A REFORMA POLÍTICA
Jose Luiz Quadros de Magalhaes
1 Sistema eleitoral – Voto distrital?
O sistema distrital tem diversas configurações, podendo tomar a forma de distrital majoritário em um turno ou dois turnos, no qual em cada distrito pode ser escolhido um ou mais deputados, em número proporcional à população do distrito em relação aos outros, e desde de que o número de deputados por distrito não comprometa a lógica da eleição majoritária. Pode, também, o sistema distrital combinar com o sistema proporcional (o chamado distrital misto), no qual então temos uma parte das cadeiras no parlamento preenchida pelo sistema distrital majoritário e a outra parte pelo sistema distrital proporcional ou proporcional simples. Finalmente, pode-se adotar o sistema distrital proporcional, como o atualmente adotado para as eleições para deputado federal.
Para a análise de um sistema eleitoral ou de qualquer outro mecanismo pensado para o funcionamento do Estado, suas relações com a sociedade civil e o aprofundamento da democracia, é necessário que levemos em consideração o entorno histórico e a realidade socioeconômica e cultural da sociedade e do aparato do Estado para o qual se pensa um sistema qualquer. Fazendo-se esta análise percebemos que um mecanismo qualquer (seja um sistema de governo ou sistema eleitoral ou um método de repartição de competência e de organização territorial) pode ter conseqüências diferentes em realidades sociais, culturais, históricas e econômicas diferentes. Desta forma, um instrumento que deve servir à democracia, em realidades históricas diferentes pode servir ao autoritarismo e à perpetuação no poder de um único projeto político, com uma aparência de democracia, o que é demasiado perigoso.
Se o sistema distrital pode, de um lado, fortalecer a relação entre representantes e representados, baratear as eleições para o candidato (nunca para o partido) e facilitar o funcionamento do recall, os problemas dele decorrentes podem ser muito graves. O primeiro equívoco é acreditar que esse sistema fortalece os partidos políticos. Na verdade, os partidos podem se tornar tão grandes que podem ser descaraterizados como tal, transformando-se em frentes políticas, muitas vezes de uma única tendência político-ideológica, como ocorre nos Estados Unidos. O bipartidarismo, de fato, pode ser uma outra conseqüência grave para a democracia. No Reino Unido, o principal fator para a manutenção do bipartidarismo de fato hoje é, sem dúvida, o sistema distrital majoritário.
Em eleição realizada em 1987 no Reino Unido, o Partido Trabalhista, segundo colocado nas eleições, obteve 27% dos votos populares, o que resultou em 32% das cadeiras no parlamento, enquanto uma aliança entre o Partido Liberal e o Partido Social Democrata obteve 25% dos votos, o que, entretanto, resultou em 3,5% das cadeiras.7
Como se vê, o sistema distrital permite uma gravíssima distorção, uma vez que exige que o Partido esteja organizado em todos os distritos e com votos distribuídos de maneira equilibrada em todos eles. O partido que tem grande votação concentrada em poucos distritos tende a desperdiçar votos, como o caso acima citado. No Reino Unido, o sistema distrital permite afastar do poder os partidos nacionalistas. No Brasil, o voto distrital, mesmo no sistema misto, representará, ainda, um enorme retrocesso para a esquerda, uma vez que seu eleitorado está, ainda, geograficamente localizado nas áreas mais industrializadas e onde há maior circulação de informação, ou seja, nos grandes centros urbanos. As últimas eleições municipais (outubro de 2000) demonstram esse fato de maneira inequívoca.
Para o Brasil, o melhor sistema para o aperfeiçoamento da representação popular e a correção dos problemas atualmente idenficados com o déficit de representatividade no Congresso do povo das regiões Sul e Sudeste em favor do povo das regiões Norte e Nordeste é o aperfeiçoamento do sistema distrital proporcional atualmente adotado nas eleições para deputados federais.
Um problema já algum tempo detectado, e sempre denunciado, é o déficit de representação dos eleitores do Sul e Sudeste, por causa dos números mínimo (8) e máximo (70) de deputados federais por Estado, proporção na qual não cabe a diferença entre os Estados menos populosos e com menor eleitorado e os mais populosos e, logo, com maior eleitorado. Inicialmente, o que deve ser dito a respeito dessa discussão é que a representação dos Estados é feita no Senado, enquanto a representação do povo ocorre na Câmara de Deputados. Logo, é ao Senado que se impõe a lógica federal, no nosso caso de um federalismo simétrico, onde cada ente federado no mesmo nível tem as mesmas competências e representação no Senado. Partindo dessa assertiva, podemos compreender que no nosso federalismo bicameral (existem Estados federais unicamerais como a Venezuela) não é necessário que os distritos eleitorais para fim de vinculação de votos de representantes e representados sejam coincidentes com o território do Estado membro, uma vez que os deputados são representantes do povo, enquanto os senadores representantes dos Estados membros. Logo, podem ser criados mais distritos eleitorais dentro do território da União que não necessariamente devam limitar-se ao território dos Estados, mas podendo, inclusive, ocorrer um distrito com identidade socioeconômica e cultural que reúna parte do território de dois ou mais Estados. Assim poderíamos, por exemplo, ter 100 ou mais distritos, onde em cada um ocorreria uma eleição proporcional, como hoje ocorre, entretanto coincidente com o território dos Estados membros.
Outro problema que deve ser ressaltado é o fato de o Senado não funcionar como Casa de representação dos Estados, mas sim como Casa essencialmente conservadora, o que é caracterizado pela sua competência, a mesma da Câmara, e pelo mandato e forma de renovação dos seus membros, oito anos e renovação de 1/3 e 2/3 de quatro em quatro anos, o que significa que sempre haverá uma importante parcela da tendência eleitoral de quatro anos atrás, na nova legislatura, que pode ter – o que é comum em uma democracia madura – uma composição ideologicamente diferente da anterior.
O Senado, por sua característica conservadora, não pode ter, nunca, a mesma competência da Câmara, mas apenas, como em muitos casos, um poder de veto, tendo a Câmara a última palavra, ou, então, que todas as matérias tenham obrigatoriamente início na Câmara, que terá a última palavra, mesmo o Senado participando ativamente do processo legislativo apresentando emendas.
O Senado na nossa federação, para cumprir a sua função de Casa de representação dos Estados, poderia ter, com as observações acima mencionadas, as seguintes competências:
• Participar do processo legislativo apenas em matérias de interesse dos Estados membros, sendo as outras matérias votadas apenas pela Câmara ou então em sessão unicameral.
• Participar com poder de veto de todo processo legislativo, tendo, entretanto, competência para iniciar o processo legislativo apenas em matéria de interesses dos Estados membros.
• Na hipótese de um Senado mais forte, para fortalecer os Estados mais fracos (do ponto de vista econômico e populacional), as matérias de interesse dos Estados membros (enumeradas constitucionalmente) devem começar e terminar no Senado, enquanto as outras matérias devem começar e terminar na Câmara.
Essas são algumas da hipóteses que podem resolver os equívocos causados pela incorreta interpretação da Constituição, uma vez que se têm aplicado regras em detrimento do princípio constitucional do sufrágio universal e da soberania popular, o que é comprometido pela regra mencionada do mínimo e máximo de representantes por Estado na Câmara, e o mais grave, pelo fato de o Senado ter a mesma competência da Câmara, podendo iniciar o processo legislativo em qualquer caso, e, portanto ter a última palavra em matéria que não seja de interesse especial dos Estados membros.
2 Financiamento de campanha
Um aspecto importante da legislação referente às eleições é o financiamento de campanha. Toda uma legislação referente à estrutura democrática do Estado, como a organização dos partidos políticos, o seu fortalecimento ideológico, a fidelidade partidária, a desperso¬ni¬fi¬ca¬ção do poder com a adoção de um sistema parlamentar avançado ou um sistema diretorial, a descentralização radical do poder e outros mecanismos de fortalecimento da participação popular podem ser gravemente comprometidos com uma legislação de financiamento de campanha inadequada. Alguns aspectos devem ser obrigatoriamente observados para evitar que o poder econômico seja determinante no resultado das eleições:
• O financiamento das eleições deve ser público, para que seja possível o controle efetivo dos gastos e para que haja condição de igualdade de competição entre as propostas políticas, que devem ser apresentadas à população de maneira objetiva e clara.
• O financiamento privado dificulta o controle e causa inevitavelmente o fortalecimento do poder econômico no resultado das eleições. No presidencialismo, norte-americano, o financiamento privado e sem teto de gastos é visto como um dos mecanismos que caracterizam o sofisticado sistema de filtros que perpetua o poder nas mãos do poder econômico por trás dos dois partidos fortes, de direita (Republicano e Democrático), e que representam os mesmos interesses e o mesmo projeto de poder econômico e dominação global. No presidencialismo norte-americano, é praticamente impossível que um projeto alternativo e uma candidatura estranha ao sistema chegue ao megapoder federal. Seríamos inocentes em acreditar que democraticamente, qualquer projeto e qualquer candidatura pudesse chegar ao poder: a democracia norte-americana no âmbito federal e nas eleições estaduais é hoje meramente formal e aparente. Todo o dinheiro do financiamento privado que mantém as caríssimas eleições norte-americanas é dirigido aos dois partidos que representam o mesmo projeto político e econômico.
• Deve ser mantido o horário eleitoral gratuito. As eleições no âmbito da União (principalmente) e nos Estados membros só vencem os candidatos que estão presentes na mídia. Se o candidato não está presente na mídia, principalmente na televisão, suas chances eleitorais são inexistentes. Logo, a inexistência de um horário gratuito e o financiamento privado favorecem de maneira agressiva e determinante os partidos patrocinados pelos interesses econômicos privados. Não há democracia no sistema de financiamento privado, mas uma grande, cara e sofisticada farsa eleitoral.
• O tempo de campanha eleitoral deve ser radicalmente reduzido, assim como o limite de gastos, de forma que o marketing eleitoral sofisticado não substitua o projeto político.
• Deve haver limite na divulgação da pesquisas eleitorais e legislação rigorosa que responsabilize a manipulação dos resultados.
• Acompanhamento dos resultados das pequisas por órgão da sociedade civil, e com controle social, que permita apurar irregularidades perante a justiça eleitoral, na divulgação de resultados forjados.
Parabéns, Professor.
ResponderExcluirNa minha opinião, a maior distorção da representação política brasileira diz respeito à competência do Senado, como assinalado pelo senhor. Este é o ponto, poucas vezes abordado. Fala-se muito do limite de 70 deputados. Este é absurdo, mas o outro é muito mais. Permite que todo o processo político seja controlado a partir de meia dúzia de caciques, com representatividade pífia. Ou seja, em minha opinião, o problema do Senado não é de conservadorismo, mas de caciquismo ou de patrimonialismo.
Parabéns.
Um abraço.
Lido em 29/09/2010.
ResponderExcluir