quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Teoria do Estado 2

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ESTADO
Jose Luiz Quadros de Magalhaes

Para que possamos entender como o Estado se organiza, como funciona e para adequarmos a sua atuação com suas finalidades, é necessário um rápido passeio na História da humanidade, o que servirá para embasar nossas discussões.
É recorrente no senso comum e mesmo em algumas teorias do passado acreditar que instituições como o casamento monogâmico, a propriedade privada e o Estado sempre existiram, o que de forma alguma é verdade. Na verdade instituições bem recentes formadas e aperfeiçoadas no mundo greco-romano e na cultura judaico-cristã. Alguns afirmariam precipitadamente ser a propriedade privada um direito natural, o que todos os estudos históricos e antropológicos desmentem. Ela é, sim, responsável pelas guerras e assassinatos desde a sua invenção. Como diria Rousseau,

“o primeiro que, cercando um terreno, se lembrou de dizer: Isto me pertence, e encontrou criaturas suficientemente simples para acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Que de crimes, de guerras, de assassinatos que de misérias e de horrores teria poupado ao gênero humano aquele que, desarraigando as estacas ou atulhando o fosso, tivesse gritado aos seus semelhantes: ‘Guardai-vos de escutar este impostor! Estais perdidos se vos esqueceis de que os frutos a todos pertecem e de que a terra não é de ninguém!’ ”1

No mesmo sentido convém lembrar Proudhon2 quando escreve:

“Se eu tivesse que responder à seguinte questão: o que é a escravidão?, e a respondesse numa única palavra: é um assassinato, meu pensamento seria logo compreendido. Eu não teria necessidade de um longo discurso para mostrar que o poder de tirar ao homem o pensamento, a vontade, a personalidade é um poder de vida e de morte, e que fazer um homem escravo é assassiná-lo. Por que então a esta outra pergunta: o que é a propriedade?, não posso eu responder da mesma maneira: é um roubo, sem ter certeza de não ser entendido, embora esta segunda proposição não seja senão a primeira transformada?”

Sem dúvida a invenção da propriedade privada é um dos fundamentos da formação do Estado moderno. A organização do poder, dos bens do Estado com a diferenciação em alguns casos entre público e privado, em outras palavras, o crescimento do poder de alguns e a necessidade de legitimação e acesso e manutenção deste poder estão na origem do Estado. Estado é poder concentrado e organização da exclusão. Não se pode mais admitir a visão generalizadora de um contrato social, uma expressão livre da vontade dos grupos e pessoas envolvidas no processo, como a regra geral da origem do Estado. Esta não é sua origem em grande parte dos casos. Sua origem é poder, manutenção do poder na mão de um grupo e criação de um discurso legitimador que autorize o uso da força, da violência e as várias formas de exercício do poder estatal. Trata-se da organização do poder e da limitação do uso da violência e do poder político por um grupo legitimado. Trata-se de uma especialização do exercício do poder político substituindo o poder pessoal por um poder impessoal; de um poder individualizado por um poder abstrato; do fato de governar pelo direito de governar; é o exercício do poder permanente dissociado de seu titular passageiro. Na verdade, é uma forma de perpetuar um grupo no poder. O grupo não pode depender da precariedade do poder pessoal. O poder é estatal. Trata-se da manutenção do poder. Em geral, não há uma vontade democraticamente construída na sua origem.
Olivier Duhamel3 observa que o Estado não é a única forma de poder político, sendo que a forma estatal é uma invenção relativamente recente sendo mais recente ainda seu processo de democratização gradual. Sua extensão na segunda metade do segundo milênio e sua generalização na segunda metade do século XX fixou seus elementos constitutivos.
No período histórico da Idade Antiga, podemos localizar as cidades-estados gregas – ou a polis. A polis é auto-suficiente. A elite é a classe política que participa das decisões do Estado e os cidadãos o são por critérios de hereditariedade. Há separação entre a religião e política. Na Roma Antiga, por sua vez, encontramos a cidade (civitas) uma outra forma de organização da vida política na cidade. É organizada em bases familiares, sendo ainda a expressão máxima de concentração política e econômica.4
A Idade Média, por seu turno, é marcada por monarquias medievais, encontrando-se, ainda, no feudalismo, a grande influência da Igreja Romana. Isto se dá principalmente pelo Cristianismo afirmar a igualdade, sendo também a base da aspiração à universalidade, ou seja, o Estado Universal. Verificamos que há uma unidade da Igreja num momento em que não há uma clara unidade política, pois a unidade que encontramos é simplesmente formal. Acrescentem-se, ainda, as inovações bárbaras e o feudalismo, que acarretam uma fusão entre o público e o privado, tornando-se, por assim dizer, a expressão máxima da descentralização política, administrativa e econômica. No sistema feudal, além do grande valor à posse da terra, a vassalagem – relação de caráter pessoal –, aliada ao estabelecimento do direito real do benefício e à imunidade tributária às terras sujeitas a este, confluíram para a unidade simplesmente formal.
Podemos apontar como características da organização do poder na Idade Média:

a) forma monárquica de governo;
b) supremacia do direito natural;
c) confusão entre os direitos públicos e privados;
d) descentralização feudal;
e) submissão do poder político ao poder espiritual representado pela Igreja Romana (a história política da Idade Média no ocidente europeu gira em torno das relações entre o poder político, Estado e a Igreja Romana).

É o período da Renascença que nos trará o absolutismo monárquico, o qual decairá com o início da Idade Moderna, que, além de despontar com reações ao absolutismo, em seu desenrolar trará reações ao liberalismo.
No livro Direito Constitucional, t. I, abordamos a evolução do Estado Moderno e dos Direitos Humanos sob o enfoque filosófico e transdisciplinar. A seguir, analisaremos os problemas do Estado na atualidade, e para isto vamos reconstituir parte da história moderna, retomando o tema com outro enfoque transdisciplinar, buscando compreender as bases da crise do Estado constituicional, do Estado nacional e do Estado social, assim como da própria idéia de soberania do Estado.

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