Segue um texto com meu queridissimo amigo Virgilio de Mattos. Grande escritor e poeta, além de fabuloso criminólogo.
CÁRCERE EM CASA:
SEGUINDO AS REFLEXÕES SOBRE A MODERNA BOLA DE FERRO ATADA AOS PÉS, ou: COMO É QUE EU VOU DAR UM PRESENTE DESSE PRA MINHA MÃE?
Pra Mamacita, que sempre marchou junto com a gente.
Pro Seo Gonçalves e pra Dona Dora, vizinhos amigos.
Virgílio de Mattos
José Luiz Quadros de Magalhães
Diante da repercussão do texto “O cárcere dentro da cabeça”, que como todo texto recebe diversas interpretações e usos, nos sentimos na obrigação de dizer que o encarceramento do corpo, qualquer que seja a forma, não pode ser considerado solução. Aliás, somos dos poucos que defendemos a ausência do cárcere, dentro e fora, de todo e qualquer contexto minimamente civilizado. Mas há piores encarceramentos, creiam.
Do encarceramento dentro da cabeça ao cárcere/casa, Minas avança, parecendo não querer deixar ninguém – pobre – para trás. Acabar com os pobres e não com a pobreza, parece ser a tônica. A mágica é fazer você acreditar que isso é muito bom e que você não pode passar sem isso. Preste bastante atenção! Respire fundo, isso, vamos. De novo, preste atenção!
As prisões, magnífica invenção a permitir algo diferente do que moer – literalmente – corpos e mentes, chegou não faz dois séculos como última palavra do que poderia ser presumido como moderno; a perda da liberdade de locomoção, deve ser uma última opção para alguns crimes, não mais do que meia dúzia deles. A maioria dos presos e presas, deveria estar prestando penas alternativas, ou melhor, deveriam ser libertados da pena de vida indigna, da opressão, da miséria e do desespero de uma história sem escolha, sem opção, e muitas vezes sem retorno. Quase sempre para sempre. Como se estivéssemos assistindo a um mesmo e velho filme, sem final feliz.
Não combatemos as tornozeleiras, pulseiras ou coleiras para manter o corpo destas muitas pessoas no cárcere, apenas pelo prazer do debate. Não somos dos muitos que lucramos com isso. Somos dos poucos que nos entristecemos com isso. Que temos a absoluta certeza de que isso não é solução, não pode ser solução, não tem como ser solução: levar o cárcere às costas para casa, quando já não mais se precisa dele. Lembremos ainda, que não se trata de qualquer cárcere, mas de uma prisão que, ao lado da perda da liberdade de locomoção trás etiquetamento perpétuo, espécie de tortura física e mental, mas que seria suportável porque nos afastaria da sujeira, da superpopulação, das violências de ordem sexual, entre outras práticas que se somam à pena de perda da liberdade – inexoravelmente! - e para as quais não existem previsões legais.
Como ensinar, aos alunos e aos crédulos, que a pena não pode passar da pessoa do “delinqüente”? Que deve, a pena, ser proporcional ao delito? Como assegurar que “não haverá pena cruel e infamante”, aí incluído, por óbvio a vedação constitucional também à pena de “esculacho”, ou “escracho”, conforme a unidade da Federação, e que varia conforme a condição – aparente – do candidato a vítima. Mas vamos voltar ao principal, por favor, porque nosso tempo, assim como o cobertor do pobre no frio, é curto, observe-se:
. A inconstitucionalidade e ilegalidade de nosso sistema carcerário não são hipérboles. O construto da ilegalidade, da inconstitucionalidade, pode-se cortar a faca na prática trágica do dia-a-dia, ou, desesperados para mantermos minimamente a elegância: quando a sua mãe passar pela revista vexatória para visitá-lo(a) no seu dia. Obviamente que no dia das mães, não existe dia dos presos, mané! Mas nos perdoem por tentarmos fazer brincadeira com alguma coisa que é tão séria, é só uma tentativa de não tratarmos de forma ainda mais dura, assunto tão delicado: AS MÃES, AS FILHAS, AS ESPOSAS todas elas são barbarizadas nas vexatórias revistas “íntimas” de todos os finais de semana. Isso aconteceu agora, no último final de semana. Desgraçadamente também acontecerá no próximo.
E como podemos posar de civilizados, alfabetizados, solidários trabalhadores na luta, diuturna, por melhores dias e tardes e noites...
Por que pessoas são presas por furtarem bens com valores insignificantes, enquanto estão soltos e prestigiados aqueles que “roubaram” milhões? Ainda que não tivessem utilizado de violência ou grave ameaça e, portanto, a figura típica fosse outra. Há bons moços e moças da Academia que pensam que o importante é estarmos atentos às definições. Coitados, eles pensam que podem fazer justiça social com a dogmática.
Mas vamos prosseguir no popular: roubo este que ainda leva pessoas à miséria e à morte, pois representam desvios de dinheiro público que deveria ser aplicado em direitos sociais como saúde, educação, moradia, emprego e o escambau.
Direito de sermos tortos, portanto, pode-se concluir que é o que reivindicamos.
É preciso ainda, ter cuidado com o que se deseja. Vivemos em uma sociedade onde o desejo comanda e a razão é esquecida. Lembrando o filósofo esloveno Slavoj Zizek, nos chamam de utópicos, nós que lutamos por um mundo sem fome, sem miséria, sem violência, sem egoísmo, sem manicômio e sem cárcere. Nós é que somos tortos em um mundo em que explorar e destruir é considerado um comportamento reto.
Utópicos são os que defendem o mundo impossível que está aí: capitalista, consumista, individualista e egoísta. Um péssimo mundo para criarmos nossos filhos e netos! Talvez a palavra certa para este mundo não seja utopia, uma vez que o bem-estar é para poucos, mas distopia, pois até os que têm tudo, podem consumir tudo, estão aprisionados pelo desejo, são escravos do gozo inatingível e da ansiedade interminável do gozo.
Talvez estejamos tergiversando, logo essa dupla à prova de tudo, seja tranco ou bala, inveja ou tristeza; falamos isso quando percebemos que muitas pessoas presas desejam as tornozeleiras: o que nos faz desejar que sejamos compreendidos quando dizemos não. Mas nós estamos no mundão. Não, “é a única forma que eu tenho de sair de lá”...
O desespero do encarceramento do corpo e da mente, a distância e o abandono podem claramente explicar este desejo. Este e muitos outros desejos nos são impostos pela situação em que encontramos. Não o desejo como possibilidade de libertação, mas o desejo como demanda infindável, não criada por nós mesmos, mas pelo sistema que se alimenta de nosso desejo, de nosso suor, de nosso cansaço. Sobretudo de nosso suor e cansaço. Na sociedade dos desejos criados, o desejo de trocar o cárcere do corpo por uma outra qualquer forma de encarceramento, parece ser a única opção possível.
Às vezes vem uma vontade de chorar... Dizer o quê?
Como em maio de 68: “sejamos realistas exijamos o impossível”, pois inviável (logo impossível) é este sistema econômico e social que vivemos neste início de século. As opções existem.
Converse mais com aqueles que estão ao seu lado.
Aprenda a ouvir mais, afinal, você tem duas orelhas e só uma boca.
Quem gosta de rádio e televisão é técnico, tente criar uma opinião diferente daquela “velha opinião formada sobre tudo”; e que seja crítica, inteligente, sobre tudo, mesmo que você não conheça a canção.
Abração! Obrigado, viu, por entender a gente e responder.
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