade no fracasso do tratamento de Irma. Como, conseqüentemente, isso concorda com a tese da natureza sexual e inconsciente do desejo expresso nos sonhos?


Divã usado nas sessões de Freud (Reprodução/Konstantin Binder)

É aqui que é preciso introduzir uma distinção crucial: o desejo inconsciente do sonho NÃO é o pensamento latente do sonho que é deslocado/traduzido na textura explícita do sonho, mas o desejo inconsciente que se inscreve através da distorção mesma do pensamento latente na textura explícita do sonho. Aí reside o paradoxo do Traumarbeit (o trabalho do sonho): queremos nos desembaraçar de um pensamento insistente, mas incômodo, do qual somos plenamente conscientes, então nós o distorcemos e o traduzimos no hieróglifo do sonho. No entanto, é através da própria distorção desse sonho-pensamento que um outro desejo, bem mais fundamental, se inscreve no sonho, e esse desejo é inconsciente e sexual.

É preciso acrescentar uma complicação suplementar aqui: por que exatamente nós sonhamos? A resposta de Freud é falsamente simples: a função última do sonho é de permitir àquele que sonha prolongar seu sono. Interpreta-se geralmente essa resposta em relação aos sonhos que temos justamente antes de despertarmos, quando alguma perturbação exterior (barulho) ameaça nos despertar. Nessa situação, quem está dormindo imagina rapidamente (durante o sonho) uma situação que incorpora esse estímulo exterior e consegue, assim, prolongar o sono por um tempo. Quando o sinal exterior torna-se forte demais, ele finalmente desperta... Mas será que as coisas são verdadeiramente tão simples assim? Num outro sonho acerca do despertar n'A interpretação dos sonhos, um pai cansado, que havia passado a noite velando o caixão de seu jovem filho, adormece e sonha que seu filho se aproxima dele em chamas, dirigindo-lhe esta censura assustadora: "Pai, você não vê que estou queimando?" Logo após, o pai acorda e descobre, por causa da queda de uma vela, que o tecido do sudário de seu filho morto pegou realmente fogo - a fumaça que ele sentiu durante seu sono incorporou-se ao sonho onde seu filho estava em chamas para prolongar seu sono. Mas será que o pai realmente acordou quando o estímulo exterior (a fumaça) se tornou forte demais para ser contido nos limites do roteiro do sonho? Não seria o inverso? O pai construiu primeiramente o sonho a fim de prolongar seu sono, isto é, para evitar o desagradável despertar? No entanto, o que ele encontra no sonho (literalmente a questão ardente, o espectro inquietante de seu filho censurando-lhe) é bem mais insuportável do que a realidade exterior e, então, o pai acorda, escapa para a realidade exterior. Por quê? Para continuar a sonhar, para evitar o trauma insuportável de sua própria culpa na morte dolorosa de seu filho.

A fim de tomar a medida exata do sentido completo desse paradoxo, é preciso comparar este sonho com aquele sobre a injeção aplicada em Irma. Nos dois sonhos, há um encontro traumático (o olhar da carne nua da garganta de Irma; a visão do filho em chamas). Contudo, no segundo sonho, aquele que sonha acorda na mesma hora, enquanto que, no primeiro sonho, o horror é substituído pelo espetáculo louco das desculpas profissionais. Esse paralelo nos dá a chave última da teoria dos sonhos de Freud: o despertar no segundo sonho (o pai acordando para a realidade a fim de escapar do horror do sonho) tem a mesma função que a súbita transformação em comédia, a mesma função que essa troca entre nossos três médicos ridículos do primeiro sonho. Ou seja, nossa realidade ordinária tem precisamente a estrutura de uma troca louca que nos permite evitar o encontro com o verdadeiro trauma.

Adorno já disse que a máxima nazista bem conhecida "Deutschland, erwache!" (Alemanha, desperta-te!) significava, de fato, seu exato oposto; quer dizer, a promessa de que, se você respondesse ao chamado, estaria autorizado a continuar a dormir e a sonhar (a evitar o encontro com a realidade do antagonismo social). O trauma que encontramos no sonho é, assim, de certo modo, bem mais real do que a própria realidade (social exterior). Um poema de Primo Levi relata o destino de uma lembrança traumática herdada da vida no campo de concentração. Na primeira estrofe, Levi está no campo, adormecido, tendo sonhos intensos: voltando ao lar, comendo, contando à sua família sua experiência quando, de súbito, ele é despertado pelo grito cruel do soldado polonês: "Wstawac!" (De pé! Levanta-te!). Na segunda estrofe, ele está em casa, após a guerra e a libertação. Assim, sentado à mesa em sua casa, bem alimentado, ele conta sua história à sua família quando, de súbito, o chamado emerge violentamente em seu espírito "Wstawac!"...

É crucial aqui, com certeza, a inversão da relação entre o sonho e a realidade nas duas estrofes: seu conteúdo é formalmente o mesmo (as cenas agradáveis do repouso no lar, da refeição e da narração aos seus próximos são interrompidas pela intrusão da injunção "De pé!"). Mas a tranqüilidade do sonho, na primeira estrofe, é cruelmente interrompida pela realidade da ordem, enquanto que, na segunda estrofe, a agradável realidade social é interrompida pela ordem brutal alucinada (ou, antes, imaginada). Essa inversão exprime bem o enigma da Wiederholungszwang: por que o sujeito continua sendo assombrado pela ordem brutal e obscena "Wstawac!"? Por que a injunção insiste e se repete? Se, na primeira vez, vemos a simples intrusão da realidade exterior que perturba o sonho, no segundo caso, vemos a intrusão do Real traumático que atrapalha o funcionamento tranqüilo da própria realidade social. Seguindo o roteiro um pouco modificado do segundo sonho de Freud, podemos facilmente imaginar assistir ao sonho do sobrevivente da Shoah em que seu filho (que ele foi incapaz de salvar do forno de cremação) voltou a assombrar após sua morte, dirigindo-lhe esta censura: "Vater, siesht du nicht dass ich verbrenne?"

Ciberespaço e três versões da ética

Descobrimos então um Freud distante daquele vitoriano proverbial tomado de uma visão repressiva da sexualidade, um Freud cuja atualidade esteja chegando apenas hoje, em nossa "sociedade do espetáculo", quando aquilo que experimentamos como realidade cotidiana torna-se cada vez mais a mentira encarnada. Basta lembrar os jogos interativos do ciberespaço nos quais alguns de nós brincam compulsivamente, jogos nos quais geralmente um neurótico covarde se transforma em (ou melhor, adota o personagem do) macho agressivo, batendo em outros homens e violentando as mulheres. É muito fácil dizer que esse ser covarde encontra seu refúgio no sonho acordado do ciberespaço a fim de escapar de sua vida real calma e impotente. Mas, e se os jogos do ciberespaço fossem mais sérios do que geralmente pensamos? E se eu pudesse exprimir por eles o núcleo agressivo e perverso da minha personalidade que, em razão das restrições ético-sociais, eu não seria capaz de vivenciar em minhas trocas reais, da vida real, com os outros?


Jogo virtual on-line Second Life: mais real do que a realidade? (Divulgação)

Nesse caso, o papel que enceno em meus sonhos acordados do ciberespaço não é de certa forma "mais real do que a realidade", mais próximo do verdadeiro núcleo da minha personalidade do que o papel que desempenho em minhas trocas com meus parceiros na vida real? É exatamente porque estou consciente de que o ciberespaço é "apenas um jogo" que posso viver nele aquilo que eu nunca poderia admitir em minhas trocas intersubjetivas "reais". Nesse sentido, como diz Jacques Lacan, a Verdade tem a estrutura de uma ficção: o que aparece como sonho ou mesmo como sonho acordado é às vezes uma verdade escondida cuja repressão estrutura a própria realidade social. É aí mesmo que reside a última lição de A interpretação dos sonhos, de Freud: a realidade destina-se àqueles que não podem suportar o sonho.

Que tipo de ética corresponde a essa constatação? A resposta de Lacan fornece o seu lema: "A única coisa da qual alguém possa ser culpado, ao menos na perspectiva analítica, é de ter cedido em seu desejo". Esse lema, aparentemente simples e claro, torna-se difícil de entender no momento em que se busca especificar sua significação - de que maneira ele se situa diante da panóplia de escolhas éticas que estão disponíveis hoje em dia? À primeira vista, ele parece concordar com três versões principais: o hedonismo tolerante liberal, o "budismo ocidental", e a ética imoral. Examinemos cada uma dessas posições.

A primeira coisa que se deve afirmar categoricamente é que a ética lacaniana não é uma ética hedonista: qualquer que seja o significado de "não ceder em seu desejo", isso não significa o reino incontrolado daquilo que Freud chamava de "princípio de prazer", o funcionamento do aparelho psíquico para atingir o prazer. De fato, para Lacan, o hedonismo é o modelo de um desejo adiado pelo interesse de "compromissos realistas": a fim de atingir um maior volume de prazer, devo calcular e economizar, sacrificar prazeres a curto prazo em troca de prazeres mais intensos a longo prazo. Não há solução de continuidade entre o princípio de prazer e sua contrapartida, o "princípio de realidade": o segundo (obrigando-nos a levar em conta os limites da realidade que se opõem ao nosso acesso imediato aos prazeres) é o prolongamento inerente do primeiro.

Mesmo o budismo (ocidental) não escapa dessa armadilha; o próprio Dalai Lama sempre afirma que "o objetivo da vida é ser feliz" - o que é falso para a psicanálise, é preciso acrescentar. Na descrição de Kant, o dever moral funciona como o intruso, traumático e estranho, que perturba do exterior o equilíbrio homeostático do sujeito. Sua pressão insuportável obriga o sujeito a agir "para além do princípio do prazer", ignorando a busca dos prazeres. Para Lacan, essa mesma descrição vale para o desejo, razão pela qual o gozo não é alguma coisa que vem naturalmente para o sujeito, enquanto realização de suas potencialidades internas, mas é o conteúdo de uma injunção traumática do supereu.

A ética lacaniana é imoral?

Se o hedonismo deve ser rejeitado, então a ética lacaniana corresponde a uma versão da ética heróica imoral, aquela que exige permanecer fiel apenas a si próprio, a persistirmos no caminho que escolhemos para nós mesmos, para além do bem e do mal? Lembremos de Don Giovanni no último ato da ópera de Mozart, quando o Comendador de pedra exige dele uma decisão: Don Giovanni está às portas da morte, mas se ele se arrepender de seus pecados, ainda poderá ser salvo; se, ao contrário, ele não renunciar à sua vida de pecador, queimará no inferno para sempre. Heroicamente, Don Giovanni recusa arrepender-se, embora esteja totalmente consciente de que, com sua teimosia, não tem nada a ganhar a não ser sofrimentos para o resto da vida. Por que ele faz isso? Evidentemente, não é por alguma vantagem ou por algum prazer no futuro. A única explicação é sua total fidelidade à vida devassa que escolheu para si. É um caso claro de ética imoral: a vida de Don Giovanni sempre foi imoral; porém, como prova sua fidelidade a si próprio, não foi imoral por prazer ou vantagem, mas por princípio. Agiu desse jeito porque isso fazia parte de uma escolha fundamental. Ou, para tomar outro exemplo do mundo da ópera: Carmen, de Bizet. Carmen é certamente imoral (uma devassa que se lança a aventuras sem piedade, destruindo a vida dos homens e arruinando as famílias), mas completamente ética (fiel ao caminho que escolheu para si mesma até o fim, mesmo quando isso significa sua morte).

Friedrich Nietzsche (grande admirador de Carmen) foi o grande filósofo da ética imoral, e é preciso sempre lembrar que o título da obra-prima de Nietzsche é Genealogia da moral, e NÃO da ética. São coisas bem diferentes. A moral está preocupada com a simetria das minhas relações em relação a outros seres humanos; sua regra de base é "não faça aos outros aquilo que não gostaria que lhe fizessem". A ética, ao contrário, exige que eu seja conseqüente comigo mesmo, fiel ao meu próprio desejo até o fim. Na capa da edição de 1939 de Materialismo e empiriocriticismo, de Lênin, Stálin escreveu a seguinte nota com caneta vermelha:
1) Fraqueza
2) Indolência
3) Estupidez

São as únicas coisas que podemos chamar de vícios. Todo o resto, na ausência dos traços supramencionados, é sem dúvida virtude.
PS: se um homem é 1) forte (espiritualmente), 2) ativo, 3) inteligente (ou capaz), então ele é bom, pouco importam todos os demais "vícios"!
1) + 3) = 2)

Essa é a fórmula mais concisa que se pode ter da ética imoral; no lado oposto disso, um ser fraco que obedece às regras morais e fica preocupado com suas falhas, encarna a moral não ética, que é o alvo da crítica nietzschiana do ressentimento. Mas o stalinismo aqui tem seus limites: não tanto porque é imoral em excesso, mas porque é secretamente moral, e porque sempre repousa sobre a figura de um grande Outro. Naquela que é talvez a legitimação mais inteligente do terror stalinista, Humanismo e terror, obra de 1946 de Maurice Merleau-Ponty, o terror se justificaria como uma espécie de aposta no futuro, quase do mesmo modo pelo qual a teologia de Blaise Pascal nos exorta a fazer uma aposta em Deus: se o resultado final do horror presente revelar-se a glória do comunismo no futuro, então esse resultado perdoará retroativamente todas as coisas terríveis que um revolucionário deve executar agora.

Seguindo um raciocínio parecido, alguns stalinistas, quando (em comitê restrito, geralmente) eram obrigados a admitir que muitas das vítimas dos massacres eram inocentes, que foram acusadas e assassinadas porque "o partido tinha necessidade do sangue delas para fortalecer sua unidade", esses stalinistas sonhavam com o dia da vitória final em que todas as vítimas necessárias seriam recompensadas, em que seriam reconhecidos ao mesmo tempo sua inocência e seu enorme sacrifício pela Causa. Lacan refere-se a isso em seu seminário sobre A ética, como a "perspectiva do julgamento final", perspectiva ainda mais claramente discernível em uma das expressões-chave do discurso stalinista, aquela da "culpabilidade objetiva" e da "significação objetiva" de nossos atos: ainda que o indivíduo seja honesto, agindo com suas mais sinceras intenções, ele será "objetivamente culpado" se os seus atos servirem às forças reacionárias - e, obviamente, apenas o partido possui acesso direto àquilo que os atos "significam objetivamente". Aqui, obtém-se não apenas a perspectiva do julgamento final (que determina a "significação objetiva" do ato), mas também a instância que já dispõe da capacidade exclusiva de julgar os acontecimentos e os atos atuais, a partir dessa mesma perspectiva.

Kant contra Eichmann: o fim do "julgamento final"

Agora podemos ver porque a máxima de Lacan - "não existe grande Outro" - nos leva ao núcleo do problema da ética: o que ela exclui é precisamente essa "perspectiva do julgamento final", a idéia de que em algum lugar - mesmo que seja um ponto de referência inteiramente virtual, mesmo que concordemos que não é possível ocupar esse lugar e emitir o julgamento final - deve haver uma forma padronizada que nos permita tomar a medida de nossos atos e formular seu "sentido verdadeiro", seu verdadeiro estatuto ético. Mesmo a noção de "desconstrução como justiça", da qual fala Jacques Derrida, parece repousar sobre uma esperança utópica sustentando o espectro da "justiça infinita", sempre adiada, sempre colocada no futuro, mas ao mesmo tempo desde já presente enquanto horizonte último de nossa atividade.

A aspereza da ética lacaniana é que ela exige de nós o abandono completo dessa referência. Sua aposta suplementar é que essa abdicação não vai nos lançar à insegurança ética ou ao relativismo, não vai destruir os fundamentos da atividade ética. Mais do que isso, sua aposta é a de que a renúncia da garantia de algum grande Outro equivale à própria condição de uma ética realmente autônoma. Lembremos que o sonho da injeção em Irma, que Freud usa como um caso exemplar para ilustrar seu procedimento de análise dos sonhos, é um sonho do sujeito da responsabilidade (a responsabilidade de Freud em relação ao fracasso do tratamento de Irma) - esse fato simplesmente indica que a responsabilidade é uma noção freudiana crucial. Mas como concebê-la? Como evitar o erro da percepção comum segundo a qual a mensagem ética fundamental da psicanálise é precisamente aquela que poderia aliviar minha responsabilidade, que colocaria a culpa no Outro "já que o Inconsciente é o discurso do Outro, então não sou responsável por suas formações, pois é o Outro que fala através de mim, sou apenas seu instrumento"? Lacan indica a saída para tal impasse, referindo-se à filosofia de Kant como precursora da ética psicanalítica.

Segundo a crítica tradicional, o limite da ética universalista kantiana do "imperativo categórico" (a injunção incondicional de realizar nosso dever) encontra-se na sua indeterminação formal: a Lei moral não me diz qual é o meu dever, ela me diz simplesmente que devo realizar meu dever, e nesse momento abre espaço para um voluntarismo vazio (o que decido ser meu dever é meu dever). Entretanto, longe de constituir um limite, esse traço nos leva ao núcleo da autonomia ética kantiana: não é possível deduzir da própria Lei moral as normas concretas que devo seguir em minha situação específica - o que significa que o próprio sujeito deve assumir a responsabilidade de traduzir a injunção abstrata da Lei moral em uma série de obrigações concretas. A aceitação plena desse paradoxo nos obriga a classificar toda referência ao dever como simples desculpa: "Sei que isto é difícil e doloroso, mas, afinal, o que posso fazer, é meu dever..."

O lema tradicional do rigor ético é: "Nenhuma desculpa justifica a não realização do seu dever!" Ainda que a máxima conhecida de Kant - Du kannst, denn du sollst ("você pode, porque você deve") - pareça oferecer uma nova versão desse lema, na verdade ela o complementa com uma inversão muito mais estranha: "Nenhuma desculpa justifica a realização do seu dever!" A própria referência ao dever como desculpa para a realização do meu dever precisa ser classificada como hipócrita.

Lembremos aquele exemplo proverbial do professor severo e sádico que submete seus alunos a uma disciplina violenta e à tortura; a desculpa para si mesmo (e para os outros) é: "Eu mesmo acho muito doloroso maltratar essas pobres crianças, mas que posso fazer, é meu dever!" É isso que a ética psicanalítica proíbe totalmente: nela sou plenamente responsável não apenas por fazer meu dever, mas também - e não menos - por determinar qual é meu dever.

Geralmente se diz que a ética kantiana do dever incondicional justificaria tal atitude - não é surpreendente que o próprio Adolf Eichmann tenha mencionado a ética kantiana quando tentou justificar seu papel no planejamento e na execução da Shoah: ele fazia apenas seu dever e obedecia às ordens do Führer. No entanto, o objetivo da insistência de Kant sobre a plena autonomia moral do sujeito e sobre sua total responsabilidade é precisamente impedir tais manobras que procuram jogar a culpa em alguma figura do grande Outro.

(Tradução: Ronaldo Manzi e Eduardo Socha)

Slavoj Zizek é pesquisador da Universidade de Liubliana (Eslovênia) e da European Graduate School (Suíça), professor visitante da Universidade de Columbia, Princeton, entre outras. Autor de How to read Lacan (Norton,2007), Bem-vindo ao deserto do real (Boitempo, 2003)

Leia também, no dossiê sobre Jacques Lacan da CULT de junho, já nas bancas:
Confrontar-se com o inumano, por Vladimir Safatle
Uma relação ambivalente, por Richard Theisen Simanke
Estética e descentramento do sujeito, Tânia Rivera
Política, classes e singularidade, por Antônio Teixeira
Revolução na clínica, por Christian Dunker

36- Direitos Humanos - França e os ciganos

Uma comissão de direitos humanos da ONU criticou nesta sexta-feira (27) a França pelas medidas contra os ciganos e pediu ao governo francês que promova a integração da maior minoria étnica da União Europeia, em vez de tentar expulsar seus membros para o leste do continente.

Os 18 especialistas independentes disseram que centenas de ciganos embarcados nas últimas semanas para a Romênia, num programa que a França chama de "repatriação voluntária", talvez não tenham sido plenamente informados sobre seus direitos ou não tenham consentido livremente com a viagem.

Os especialistas, que integram o Comitê da ONU pela Eliminação da Discriminação Racial, também pediram ao governo francês de centro-direita que combata o preocupante avanço do discurso nazista e xenófobo entre alguns políticos.

"O comitê está preocupado com o aumento dos incidentes e da violência de natureza racista contra os ciganos no território do Estado membro (a França)," disse nota.

Pela atual política francesa, os ciganos que aceitem deixar o país recebem € 300, mais € 100 por criança. Cerca de 8 mil já deixaram a França neste ano, dos quais 300 em aviões que partiram na quinta-feira (26) de Paris e Lyon.

A comissão disse ter recebido informações de que nas últimas semanas alguns ciganos foram enviados coletivamente para seus países de origem, "sem consentimento livre, completo e informado de todos os indivíduos envolvidos".

A nota não chega a pedir o cancelamento da prática, mas solicita à França que "evite (...) repatriações coletivas e busque soluções duráveis para resolver questões relacionadas aos ciganos, com base no pleno respeito pelos seus direitos humanos."

Os especialistas pedem particular atenção da França no acesso dos ciganos à educação, saúde, habitação e outras instalações temporárias, conforme o princípio da igualdade.

A delegação francesa disse ao comitê que o governo está lutando contra a discriminação racial por meio do seu "arsenal legal e de uma política determinada de integração".

"Acreditamos que, para combater a discriminação contra os ciganos seja indispensável tratar das causas do problema, ou seja, o fracasso em integrar essas populações nos seus países de origem", disse o representante da França na comissão, Jacque Pellet, em declaração no dia 10 deste mês.


segunda-feira, 30 de agosto de 2010

35- Entrevista - com Jose Luiz Quadros de Magalhães sobre a Lei da Palmada

Nome: Jose Luiz Quadros de Magalhaes
Cargo/Função: Professor Doutor da UFMG, PUC-MG e FDSM

1. Professor, o projeto de lei que está no Congresso propõe uma modificação no Estatuto da Criança e do Adolescente. Na prática, como funcionaria esse instrumento legal para evitar palmadas, beliscões e outros castigos físicos? O Estatuto não determinava claramente os tipos de castigo?

O PROJETO DE LEI Nº 2564 /2003 da Senhora Maria do Rosário dispõe sobre a alteração da Lei 8069, de 13/07/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e da Lei 10406, de 10/01/2002, o Novo Código Civil. Este projeto estabelece que a criança e o adolescente não podem ser submetidos a qualquer forma de punição corporal mesmo que moderados e sob nenhuma alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos
Sem dúvida trata-se de uma lei absolutamente desnecessária, uma vez que as disposições legais em vigor no país já proíbem e punem qualquer tipo de violência contra qualquer pessoa. O projeto de lei, entretanto, vai além quando pretende proibir “punição corporal moderada” o que pode, e tem sido entendido por alguns como a proibição mesmo da palmada. Neste sentido o projeto torna-se perigoso pois reforça uma tendência de controle total do Estado de toda a vida privada. Obviamente sou contrário a qualquer forma de violência inclusive as palmadas. Acredito também que as palmadas não são educativas, mas acredito que esta questão deve ser resolvida na esfera da moral e da ética, na esfera social e privada sem intervenção do Estado. Se o direito (as leis) pretenderem regular toda a vida nos seus mínimos detalhes não haverá espaço para a importante esfera da ética e da moral. As pessoas farão as coisas para não serem punidas pelo Estado e não porque acreditam que devem fazer. Isto é muito perigoso e sem dúvida, um passo a mais, mesmo que aparentemente pequeno, em direção a uma nova forma de totalitarismo.


2. É possível realizar esse monitoramento? Isto é, o projeto inclui os pequenos atos de castigo corporal. Não pequenos no sentido de irrelevantes, mas por não deixarem marcas facilmente identificadas de maus tratos. Como isso seria avaliado?

Isto incentivará a denuncia, a desconfiança, inclusive dos filhos em relação aos pais. Trata-se de um projeto ruim para a sociedade em todos os aspectos. Mais uma vez reitero ser totalmente contrário a qualquer forma de violência, qualquer forma de castigo físico ou de tortura mental, que pode ser muito pior. Apenas ressalto o perigo de admitirmos a criminalização de tudo. Assim gradualmente o Estado vai tomando conta de tudo. Admitimos primeiro a prisão de pessoas porque beberam, mesmo que um copo de cerveja e dirigiram, agora eles vem com a proibição de castigo físico mesmo que uma pequena palmada. Estão transformando a vida das pessoas em uma penitenciaria.

3. O projeto propõe campanhas de conscientização e até mesmo a inclusão dos direitos humanos no currículo escolar. O senhor acha que a medida será suficiente?

Esta medida sim é muito importante. Dialogar, discutir os direitos, informar e formar as pessoas. Este é o caminho democrático e não ameaçar com punição, prisão. Devemos dizer não a este super-estado.
4. A violência, de qualquer dimensão, é tratada como uma violação dos direitos humanos. Neste caso, direitos na infância e adolescência. Embora não tenha valor como amostragem científica, uma pesquisa entre leitores da Folha de S. Paulo mostrou que mais de 60% dos participantes são contrários ao projeto. Esse exemplo nos leva a um questionamento: o que faz com que, culturalmente, os pais entendam que 'a palmada educa'?

Esta é efetivamente uma questão cultural que não pode ser desconsiderada. Efetivamente os castigos físicos não educam mas a ausência de limites que assistimos em diversas famílias pode ser muito mais perigoso que a palmada. Crianças e adolescentes sem limites podem ser extremamente violentos. A falta de uma repreensão, a omissão dos pais, a tolerância excessiva pode criar pessoas sem limites sociais, que não saberão respeitar o direito dos outros. Justamente por não ser possível viver em sociedade sem limites, sem respeito ao direito do outro, ao espaço do outro, é que, em todas as sociedades as crianças e os adolescentes são educados pelos pais e pela escola, e muitas vezes com a participação da Igreja, com o estabelecimento de punições ou castigos que na história muitas vezes foram castigos físicos. Se acreditamos que não há mais espaço para castigos físicos esta pratica deve ser dialogicamente desconstruída e não simplesmente proibida com outra violência: o direito penal.

5. Que punições estão previstas, caso o projeto seja aprovado no Congresso? Que mecanismos para inibir a violência estão previstos no documento? A denúncia ao conselho tutelar seria suficiente para, por exemplo, a reclusão?


Segundo o Art. 18B, Verificada a hipótese de punição corporal em face de criança ou adolescente, sob a alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos, os pais, professores ou responsáveis ficarão sujeitos às medidas previstas no artigo 129, incisos I, III, IV e VI do Estatuto da Criança e do Adolescente, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
O Estatuto (Lei 8069 de 13 de Julho de 1990) dispõe no artigo. 129 que são medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;

34- Entrevista - com José Luiz Quadros de Magalhães sobre o ECA

Vi que o senhor vai
falar sobre modernidade, violência e exclusão. Qual a relação desses
temas com a violência praticada pelos jovens? 

R: Na minha fala vou desenvolver a hipótese de que uma das principais causas da violência é a negação da diversidade. Vamos buscar compreender esta questão na modernidade e para isto precisaremos compreender os aspectos centrais do paradigma moderno. O Estado moderno é historicamente centralizador e uniformizador. Para afirmar seu poder este estado não poderia permitir a diversidade. Sua tarefa foi, portanto, uniformizar valores e comportamentos, o que foi feito de forma violenta. Vivemos ainda na modernidade e todas aquelas instituições que vieram com a formação do estado moderno ainda estão muito presentes: a moeda nacional; a criação de nacionalidades artificiais, o exercito nacional, a polícia nacional, o direito territorial e a uniformização do direito de família e de propriedade.
Esta lógica unifomizadora, normalizadora, é responsável por muita violência e exclusão. Mesmo com a constitucionalização, o aprendizado de respeito a diferença é algo efetivamente muito recente na modernidade .
A criação de todo um aparato moderno para negar a diferença e uniformizar e normalizar é responsável pela não aceitação do outro. O não reconhecimento do outro e especialmente o não reconhecimento no outro gerou as mais violentas experiências de extermínio. São vários os exemplos: o nazismo; o extermínio de povos originários pelos invasores europeus após 1492; Ruanda; Iugoslávia; etc...
O que isto tem a ver com a criança e o adolescente¿ As crianças e os adolescentes são educados dentro de um sistema uniformizador que muito cedo nega a estas pessoas a sua singularidade.
Não viveríamos em nossas metrópoles violentas e excludentes se nós nos reconhecêssemos nos outros. Se nos víssemos morando na rua, debaixo de pontes ou em aglomerados urbanos.
O não reconhecimento do outro gera formas radicais de exclusão. Isto me faz lembrar uma frase que li em um jornal de bairro a algum tempo atrás: “Menor agride adolescente”. A manchete do jornalzinho de bairro se referia a duas pessoas de 14 anos de idade. Entretanto um era menor e o outro adolescente. Porque? Quem era o menor e quem era o adolescente se os dois tinham quatorze anos? Ora, o menor é aquele que pode dormir na rua, apanha da polícia, é ilegalmente, até hoje, levado para delegacias, de outro lado o adolescente mora em um apartamento de classe media na Savassi, freqüenta o shoping, não pode apanhar da polícia nem ser levado para uma jaula em uma delegacia da região metropolitana.
Sobre isto quero abordar na minha fala. A era moderna tem sido a era do estranhamento do outro. Isto está na essência de nossa violência diária. Quero comentar como, todos nós, corremos o risco de, ao nomear as pessoas com um nome coletivo, condenar pessoas a exclusão radical, algo que nunca suportaríamos e nem toleraríamos para aqueles que são considerados pessoas nas quais nos reconhecemos. É como se existissem pessoas e não pessoas, ou então pessoas e semi-pessoas. Enquanto não formos capazes de enxergar pessoas, únicas (nomes próprios), atrás dos nomes coletivos (menores; adolescentes; bandidos; baderneiros ou qualquer outro nome próprio que já gerou extermínios) continuaremos a ignorar a violência diária a que muitos são submetidos. E pior, muitos ainda continuaram justificando violências contra aqueles que são, segundo estes, menos pessoas.
Está é a única explicação para, por exemplo, em nome de um direito de propriedade não mais existente, uma pessoa na condição de juiz decida que milhares de pessoas (entre elas mil crianças) na condição de excluídas sejam jogadas na rua. Certamente se todos enxergassem nestas pessoas pobres, pessoas como nós, isto seria absolutamente insustentável. Mas alguns vêem nestas pessoas alguns nomes coletivos como “baderneiros”, “invasores”, “miseráveis” e etc. Assim fizeram os “nazistas” para exterminar os “judeus”, os “eslavos”, os “ciganos”...

Qual a avaliação do
senhor sobre a modernidade? ela ajuda ou atrapalha a educação do jovens e também a punição?

O problema, portanto, a partir do que disse acima, é que o padrão moderno que ainda se sustenta, é a não aceitação da diversidade, da diferença. A escola, ainda, uniformiza. É claro que não estou generalizando nem ignorando toda uma experiência que já rompeu com a uniformização. Quando a escola uniformiza (e isto está simbolicamente dito no uniforme que o aluno veste) ela autoriza a exclusão do diferente. Uma violência comum entre os jovens é a negação do diferente por qualquer motivo: o gordo, o magro, o muito alto ou baixo, qualquer diferença que fuja ao padrão imposto é duramente penalizado. Precisamos de uma escola que seja diferente. Que ao contrario de penalizar o diferente reconheça a importância de ser diverso, plural, diferente.
Não é só a escola que nega a diferença, isto é feito por todo o aparato do estado moderno, que aos poucos começa a romper com isto.

O senhor acredita que a aplicação
do ECA ajuda contribui para a educaçao dos jovens?

R: É claro que sim. E muito.

Os jovens muitas vezes
são vítimas?

R: São as principais vitimas pois estão em processo de formação. Estamos produzindo problemas ao não permitir ao jovem de ser ele mesmo. Não estou dizendo que não se deva colocar limites. É claro que devem existir limites. O que quero ressaltar, é que o limite principal que deve ser posto é o de respeito a singularidade de cada um. Este limite deve ser colocado ao próprio estado, aos professores, aos pais, e é claro, aos jovens.

O senhor acha que o ECA é um instrumento eficaz de
proteção e punição aos adolescentes?
Aparece de novo a palavra punição. Vamos punir menos e dialogar mais.
Chega de punição. A punição só gera violência. Abaixo a punição. O direito penal nunca resolveu problema nenhum em nenhum lugar do mundo. O que resolve é respeito, dignidade, comida, educação, saúde, lazer e moradia.

Muitas pessoas falam
que o ECA mais protege do que pune, outros falam o contrário. Qual o pensamento do senhor?

O problema não é do ECA mas da cabeça de quem o lê e aplica. Todo direito implica sempre, necessariamente, em um dever. É uma grande bobagem aquela fala de que existem mais direitos que deveres.
Temos que punir menos. Punir o menos possível. Temos que proteger sim, respeitando a diferença e reconhecendo que enquanto vivermos nesta sociedade individualista, competitiva e brutalmente desigual vamos ter que conviver com a violência e não haverá direito penal que resolva a questão.

Teoria do Estado 40

ESTADO E RELIGIÃO
José Luiz Quadros de Magalhães

1 HOMO SAPIENS X HOMO RELIGIOSUS: A PERMANENTE E CRESCENTE TENSÃO ENTRE DUAS ESFERAS COMPLEMENTARES
 Para começar a tentar compreender a relação entre o discurso religioso e o discurso cientifico devemos partir do estudo da origem das religiões. Encontramos no livro de B. Mondin1 a afirmativa de que “em todas as idades, as primeiras elaborações criativas de uma cultura devem-se a uma inspiração religiosa e estão voltadas para um fim religioso”. Ao discordar da afirmativa podemos aprender com ela, apenas invertendo a compreensão do fenômeno de conquista do saber e compreensão dos fatos e vivências por intermédio da razão. Queremos dizer que com a conquista lenta e gradual de compreensões racionalmente explicáveis, cria-se imediatamente um discurso paralelo para a explicação do ainda inexplicável no plano racional: o espaço religioso. À medida que novas respostas são encontradas no plano racional posteriormente científico, recuam as explicações e dogmas do plano religioso. Obviamente o processo de relação entre os dois discursos não se dá de forma pacífica, uma vez que quanto mais recua o plano religioso, mais este vai reagir para manter as explicações fora do plano cientifico. O fundamentalismo e a intolerância se fortalecem com a reação da religião ao aumento das explicações racionais e cientificas. Um exemplo: em pleno final do século XX, as escolas do sul dos EUA proíbem o ensino da teoria da evolução.
Em um sentido figurativo, como se pudéssemos imaginar o discurso científico e o religioso como idealmente dois textos complementares e paralelos, podemos dizer que as lacunas do discurso científico são preenchidas inicialmente pelo discurso religioso e, à medida que encontramos explicações científicas para perguntas sem respostas (ou com respostas religiosas), apaga-se aquela resposta do campo religioso e preenche-se a lacuna no discurso científico. Muito cedo surge uma tensão entre estes dois discursos, que é recrudescida com a perda acelerada do espaço do discurso religioso a partir do século XVI. Logo, de uma cômoda complementaridade entre esses dois sistemas, entre os dois discursos, surge uma tensão permanente entre eles, que pode ganhar importância muito grande quando visualizamos essa tensão ocorrendo em instituições de poder como as igrejas, muitas vezes ligadas ao poder do Estado ou confundindo-se com o poder estatal, ou quando utilizada essa tensão para promover intencionalmente a redução do espaço do saber, gerando uma estratégia de alienação. O caso concreto será estudado em outro momento.
Pode o leitor neste momento pensar, então, que o pressuposto básico para compreensão desta discussão aqui proposta é a inexistência de Deus, pois reduzo toda ação religiosa a um papel de explicação por meio de mitos, crenças e supertições do inexplicável: na base de tudo estaria a impossibilidade de explicação da morte e, logo, do medo do nada.
Entretanto, e de forma obviamente bastante simplificada por enquanto, se Deus é vida, se Deus é a verdade (sem questionar aqui quantas verdades existem), logo, a conquista gradual do conhecimento por intermédio das experiências vividas como uma conquista da razão dada por Deus é a proximidade de Deus. O conhecimento através da razão cientifica nos aproximaria então de Deus. Se o conhecimento nos aproxima de Deus, então a crença, o mito e a supertição nos afasta de Deus. Mas que não se tome a ciência como dogma. Um outro problema surge neste momento: a crença em uma ciencia infalível aproxima esta de uma religião alienante. Aos poucos, descobrimos que também a "ciencia" não tem respostas para tudo e que as respostas apresentadas como certas e infalíveis não são as únicas verdades. Não há um única resposta certa. A dúvida e a incerteza são fatores fundamentais para a evolução do conhecimento e para a construção de um discurso religioso e científico não excludentes. Poderíamos ser levados, então, a uma nova conclusão: quanto mais conseguimos explicar e compreender a vida, mais nos aproximamos de Deus e mais nos afastamos da religião, esta entendida como um sistema de mitos (relatos, textos sagrados e símbolos), ritos (preces, ações, sacrifícios) e normas (mandamentos, preceitos e regras).2
Como promover a superação dessa tensão? Antes não podemos nos esquecer da relatividade de toda verdade incluindo a verdade científica, que é ideológica e logo representa um sistema de valores históricos quase sempre. O conhecimento necessita sempre ser contextualizado. O relativismo da ciência é fundamental para que não a transformemos em religião. De outro lado, a relativização da religião é o primeiro passo para afastar algo de inerente a quase todas as religiões: a intolerância advinda de uma certeza não reflexiva (mesmo porque as certezas se dissolvem na reflexão), o que gera exclusão e violência. 
Lembramos ainda que embora a intolerância possa ser afastada da religião, é de sua essência a exclusão. O que devemos nos perguntar, portanto, é o seguinte: ao relativizarmos a religião, estamos acabando com a religião, pois esta perde a sua força e razão de ser, que é explicar o inexplicável e, logo, aplacar o nosso medo do nada? Poderiamos dizer que não, se formos capazes de manter o essencial positivo da religião, que é o de promover a nossa religação com Deus. 
Mas será? 
O filósofo italiano Giorgio Agambem nos dirá que a palavra "religio" vem de "relegere" e não "religare", o que sugere não uma intenção de religar-nos com Deus mas sim de nos afastar. O sagrado assim seria uma forma de separação. O que é sagrado não pode ser discutido, é retirado da livre discussão das pessoas, é retirado do livre uso. "Relegere" sugere uma atenção especial, algo que é colocado em um espaço separado. Nas palavras de Agambem: "O termo religio, segundo uma etimologia ao mesmo tempo insípida e inexata, não deriva de religare (o que liga e une o humano e o divino), mas de relegere, que indica a atitude de escrúpulo e de atenção que deve caracterizar as relações com os deuses, a inquetea hesitação (o reler) perante as formas - e as fórmulas - que se devem observar a fim de respeitar a separação entre o sagrado e o profano. 'Religio' não é o que une homens e deuses, mas aquilo que cuida para que se mantenham distintos."(AGAMBEM, Giorgio. Profanações, Editora Boitempo, São Paulo, 2007).


2 RELIGIÃO, ESTADO E CAPITALISMO

A água para quem tem sede.
O peixe para quem tem fome.
O vinho para a festa.
Como interpretar este Deus que supre as nossas carências? Como o Ocidente e o Oriente têm interpretado o desejo que surge da falta e a sua satisfação?
Os livros que estudam as religiões costumam classificá-las em religiões ocidentais e orientais.3 As hoje chamadas religiões mundiais estariam a partir dessa classificação divididas em dois grupos de três grandes religiões:

a) as ocidentais: cristianismo, islamismo e judaísmo;
b) as orientais: hinduismo, budismo e taoísmo.

Lembremos em primeiro lugar algo muito importante: o conceito de "ocidente" e "oriente" é uma invenção "ocidental", ou seja, foi inventado mais uma vez para separar estados e civilizações justificando a hegemonia de uns sobre outros, justificando ainda uma "suposta" missão civilizatória do lado considerado mais "desenvolvido" sobre os demais. (ler sobre este assunto o livro de Immanuel Wallerstein, "O Universalismo Europeu", editora Boitempo, 2007).
Seguindo esta classificação (e entendendo sua intençao) podemos perceber que todas as religiões mundiais tiveram origem neste "Oriente", tendo atingido o "Ocidente" e de sua cultura sofrendo grandes influências. É o caso do cristianismo, hoje majoritariamente ocidental, e o judaísmo. O islamismo (considerado "oriental" pelo "ocidente"), como a religião que mais cresce no mundo, está presente no "Ocidente", entretanto ainda não com tanta força como o judaísmo e, principalmente, o cristianismo.
O cristianismo não é uniforme, dividindo-se em diversas correntes, igrejas, seitas, cultos, costumes e interpretações divergentes do Velho e do Novo Testamento.
Um aspecto importante da "ocidentalização" do cristianismo, que podemos dizer que se impõe com a Igreja romana e depois com o movimento protestante, é a sua transformação pelos valores ocidentais e pelo capitalismo liberal-ocidental. A palavra transformação é forte, mas significa as novas interpretações dos textos sagrados, e as escolhas feitas pela Igreja romana e posteriormente pelas igrejas protestantes dos textos que poderiam ser considerados sagrados e os textos proibidos, apócrifos ou mesmo banidos. Nesta opção, na construção, tradução e sistematização dos textos que compõem a Biblia há todo um jogo de poder (que claro é terreno). Entre as diversas motivações que influenciaram nestas escolhas e de alguma forma na tradução dos textos sagrados estão interesses de impérios, poderes pessoais, a manutenção e a manipulação de poderes e a constituição da Igreja Católica como poder secular, terreno, concreto, com interesses territoriais e econômicos, e sua vinculação com o poder do Estado.
De certa forma, esta ocidentalização teve um significado especial na compreensão de deus. O deus ocidental aparece como um supridor de desejos, inclusive os materiais (uma clara vinculação com o capitalismo). Os desejos mais fortes são os que nascem da carência maior. É como se este deus, para existir, necessitasse da carência. Ele não é a ausência de carência, ideia que permanece com um "Oriente" que aos poucos é forçado a se "ocidentalizar", mas que precisa continuar existindo como "oriente", em alguma medida, para justificar o discurso civilizatório "ocidental". O deus "ocidental", ao contrário, se afirma na permanência da carência, pois ele se mostra quando supre carências.
O milagre do vinho, o milagre do pão, a água, quando da sede, foram vistos pelo olhar deste "Ocidente" não como exemplo de um deus que se mostra mais quanto mais os desejos surgidos da carência são superados, mas, ao contrário, de um deus sempre presente para suprir carências. A sutil diferença que se mostra na exposição da idéia é profunda como compreensão de deus e seus reflexos na construção de comportamentos sociais com claros reflexos no poder do Estado e nas relações econômicas.
Embora separando o bem do mal de forma clara e maniqueísta, o pensamento ocidental mostra, de forma contraditória, que este deus “pai” supridor de carências se mostra principalmente na luta permanente na satisfação das carencias e não na sua extinção. Ou seja, a manifestação de deus está no suprir carência, atender a desejos (que são constantemente criados pela sociedade de hiper consumo), e não na superação do próprio desejo (desejo enquanto carência e demanda permanentemente criada e não desejo enquanto liberdade e busca). Em outras palavras, não mais desejar, ou melhor, não mais ser obrigado a desejar ou, enfim, não mais carecer. Ficou no pensamento "oriental", a ideia de que a aproximação de deus ocorre, ao contrário, com a superação dos desejos. Esta perspectiva não interessa à sociedade de hiper consumo. O "Ocidente" inventando passa a conceber deus como o supridor dos desejos, e, portanto, deus só é percebido na sua negação, ou seja, "ele" depende da carência para se manifestar.
Na perspectiva "ocidental", devemos orar para que as necessidades sejam supridas (quais necessidades?), para que os "desejos", enquanto demandas permenentemente criadas e recriadas, sejam atendidos; em uma perspectiva "oriental", devemos nos transformar através da meditação para não desejarmos tanto e assim nos aproximarmos de deus, livres dos desejos, pois livres das carências.
Este pode ser apenas um dos vários e complexos aspectos da "ocidentalização" moderna das religiões mundiais, originariamente todas "orientais". Se o protestantismo, para Weber,4 está na origem do capitalismo moderno, sem dúvida uma sociedade que se preparava para o capitalismo moderno também adaptou a religião às suas necessidades. Esse processo tem de ser entendido em toda a sua complexidade histórica, e não como um plano montado na biblioteca de qualquer filósofo ou teólogo. Weber, a respeito, afirmava a necessidade e dificuldade, mas ao mesmo tempo a grande importância de demonstrar a “influência de certas idéias religiosas no desenvolvimento de um espirito econômico, ou o ethos de um sistema econômico.”5 Neste caso, Weber ressaltava a conexão do espírito da moderna vida econômica com a ética racional da ascese protestante.
Hoje, nas igrejas "ocidentais", ora-se para adquirir um novo carro, comprar uma casa própria, fazer aquela viajem sonhada ou pagar a divida adquirida. Na sociedade de consumo, que cria demandas artificiais, inventando novos desejos, criou-se um deus que se adaptou aos imperativos desse modelo. A questão não é superar a carência superando o desejo, mas sim como atender aos novos desejos de novas carências surgidas para manter funcionando uma economia, uma sociedade de consumo e um Estado que se mantém estável à medida que esse equilíbrio entre carências, demandas e ofertas de mercadorias para superá-los se mantém.
Outro deus, entretanto, ainda existe para aqueles que não têm suas carências atendidas. Para estes, resta o céu. Desta forma, algumas religiões, especialmente parte do cristianismo, oferecem esperança para aqueles excluídos do modelo socioeconômico, pois se de alguma forma a carência não é suprida na terra certamente será suprida no paraíso. Para estes excluídos, o deus supridor não faltará, mas atuará em outro momento. Este deus vira promessa de vida após a morte. A vida é sofrimento e proibições, a vida é morte e a morte é promessa de vida. Este não é mais o deus da vida, pois todos os prazeres desta vida se identificam com o pecado. Viver é pecado. Este ponto ressaltado por Nietzsche, mais afasta o deus da vida de nossas existências, nos aproximando de um deus da morte, pois que só se revela suprindo nossas carências e sofrimentos no paraíso. Nietzsche, mal compreendido por muitos, na verdade faz uma defesa da vida. Ao afirmar que “o evangelho morreu na cruz”,6 ele não negava Jesus Cristo, pois Cristo é vida. Negava, sim, a transformação do Cristo da vida no Cristo da morte, das proibições, dos moralismos preconceituosos, da proibição da vida, do medo do humano e de seus desejos reais. Cristo foi vida, foi humano, desejou, riu e chorou. O cristianismo criticado por Nietzsche é o da negação da vida. O cristianismo que nega a experiência e a condição humana, bem útil em uma sociedade capitalista excludente que insistentemente nega a possibilidade de o Deus supridor (essencial para esta mesma sociedade capitalista) agir, cumprir sua promessa aos cada vez mais excluídos humanos.
A negação da vida, do prazer, é uma herança de escolas de pensamento grego. “As matrizes socráticas, as quais construíram o homem teórico, moral, ansioso por uma verdade absoluta e as fundamentações platônicas, que transformaram esse homem teórico em ideal de ser humano, mas para viver num mundo perfeito, fora de suas sensações ‘enganosas’, tornaram o mundo concreto do presente em um peso. O mundo foi substituído por uma fábula, e a vida tornou-se algo que cansa os homens”.7 Foi sobre esses dois pensadores que se assentaram a moral e a religião cristãs.
A teóloga cristã Uta Ranke Heinemann ressalta a influência do pensamento grego na construção do moralismo cristão e na construção do Novo Testamento, ressaltando ainda a influência do estoicismo e do gnosticismo nas escolhas e proibições de textos que deveriam integrar a Bíblia, assim como nas traduções e deformações de passagens do Velho Testamento, e nos escritos do Novo Testamento. Encontramos nas suas palavras, ao mencionar o Papa Sirício (391): “Sirício foi um dos muitos marcos de uma longa história que transformou o cristianismo de lugar de experiência individual do amor a Deus aberto a todos como deveria ter sido – um amor em que o corpo tem seu lugar natural e divinamente ordenado – no reino de uma casta de solteiros que legisla sobre uma massa de pessoas, na maioria casadas e tratadas como seres inferiores. Essa foi a perversão da obra daquele homem de quem os cristãos derivam seu nome. Face a face com um senhor da Igreja que não mais revela a proximidade de Deus aos homens e às mulheres e tampouco sua compaixão por eles – porque foi transformado no Cristo dos inspetores de alcovas e da polícia conjugal, que se mostra indiferente e odeia os prazeres da carne –, a pessoa humana não mais consegue reconhecer a si mesma como alguém a quem Deus ama, mas só como um ser impuro e merecedor da condenção.”8
O deus da promessa de atendimento dos desejos se mostra necessário ao Estado e às necessidades da economia capitalista. Seja incentivando a busca do consumo e a realização pessoal neste mesmo consumo, seja prometendo o paraíso para aqueles excluídos e que, justamente, devem viver uma vida de expiação. O Deus da superação do materialismo, da superação do apego e da libertação dos desejos inventados, não interessa ao capitalismo e nem ao Estado que este sistema suporta.


3 A ATUALIDADE DE CARL SCHMITT E A POLÍTICA COMO A TEOLOGIA SECULARIZADA

Varias outras conexões entre política e religião, poder e religião podem ser estabelecidas. A política sempre recorreu a sua legitimação pelo sagrado. Os líderes tinham uma interlocução direta com deus, ou desse era representante aqui na terra. A religião, o sagrado, o transcedental sempre foram elementos importantes para o reconhecimento da legitimidade do exercício do poder. Entretanto, nenhum teórico foi tão longe como Carl Schmitt, que de forma racional construiu sua teoria de secularização da teologia. O poder existe e é forte à medida que é forte a crença na sua representação. Muito do poder da Igreja e a lógica da fé como legitimação desse poder foram transportados para a política, e para a idéia de Estado, de povo e de Constituição, por Carl Schmitt. Para Schmitt, com a sociedade de massas que emerge no final da Primeira Guerra Mundial, a política teria de retomar agora sua verdadeira dimensão, do reino do simbólico, da teologia ainda que secularizada.9 Ou seja, a idéia de representação política reside na relação entre autoridade e a crença de uma comunidade nessa autoridade. Para Carl Schmitt, a idéia de povo e nação deve ser trabalhada, manipulada pelo líder segundo a tradição e a herança cultural de cada país, identificando-se um inimigo comum que possibilite a união de pessoas tão diversas e de interesses distintos, tornando-as uma unidade, uma totalidade política. É importante que o líder seja hábil o bastante para manipular os ódios e idiossincrasias herdadas na construção do inimigo, que poderá politizar as relações e criar o ambiente totalitário da comunidade política orgânica e unitária do povo.10
A retirada da política do espaço racional jogando-a cada vez mais no campo da emoção, da fé e da crença é um fenômeno recorrente, presente nos totalitarismos e nas “democracias” do século XX, que se afirma a partir de Goebels no Ministério da Informação de Hitler, com a utilização da prática da manipulação das informações e na criação de imagens de líderes carismáticos, até a consagração do marketing eleitoral como elemento definidor dos resultados das eleições, sobre propostas e idéias. Ressalte-se que o marketing eleitoral, o financiamento privado de campanhas, enfim, a influência decisiva do poder econômico e da mídia no resultado das eleições é prática perfeitamente aceita nas “democracias” contemporâneas, o que as transforma em uma ritualização de procedimentos pseudolegitimadores de uma vontade já previamente estabelecida e supostamente colocada como originária do mito “povo”, ou por este legitimado pelo voto.
Diante da realidade do neo-autoritarismo contemporâneo, a leitura de Carl Schmitt se tornou extremamente atual. Obviamente não para segui-lo, mas para compreender os fundamentos teóricos do autoritarismo e do totalitarismo. As distorções da democracia contemporânea foram já comentadas em outros textos. A seguir uma pequena bibliografia de Schmitt:

SCHMITT, Carl. A crise da democracia parlamentar. São Paulo: Scritta, 1996.
__________ . O conceito do político. Petrópolis: Vozes, 1992.
__________ . Teologia política. Milano: Giuffrè, 1992.
__________ . Teoria de la constitución. Madrid: Revista de Derecho Privado.


1 MONDIN, Battista. Quem é Deus? – Elementos de teologia. São Paulo: Paulus, 1997, p. 50.

2 MONDIN, Battista. Quem é Deus..., cit., p.48.
3 GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O livro das reli¬giões. São Paulo: Companhia da Letras, 2000. WILGES, Irineu. Cultura religiosa –

As religiões do mundo. 10. ed., Petrópolis: Vozes, 1994. ELIADE, Mircea; COULIANO, Ioan P. Dicionário das religiões. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1999.

4 WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Tradução da versão inglesa de Talcot Parsons, Harvard University. São Paulo: Martin Claret, 2001.
5 WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo..., cit., p.30.

6 NIETZSCHE, Friedrich W. O anticristo (Der Antichrist), § 39.
7 NIETZSCHE, Friedrich W. O anticristo. Tradução Pietro Nasseti, introdução de Mauro Araujo Sousa, São Paulo: Martins Claret, 2000.

8 HEINEMANN, Uta Ranke. Eunucos pelo reino de Deus – Mulheres e sexualidade e a Igreja Católica. 3. ed., Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1998, p.10.

09 FELICÍSSIMO, Márcia Regina. O conceito de representação política em Carl Schmitt. Dissertação de mestrado na UFMG, Belo Horizonte, 2002, Cursos de Pós-Graduação em Direito, p.12.
10 FELICISSIMO, Márcia Regina. Op. cit., p.15.

Teoria do Estado 39

7 O AUTORITARISMO

Uma classificação para os regimes e sistemas autoritários modernos.
José Luiz Quadros de Magalhães

No seu livro Teoria do Estado, o Prof. Mario Lúcio Quintão Soares observa que podemos encontrar diversas formas autoritárias, como a ditadura, derivada da clássica concentração de poder nas crises institucionais da res publica romana; o despotismo e a tirania, como ausência de Estado de Direito; o Estado de polícia com forte poder coercitivo; e os regimes de exceção civis ou militares, nos quais se inserem as tristes ditaduras militares, como a que conhecemos no Brasil de 64 a 98 (uma ditadura empresarial/militar como todas as outras que se instalaram na América neste período); e os regimes totalitários, como o fascismo e o nazismo na primeira metade do século XX.29 
Podemos incluir nesta lista as ainda existentes monarquias constitucionais como a do Marrocos, onde o Rei governa ao lado do parlamento e um primeiro ministro; os modernos regimes teocráticos ou religiosos autoritários como foi recentemente o do Afeganistão e ainda é o Irã (que vem se democratizando lentamente) e ainda a monarquia absoluta como a Arábia Saudita.
Podemos classificar os autoritarismos contemporâneos da seguinte forma:
• Regimes constitucionais autoritários: regime que, embora exista o respeito à Constituição e às leis, estas autorizam a restrição de determinados direitos considerados fundamentais pela teoria da constituição moderna e limitam a participação popular.
• Ditaduras: regime político onde, embora existam leis e Constituições, estas não são observadas, valendo a vontade do grupo que está no poder, de forma autoritária e essencialmente excludente, sem observar limites constitucionais ao exercício do poder.
 • Monarquias absolutas: regime no qual o Rei, com  poder vitalício e hereditário, exerce seu poder sem a existencia de limites constitucionais e a separação de poderes ou funções autônomas do estado. Exemplo: Arábia Saudita.
• Monarquias constitucionais – o rei governa ao lado do primeiro ministro e divide o poder com o parlamento, segundo os limites previstos em uma Constituição. Exemplo: Marrocos.
• Regimes religiosos; São regimes violentos e excludentes que suspendem o exercício de diversos direitos fundamentais. Exemplo: Afeganistão até 2001; Irã. Podemos observar que durante séculos as religiões e as Igrejas têm servido para segregar, matar, excluir o diferente, e a sua fusão com o poder do Estado sempre derivou em sistemas com estas características. As religiões monoteístas são têm seus valores fundados em dogmas religiosos. Dogmas não podem ser discutidos. Isto explica a natureza intolerante, violenta e excludente dos regimes resultandes da fusão entre religião e política.
• Regimes totalitários: o nazismo e o fascismo na primeira metade do século XX. A principal característica desse sistema é a ideologia única do Estado e a eliminação crescente do espaço de decisão individual. 
Enquanto o poder nas democracias liberais sociais representativas permanece nas mesmas mãos por meio de permissões, nas ditaduras e totalitarismos ocorre uma submissão que funciona em forma de concessões ou permissões paternalistas atendendo aos pedidos do povo infantilizado (nas ditaduras) ou da total submissão ideológica, no totalitarismo, onde o poder concede, mesmo não havendo possibilidade do pedido. No totalitarismo o poder, além de criar o que os submetidos vão desejar, ele responde quando quer, sem pedido, àquela demanda que este poder criou no sujeito (subjetivado pelo poder).
            Portanto temos nestas duas estruturas de poder, formas de submissão agressivas. A primeira, um ditador paternalista pode ou não atender aos pedidos aceitáveis, punindo os pedidos inaceitáveis. Esta submissão se funda em relações de amor e ódio à figura do poder encarnada no líder. O totalitarismo é mais sofisticado: o poder atende às demandas ocultas do povo, que são direcionadas aos interesses daqueles que efetivamente detém o poder. Neste estado o poder é total e age todo o tempo. Não há concessões dialógicas ou racionais. O poder é real, brutal, mas age a partir das demandas ocultas do povo, que são manipuladas.
           
• O neo-autoritarismo, como forma sofisticada e disfarçada de autoritarismo que se sustenta na concentração do poder econômico, controle dos meios de comunicação e funcionamento do sistema representativo com voto periódico e secreto e opinião pública manipulada.

UMA ALTERNATIVA: Diferente de submissões (ditaduras e totalitarismos) e de permissões ("democracia" representativa majoritária), um espaço de conquista de direitos não hegemônico significa que o poder é dividido, compartilhado. Trata-se da construção de um espaço comum, onde o direito comum é construído por meio da construção de consensos, sempre provisórios, nunca hegemônicos e raramente majoritário (o que acontece na Bolívia, no Estado Plurinacional).

1 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Regimes poíticos. São Paulo: Resenha Universitária, 1977, p. 9.2 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Op. cit., p. 100.

3 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Op. cit., p. 100.

4 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Op. cit., p. 103.

5 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Op. cit., p. 111.

6 BADIA, Juan Ferrando. Democracia frente autocracia. Madrid: Tecnos, 1989, p. 51.
7 BADIA, Juan Ferrando. Op. cit., p. 57.

8 BADIA, Juan Ferrando. Op. cit., p. 58.
9 VERGOTINI, Giuseppe de. Derecho constitucional comparado. Madrid: Espasa-Calpe, 1983, p. 116.

10 AGESTA, Luis Sanchez. Princípios de teoria política. 3. ed., rev. Madrid: Nacional, 1970, p. 389.

11 ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado. 3. ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 238.

12 STRECK, Lenio; BOLZAN DE MORAES, José Luiz. Ciência política e teoria geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p.166.

13 NOHLEN, Dieter. Sistemas electorales del mundo. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1981. Este livro faz uma análise de vários temas relativos ao estudo dos sistemas eleitorais, abordando, por exemplo, as eleições majoritárias por listas, pessoal pontifício, proporcional aos diversos partidos políticos, entre outros assuntos.
14 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia possível. São Paulo: Saraiva, 1972. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Uma defesa das regras do jogo. São Paulo: Paz e Terra, 1986. PORTO, Walter Costa. Dicionário do voto. São Paulo: Giordano, 1995.

15 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 322.

16 DAHL, Robert A. I dilemi della democrazia pluralista. Milão: EST, 1996. LEITÃO, J. M. Silva. Constituição e direito de oposição. Coimbra: Almeidina, 1987. CAGGIANO, Mônica Herman Salem. Oposição na política. São Paulo: Angelotti, 1995. AGUILLAR, Juan Fernando López. Minoria y oposicion en el

par¬lamentarismo una aproximacíon comparativa. Madrid: Congresso de Deputados, 1991. SARTORI, Giovanni. Ingenieria constitucional comparada – Uma investigación de estructuras, incentivos y resultados. México: Fundo de Cultura Económica, 1994.

17 AUBERT, Jean-François. Traité de droit constitucionnel suisse. Suíssa: Edes et Calendos Nenchatel, 1967. BARTOLINI, S.; COTTA, M.; MORLINO, L.; PASQUINO, G. Manuale di scienze della política. Bolonha: II Mulino, 1986.

18 SARTORI, Giovanni. Elementi di teoria política. Bolonha: II Mulino, 1987.

19 ALBERT, Jean-François. Traité de droit constitutionnel suisse, p. 430-431.
20 CAVALCANTI, Themístocles Brandão. O voto distrital. Revista de Ciência Política, Rio de Janeiro, maio, 1977. CARION, Eduardo. Representação proporcional e voto distrital. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Minas Gerais: UFMG, jan. 1983. FLEISCHER, David V. Voto distrital e partidos políticos.Revista de Informação Legislativa, Brasília, jun. 1984. GALDENA, Paulo. Do voto distrital. Revista de Informação Legislativa, Brasília, jun. 1987. SILVA, Icléa Haver da. O voto distrital. Rio de Janeiro: UFRJ, 1986. BECKER, Carl L. Modern democracy. Londres: Oxford University, 1948.

21 LIJPHART, Arend. As democracias contemporâneas. Portugal: Gradiva, 1989, p. 129-147.

22 PINTO FERREIRA. Comentários a Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989, v. I, p. 300. LITRENTO, Oliveiros Lessa. Curso de filosofia de direito. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1980, p. 31.

23 CHANTEBOUT, Bernard. Droit constitutionnel et science politique. 7. ed., Paris: Armand Colin, 1986, p. 510.
24 BADIA, Juan Ferrando. Estructura interna de la constitución. Valencia: Tirant lo Blanch, 1998, p. 510.

25 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Poder Municipal – Paradigmas para o Estado Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.

26 Trabalho de leitura obrigatória para melhor compreensão do modelo proposto e mesmo para sua crítica e aperfeiçoamento, é o artigo do Prof. Washington Peluso Albino de Souza, “O planejamento regional no federalismo brasileiro”, publicado pela Revista Brasileira de Estudos Políticos.
É grande a contribuição que os portugueses podem dar, principalmente pela identidade cultural e histórica, à organização Municipal. Livro que também deve ser lido, para visão mais precisa do tema, é o do professor Ricardo Leite Pinto, Referendo Local e Descentralização Política (Contributo para o estudo do referendo local no constitucionalismo português), publicado pela Livraria Almedina, Coimbra.
Neste livro, desenvolve-se de forma objetiva e clara a análise do novo Estado unitário regional ou, poderíamos dizer, Estado regional autonômico português. Discussões importantes para o nosso trabalho, como o poder local no Estado português, descentralização local, descentralização regional e descentralização política e ainda a relação descentralização local e democratização, são ali desenvolvidas e para onde remetemos o leitor que queira aprofundar-se no tema.

27 CORREA, Fernando Alves. Do ombudsman ao provedor de justiça. Coimbra, 1979, p. 28-30.

28 La defensoria del pueblo: retos e possibilidades. Comissão Andina de Juristas. Artigo: La Defensoria del Pueblo em Colômbia, Jaime Córdoba Triviñom Lima.

29 SOARES, Mario Lúcio Quintão. Teoria do Estado. Belo Horizonte: Del Rey, 2002

Teoria do Estado 38

6 MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL E DEMOCRACIA
José Luiz Quadros de Magalhães

A Constituição de 1988 estabelece, no art. 220, as bases ou princípios geral e universal que deverá reger os meios de comunicação social. É declarada e assegurada a livre manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não podendo existir qualquer tipo de restrição dentro dos princípios constitucionais.
Os dispostos seguintes são um desolamento desse princípio básico, existindo, entretanto, alguns enunciados que merecem destaque.
Além, obviamente, da proibição de censura da natureza ideológica, política, artística, o texto traz uma perspectiva mais interessante, pois participativa e, logo, incentivadora da cidadania, quando se refere à criação, por intermédio de lei federal, de meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas que firam o dispositivo na Constituição e contrariem valores e sentimentos culturais de comunidades específicas.
Note-se que não deverão ser o legislador federal e estadual, ou o juiz, distantes de sentimentos específicos e com raízes culturais muitas vezes diferentes, aqueles que dirão o que pode ou não ser transmitido por intermédio de programa ou programação de rádio e televisão.
A Constituição de 1988 estabelece, portanto, o controle social dos meios de comunicação. Acontece que a Constituição detalhou a forma de propriedade desses mecanismos e, ainda, o que, no princípio, já estava óbvio, não estabelecendo o essencial: uma estrutura pública que permita este controle de forma democrática.
Menciona a Constituição os Conselhos de Comunicação Social. Por se tratar de tema que afeta questões de valores culturais regionais e locais, específicos e variáveis de região para região, de cidade para cidade, este Conselho não pode ter apenas um caráter nacional ou mesmo regional. Entendemos que os Conselhos de Comunicação Social devem ter caráter nacional e municipal.
Deverá existir um Conselho de Comunicação Social Nacional composto por jornalistas indicados pelos sindicatos dos jornalistas, pelo Conselho Federal da OAB e pelos seus correspondentes na área de psicologia e pedagogia, além de outros órgãos pertinentes à questão. Este conselho terá a competência de iniciar, por intermédio de sua Procuradoria, processo contra emissoras que apresentam programações inadequadas às regras estabelecidas pela Constituição, podendo implicar perda de concessão ou permissão, antes de vencido o prazo destas. O referido Conselho deverá ter, ainda, a competência de indicar a não-renovação de concessão ou permissão do serviço público de radiodifusão sonora e de sons e imagens, deliberação que só poderá deixar de ser cumprida pelo chefe do Executivo se houver decisão judicial contrária ou deliberação de dois quintos do Congresso Nacional em votação nominal, sendo constituído na forma de autarquia.
Está proposta está de acordo com o espírito do Texto constitucional, nos arts. 220 e seguintes, alterando apenas dispositivos que, no nosso entendimento, são produtos de pressões de grupos econômicos poderosos ligados aos meios de comunicação social.
O art. 223 determina que compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, ato administrativo que, com a exceção da concessão, que tem caráter constitucional administrativo, tem caráter precário, que pode ser revogado a qualquer momento.
Os parágrafos do mesmo artigo estabelecem mecanismos para a concessão e renovação destas ou não e o cancelamento dos mesmos atos no prazo de dez anos para emissoras de rádio e quinze anos para emissoras de televisão.
Entretanto, dispositivos contidos neste parágrafo protegem muito mais os interesses dos grupos que controlam os meios de comunicação do que o interesse público, pelo atendimento aos princípios contidos no capítulo sobre a Comunicação Social.
O § 2º do art. 223, por exemplo, determina que a não-renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal, o que, no atual sistema, representa muito mais uma garantia de renovação, principalmente por nominar os que votarem contra, que serão perseguidos pela mídia e, conseqüentemente, em alguns casos, pelos seus eleitores.
O art. 224 dispõe sobre o já mencionado Conselho de Comunicação Social, que será um órgão auxiliar do Congresso Nacional. Entretanto, a Constituição Federal joga a estruturação deste órgão para a Lei Federal.
Este Conselho de Comunicação Social tem como finalidade constitucional zelar pela aplicação do dispositivo na Constituição no que se refere à Comunicação Social, especialmente com relação à produção e à programação das emissoras de rádio e televisão que, segundo o art. 221, devem preferir finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, todos segundo os princípios do art. 220, a promoção da cultura nacional e regional e o estímulo à produção independente; a regionalização de produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; e ainda o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Entendemos que este Conselho deverá ter natureza autárquica autônoma especial, com maior poder de fiscalização e atuação e independência em relação ao governo e ao próprio Congresso, o que contraria o Texto constitucional na sua atual forma, que, pelo exposto, deveria ser alterado.
Acrescentamos, ainda, na linha de vários outros trabalhos que defendem a valorização dos municípios, que deverão também ser criados Conselhos de Comunicação Social municipais, que adequarão esses princípios à realidade municipal, com competência obviamente na esfera municipal e com composição não partidária, seguindo o espírito técnico do seu similar federal, com representantes da comunidade não técnicos, podendo ser destituído qualquer dos seus membros, tanto no caso do Conselho Nacional como do Conselho Municipal, por dois terços de Legislativo municipal e três quintos do Legislativo federal.
Esta estrutura de controle social é peça-chave na construção de qualquer democracia contemporânea. Outras formas de controle podem ser adotadas, como as existentes na Alemanha, onde a legislação atua efetivamente na repressão à concentração econômica, legislação que deveria ser também implementada no Brasil, em face do mandamento do art. 220, § 5º, que proíbe que os meios de comunicação social sejam direta ou indiretamente objeto de monopólio ou oligopólio.
Uma nova Constituição democrática – na qual o processo democrático, nela assegurado, permita que os cidadãos, de acordo com os princípios universais de direitos humanos, façam as transformações que desejarem na ordem econômica, social e política – deve prever formas de democratização efetiva e controle social da informação, garantindo a liberdade de expressão e de criação.
Desta forma, como vimos, a questão da democracia parti¬ci¬pa¬ti¬va esta para nós relacionada com a reforma da Federação, com o sistema de governo, no mínimo parlamentar, na União e Estados e diretorial nos municípios. Lembremos sempre que o Estado efetivamente democrático deve estabelecer mecanismos de democratização dos meios de comunicação social, como os conselhos representativos dos cidadãos para controlar e garantir a democratização da mídia.