Qual sistema de governo para Municípios, Estados e União?
Jose Luiz Quadros de Magalhaes
Outra discussão extremamente importante não para a democracia representativa, mas para a democracia participativa é o sistema de governo. Já dissemos anteriormente que, para o Brasil, a possibilidade de construção de uma efetiva democracia participativa passa pelo aperfeiçoamento do nosso modelo federal centrípeto, que por ter origem em um Estado Unitário não viveu historicamente o processo de união de Estados soberanos que abdicam de parcelas de soberania para novas pessoas jurídicas: o Estado federal (pessoa jurídica de direito público internacional) e os entes federados (pessoas jurídicas de direito público interno), no nosso caso a União, os Estados membros, o Distrito Federal e os Municípios, não hierarquizados, característica essencial do Estado federal.
A descentralização radical que defendemos, com a transferência radical de competências legislativas e administrativas e de recursos, não é suficiente para garantir a democracia representativa, se não reformarmos as estruturas de poder local, democratizando-as, tornando o poder local poroso, criando canais de participação permanentes da população do Município na administração da cidade, na criação de espaços efetivamente públicos e logo democráticos, e superando a velha dicotomia liberal entre Estado e sociedade civil.
A primeira reforma que entendemos fundamental é o fortalecimento da sociedade civil local; o fortalecimento dos diversos Conselhos Municipais; a ampliação do orçamento participativo; uma nova e democrática legislação sobre os meios de comunicação social, especialmente rádios e televisões comunitárias; a criação de um ouvidor popular do Municipio e outras experiências adotadas nas administrações municipais democráticas pelo Brasil a fora, além das diversas alternativas estudadas em nosso livro.8
O segundo passo necessário é a rediscussão do sistema de governo local, estadual e, talvez, federal. Já colocamos que a adoção do parlamentarismo no Brasil no âmbito da União contém sérios riscos de transformar este sistema em um mecanismo autoritário de perpetuação de um modelo econômico e de manutenção de uma elite política mantida pelo poder econômico global. Entretanto, entendemos que a adoção do parlamentarismo no âmbito estadual é extremamente benéfica para os Estados e que esta opção deva ser deixada para os Estados membros, o que depende de reforma da Constituição Federal para posterior reforma das Constituições estaduais. Este debate deve ocorrer em âmbito estadual, e a escolha deve ser deixada para a população do Estado.
Finalmente, a mais importante mudança que deve acontecer com relação ao sistema de governo deve ocorrer no Município. Defendemos, há muito, a adoção do sistema diretorial no Município. Já tivemos a oportunidade de demonstrar como o sistema presidencial é arcaico e personalista, mas mesmo assim nos preocupamos com a adoção de um sistema parlamentar na União pelos motivos já men¬cionados. Entretanto não existem motivos para manter o presidencialismo em âmbito municipal.
O sistema diretorial no Município, estudado nos livros mencionados no início deste trabalho, consiste na despersonificação do poder e na transformação do Executivo em um órgão do Legislativo, escolhido por este, com composição colegiada de cinco ou sete membros e presidência rotativa anual, sendo obrigatório que todas as decisões do diretório sejam votadas pelo colegiado.
Podemos concluir que a democracia participativa no Brasil não pode esperar a construção de um Estado social improvável, se não for construído de maneira participativa.
Um conjunto de reformas se faz necessário para facilitar o processo de transformação social e econômica e o fortalecimento da sociedade civil organizada com a superação da dicotomia Estado e sociedade civil.
Esse conjunto de reformas por si só não tem a força de transformação da realidade, uma vez que elas são principalmente processuais, mas são necessárias para acelerar as mudanças. Entretanto, nada ocorrerá sem uma sociedade civil ativa e organizada, como vem acontecendo de maneira crescente na história recente do Brasil.
No elenco de reformas podemos encontrar as seguintes áreas de atuação:
• Reorganização da federação com uma descentralização radical através da lógica do princípio da subsidiariedade.
• Redefinição das competências legislativas e administrativas e de distribuição de recursos com valorização dos Municípios.
• Redefinição do papel do Senado com a redução do seu papel conservador e fortalecimento do seu papel federais.
• Reforma do sistema eleitoral distrital proporcional para a escolha dos deputados federais.
• Extinção do Supremo Tribunal Federal e criação de uma Corte Constitucional com método democrático de escolha de seus membros para um mandato limitado e manutenção do controle difuso de constitucionalidade das leis.
• Mudança do sistema de governo, principalmente em âmbito municipal, com a adoção do sistema diretorial.
• Fortalecimento dos canais de participação popular no Município, com o fortalecimento dos Conselhos Municipais; do orçamento participativo; a criação de um Ombudsman municipal; fortalecimento dos meios de comunicação democráticos locais e profissionalização e democratização da administração pública local com a separação das funções de governo e adminstrativas.
• Afastamento, de maneira radical, do perigo de adoção de mecanismos perigosos, porque com repercussões não democráticas para a realidade brasileira, como o voto distrital majoritário ou misto; a clásula de barreira; o financiamento privado de campanha e o fim do horário eleitoral gratuito.
Indico uma bibliografia na área do Direito, da Sociologia, Economia política, Antropologia, Ciência Política e outras áreas de conhecimento conexas, sendo que muitos me serviram de base para as reflexões acima desenvolvidas e as que virão a seguir:
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