segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Teoria do Estado 34

4 DEMOCRACIA SEMIDIRETA (O REFERENDO E O PLEBISCITO)
José Luiz Quadros de Magalhães

No ordenamento constitucional vigente, o plebiscito tem o sentido de submeter à apreciação direta da vontade popular determinada questão simples, não se chegando ao detalhamento de sua normatização, uma vez que o plebiscito precede uma decisão importante ou a elaboração de uma lei ou a reforma da Constituição.
Em 1993, o Brasil teve o seu primeiro e até agora único plebiscito na vigência da Constituição de 1988, quando se submeteu à vontade popular a escolha sobre forma de governo, se monarquia ou república, e o sistema de governo, se parlamentarismo ou presiden¬cialismo, com a vitória dos dois últimos, mantendo-se, por isso, a forma e o sitema já preexistentes.
Note-se que, neste caso, perguntou-se à população apenas se esta desejava um ou outro sistema e forma de governo, não sendo definidos ou submetidos à apreciação popular os mecanismos de funcionamento de um e de outro. O plebiscito vincula os atos posteriores, deixando, entretanto, os legisladores ou mesmo o chefe de governo, quando for o caso, livre para decidir como será regulamentada ou implementada a decisão que se tomou no plebiscito. Desta forma, se a opção do povo fosse pelo sistema parlamentar, os constituintes derivados estariam obrigados a alterar a Constituição, para a adoção do sistema parlamentar, não existindo, entretanto, vinculação sobre os detalhes do funcionamento desse sistema, devendo ser mantido, obviamente, apenas seus mecanismos básicos, de queda do gabinete e dissolução do parlamento.
O plebiscito e o referendo são mecanismos de democracia semidireta, nos quais a população opina sobre determinada questão. Esses mecanismos de participação popular podem diferenciar-se na doutrina. No Direito brasileiro, na vigência da Constituição de 1988, pela oportunidade em que ocorrem e pela complexidade de um e de outro mecanismo, são necessárias práticas e reflexões sobre a conveniência desses institutos, nas formas democráticas participativas. Importante, entretanto, ressaltar que não há uniformidade nos textos constitucionais como na doutrina, inclusive quanto à utilização dessas expressões.
O referendo, ao contrário do plebiscito, consiste na submissão de um texto de lei à apreciação popular, que irá ou não aprovar integral ou parcialmente um texto de lei, uma Constituição ou uma medida normativa qualquer, que, para entrar em vigor, dependerá da aprovação da maioria dos votantes no referendo.
O questionamento que se coloca num referendo é, portanto, muito mais complexo do que o de um plebiscito, em que consiste sim ou não a uma idéia genérica.
O referendo depende da apreciação, por parte da população, de um texto integral de uma Constituição ou de uma lei, devendo, por isso, existir uma análise detida e cautelosa desse texto, exigindo nos dois casos, mas de forma ainda mais relevante no segundo caso, uma população bem informada e educada, com graus de informação e de formação necessários para a compreensão do texto e suas conseqüências, texto este que é colocado sob sua apreciação.
O plebiscito e o referendo exigem uma população cidadã, portadora de direitos que são pressupostos básicos para qualquer democracia, como o direito à saúde e à educação. Além desses direitos, é necessário o sentimento de se sentir cidadão, ou seja, de se integrar como parte de uma comunidade e se interessar pela sua construção e permanente evolução.
Esse sentimento não se constrói facilmente, e o espaço onde ele pode se desenvolver é o município. O município é o espaço da cidadania, por causa da proximidade daqueles que necessitam das soluções concretas de seus problemas.
O perigo desses mecanismos diretos de democracia reside sempre em sua utilização com uma população desinformada ou incorretamente informada. O plebiscito, por exemplo, foi mecanismo de legitimação de governos autoritários em vários países, sendo exemplos históricos a ascensão de Napoleão ao poder solitário, a ascensão de Hitler ao poder e o longo período de ditadura Stroessner, no Paraguai, mais recentemente.
Neste sentido, Pinto Ferreira alerta para o uso do plebiscito, como legitimador de regimes autoritários:

“Como exemplo de incitação ao autoritarismo, citam-se os plebiscitos da era napoleônica, que foram realizados por três vezes: em 1800, buscando apoio público para retificação de uma nova Constituição, em 1802, afim de conferir a Napoleão o título de Cônsul Vitalício; em 1804, para o efeito de confirmar Napoleão no título de Imperador dos franceses. São de mencionar-se os plebiscitos de Hitler, no início do seu governo que lhe eram favoráveis, aniquilando a democracia e endeusando o nazismo.”22

Bernard de Chantebout observa o papel desses mecanismos de democracia semidireta na França, referindo-se à República plebiscitária francesa de 1962 a 1969, período marcado, desde o seu início até o seu fim, por dois referendos e, no meio deste período, pela eleição presidencial de dezembro de 1965. Esse período é caracterizado por massacrante preponderância da instituição presidencial: o Chefe de Estado toma as decisões, em nome do governo, impondo-se ao Parlamento, que deixa de ter valor. Quanto ao povo, este está ao lado do Presidente, nesta República plebiscitária, em parte cúmplice, em parte enganado, até o repentino despertar de maio d 1968.23
Juan Ferrando Badia alerta para a transformação do plebiscito, de um instrumento democrático, em um mecanismo de exercício autoritário, dos poderes falsamente legitimados:

“En Suiza la palabras plebiscita y referendum son sinónimos; en Francia, se llama plebiscito al voto sobra en hom¬bra, referendum, al noto sobre un problema. Desde Napo¬león, el plebiscito ha sido uno de los medios para emascarar un gobierno personal bajo una aparencia democrática, pues el referendum puede facilmente convertise en plebiscito si el pueblo escoze la función en funcion del hombre que se dirige a él. Al permitise pasar por encima del Parlamento para consultar directamente a la nácion, el referendum siministrar la jefe del Estado (o de gobierno) el medio de hacer popular y desviar el régimes hacía el gobierno personal.”24

A democracia plebiscitária não oficial, legitimadora de medidas autoritárias, é algo de novo nos Estados atuais. Os governos amparam-se em pesquisas de opinião, permanentemente realizadas e divulgadas quando lhes interessam, para legitimar suas ações nos mais variados campos.
A imprensa também utiliza tais mecanismos de pesquisa de opinião pública, induzindo ou pressionando governos, por intermédio da indução da população a determinadas posições.
Esta é a grande distorção de um mecanismo democrático, que serve a interesses que não são os interesses públicos, legitimando a prática por intermédio da grande farsa da democracia plebiscitária.
No Brasil, onde o desemprego e a violência urbana e rural são crescentes, num ambiente de insegurança que beira o caos social, muitas medidas inconstitucionais e ofensivas aos direitos básicos do ser humano poderão ser legitimadas por uma pseudodemocracia plebiscitária não oficial, por meio de questionamentos direcionados em indagações de institutos de pesquisa de opinião, que hoje proliferam em todo o mundo, influenciando resultados de eleições e justificando, por intermédio de seus percentuais, medidas autoritárias de governos em vários países do mundo. No Brasil, esssa pratica é notória e está nos noticiários da televisão, com muita constância. A televisão é um veículo de comunicação que influencia muito mais os sentidos e os sentimentos do que razão, pois não permite e não concede tempo para discussão e reflexão da importância, do número e da velocidade de informações oferecidas, que já vêm pensadas, prontas para simplesmente serem reproduzidas ao telespectador.
O plebiscito a que referimos, entretanto, pode ocorrer na esfera municipal, influindo diretamente em questões que afetarão imediatamente e de forma sensível a população local, acompanhado de toda mudança estrutural do Estado e da sociedade, como os mecanismos de controle social dos meios de comunicação social e a criação de espaços de desenvolvimento da cidadania, pode efetivamente, neste caso específico, tornar-se me importante mecanismo de democratização do poder local.

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