quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Teoria do Estado 18

6 O ESTADO FEDERAL CENTRÍPETO OU CENTRÍFUGO, O ESTADO FEDERAL DE DOIS NÍVEIS OU DE TRÊS NÍVEIS E O ESTADO FEDERAL SIMÉTRICO OU ASSIMÉTRICO

Jose Luiz Quadros de Magalhaes

O federalismo centrípeto dirige-se ao centro, pois historicamente originário de Estados soberanos que formaram, no caso norte-americano, uma confederação (1777) e posteriormente uma federação (1787), sendo que, nos mais de duzentos anos de existência da Federação, vem gradualmente centralizando competências – a União vai incorporando competências dos Estados, gradual e lentamente, todos esses anos. Entretanto, ao contrário do que uma leitura apressada possa sugerir, o federalismo centrípeto, justamente por tais motivos, é o mais descentralizado, pois se originou historicamente de Estados soberanos que se uniram e abdicaram de sua soberania, mantendo com eles, entretanto, um grande número de competências administrativas e legislativas ordinárias e constitucionais. Essa terminologia, com freqüência, causa confusão e por vezes é empregada de maneira equivocada.
Desta forma, o grau de descentralização é muito grande e representado pelo grande número de competências administrativas, legislativas e jurisdicionais dos Estados membros, que ainda transferem diversas competências para os Municípios. Embora caminhem em direção ao centro, não se pode afirmar até quando permanecerá nesta direção e muito menos que esta centralização tenha sido constante e linear. É perceptível que a tendência ao centro, nos momentos de crise grave, é revestida no momento de crescimento, o que também não pode ser tomado como uma afirmativa absoluta.
Importante, portanto, lembrar que o federalismo centrípeto (EUA, Suíça e Alemanha) é formado a partir de Estados soberanos que formam uma confederação e depois uma federação. Por esse motivo percebe-se uma tensão típica desses modelos, onde o movimento constitucional é centrípeto para resistir a uma matriz de poder político e cultural centrífuga, o que é o oposto do nosso modelo.
O federalismo brasileiro, ao contrário de norte-americano, é um federalismo centrífugo (movimento constitucional em tensão com um movimento político e cultural centrípeto em nossa história independente até os dias de hoje) e absolutamente inovador ao estabelecer um federalismo de três níveis, incluindo o município como ente federado e, portanto, com um poder constituinte decorrente. A partir da Constituição de 1988, os municípios brasileiros não só mantêm sua autonomia, como conquistam a posição de ente federado, podendo, portanto, elaborar suas Constituições municipais (chamadas pela Constituição Federal de leis orgânicas), auto-organizando os seus Poderes Executivo e Legislativo e promulgando sua Constituição sem que seja possível ou permitida a intervenção do Legislativo estadual ou federal para a respectiva aprovação. O que ocorrerá com as Constituições municipais será apenas o controle a posteriori de constitucionalidade, o mesmo que ocorre com os Estados membros.
Alguns autores têm rejeitado a idéia do Município como ente federado,8 por ser uma idéia nova, mas seus argumentos (ausência de representação no Senado, impossibilidade de se falar em União histórica de Municípios, ausência de Poder Judiciário no município) são frágeis diante da hoje característica essencial do federalismo, que difere esta forma de Estado de outras formas descentralizadas, que é a existência de um poder constituinte decorrente ou de competências legislativas constitucionais nos entes federados.
Quanto à união histórica, esta não existiu no Brasil, assim como em vários Estados federais. Quanto à inexistência de representação no Senado, existem Estados federais não bicamerais (Venezuela), assim como existe o bicameralismo em Estados unitários (França), regional (Itália), autonômico (Espanha), sendo que, no caso brasileiro, o nosso Senado, na realidade, não representa uma casa de representação dos Estados (isto é apenas formal), mas sim uma casa extremamente conservadora, que distorce a representação popular e por isso deve ser extinta ou reformada, como visto em texto anterior.
Quanto ao aspecto centrífugo do nosso federalismo, ele é extremamente importante para a interpretação da Constituição e rejeição de aspectos inconstitucionais em medidas provisórias, leis, atos de governo e até emendas inconstitucionais, que firam a nossa forma federal ao centralizar competências e, com isto, comprometendo nosso federalismo que deve sempres buscar a descentralização.
O nosso Estado federal surgiu a partir de um Estado unitário, criado pela Constituição de 1824. O seu processo de formação é, portanto, exatamente o inverso do norte-americano, o modelo clássico, com o qual não pode ser comparado. A Constituição brasileira de 1891, copiando várias instituições norte-americanas, copia deles o federalismo, mas, como a história não pode ser copiada e o modelo norte-americano, tanto de Suprema Corte, como de presidencialismo; bicameralismo e federalismo, são construções históricas, a nossa cópia quase nada tem com o modelo original.
A visão de nosso federalismo como federalismo centrífugo explica a nossa federação extremamente centralizada, que, para aperfeiçoar-se, deve buscar constantemente a descentralização. Somos um Estado federal que surgiu a partir de um Estado unitário, o que explica a tradição centralizadora e autoritária que devemos procurar abandonar para construir uma federação moderna e um Estado Democrático e Social de Direito.
A Constituição de 1891 construiu um modelo federal altamente descentralizado, mas artificial, pois não houve União de Estados soberanos, mas sim uma divisão para se criar uma União artificial, que, por este mesmo motivo, recuou nas Constituições brasileiras posteriores. Não se pode negar a História, mas sim trabalhar com ela para fazer evoluir o nosso Estado para modelos mais descentralizados e, logo, mais democráticos. Por isso, um federalismo de três níveis teria de surgir no Brasil, país de tradição municipalista.
A federação descentralizada de 1891 recua no grau de descentralização em 1934 e 1946, sendo que, na Constituição de inspiração social-fascista de 1937, a Federação foi extinta. A conexão entre autoritarismo e centralização é muito forte na nossa história. Nas Constituições de 1967 e principalmente de 1969 (a chamada Emenda n. 1), temos uma federação nominal, sendo que de fato o Brasil retorna a um Estado unitário descentralizado.
No Brasil da ditadura empresarial-militar que se instalou pós-64 e com a Constituição de 69, os governadores não eram eleitos, assim como os senadores. Uma ditadura mais sofisticada que outras ditaduras latino-americanas, pois, dava-se o trabalho de “eleger” (indiretamente por meio de um colégio eleitoral controlado) um novo general de quatro em quatro anos, em um sistema de eleição indireta e bipartidário, inspirado no modelo presidencial norte-americano.
A Constituição de 1988 restaura a federação e a democracia, procurando avançar um novo federalismo centrífugo (que deve sempre buscar a descentralização) e de três níveis (incluindo uma terceira esfera de poder federal: o município). Entretanto, apesar das inovações, o número de competências destinadas à União em detrimento dos Estados e Municípios é muito grande, fazendo com que nós tenhamos um dos Estados federais mais centralizados do mundo
A compreensão do nosso federalismo como federalismo centrífugo é de fundamental importância para sua leitura constitucionalmente correta e para que se exerça uma leitura constitucionalmente adequada das regras infra-constitucionais, assim como um correto controle de constitucionalidade, coibindo contratos, medidas provisórias, atos administrativos e emendas à Constituição absolutamente inconstitucionais, pois tendentes a abolir a nossa forma federal (centrífuga), limite material expresso ao poder de emenda à Constituição, e, logo, restrição a qualquer ação contrária à forma federal centrífuga. Não é necessário lembrar que se uma emenda centralizadora, logo, tendente a abolir a forma federal, é inconstitucional, inconstitucional também será qualquer outra medida nesse sentido.
Desta forma, o reflexo desta compreensão ocorre, por exemplo, na leitura correta das limitações materiais previstas no art. 60, § 4º, quando dispõe que é vedada emenda tendente a abolir a forma federal. Alguns autores referem-se a esse dispositivo como “cláusula pétrea”. Não acreditamos que essa terminologia seja a mais adequada para nomear as limitações materiais do poder de reforma na atual Constituição, uma vez que não estamos nos referindo a cláusulas imutáveis, mas sim a cláusulas não modificáveis em certo sentido. No caso específico da vedação de emendas tendentes a abolir a forma federal, esta limitação só pode ser compreendida a partir do sentido do nosso federalismo, no caso um federalismo centrífugo.
Isto quer dizer que:

• O art. 60 não veda emendas sobre o federalismo, mas emendas tendentes a abolir a forma federal.
• Ao vedar emendas tendentes a abolir a forma federal, no nosso caso específico, em um federalismo centrífugo, que tem de tender constitucionalmente à descentralização, só serão permitidas emendas que venham a aperfeiçoar o nosso federalismo, ou, em outras palavras, que venham a acentuar a descentralização.
• Emendas que venham a centralizar, em um modelo federal historicamente originário de um Estado unitário e altamente centralizado, são vedadas pela Constituição, pois tenderiam à extinção do Estado federal brasileiro. Centralizar mais o nosso modelo significa transformá-lo de fato em um Estado unitário descentralizado.
• Logo, qualquer emenda que centralize mais competência na União é inconstitucional e deve sofrer o controle de constitucionalidade.
• Finalmente, o modelo centrífugo (federalismo que tende constitucionalmente à descentralização) é princípio constitucional que se impõe não apenas ao Legislativo e ao constituinte derivado, mas também a toda a atuação dos poderes da União e, obviamente, também ao Executivo.

Podemos concluir que toda e qualquer atuação do Legislativo e do Executivo da União que tenda a centralizar competências, centralizar recursos, centralizar poderes, uniformizar ou padronizar entendimento direcionados aos Estados membros e/ou municípios é conduta inconstitucional e deve ser combatida, além de não ser de observância obrigatória para os Estados e Municípios, pois inconstitucional. Diante da opção de cumprir uma determinação inconstitucional e a Constituição, cumpre-se a norma hierarquicamente superior, ou seja, a Constituição. Para aquele que descumpre a Constituição, se chefe do Executivo federal, cabe o processo por crime de responsabilidade, por atos contrários à Constituição, à Federação e ao Estado Democrático de Direito.
Finalmente, no que diz respeito a classificação de Federalismo simétrico e assimétrico, nos referimos a uma simetria horizontal, ou seja, entre os entes federados de mesmo nível. Assim, o federalismo simétrico será aquele onde os entes federados de mesmo nível (municípios entre si e estados membros entre si) têm as mesmas competências administrativas, legislativas, constitucioncias e judiciais (se for o caso, uma vez que os municipios não têm competências judiciais) e o mesmo número de representantes no Senado (também se for o caso, uma vez que os municípios não têm representação no Senado). De outra forma, o federalismo assimétrico (Canadá e Belgica por exemplo) ocorre quando os entes federados de mesmo nível não têm as mesmas competências e-ou não têm o mesmo número de representantes no Senado.



1 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 13. ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p.100.
2 “União pessoal: união precária que se dá quando dois ou mais Estados soberanos vêem-se governados por um só chefe de Estado (ex.: Inglaterra até a subida ao trono da Rainha Vitória).”
3 “União Real: os Estados, embora distintos na organização interna, apresentam-se sob a mesma unidade externa (ex.: Império Austro-Húngaro sob o reinado de Francisco José).”

4 GREFFE, Xavier. La décentralisation. Paris: La Décommerte, 1992; DELCAMP, Alain. Les colletivités decentralisées de l'Union Européenne. Paris: La Documentation Française, 1994.

5 MARTINES, Temistocle. Diritto costituzionale. Milano: Giuffré, 1994; BADIA, Juan Ferrando. Formas de estado desde la perspectiva del estado regional. Madrid: Instituto de Estudos Políticos, 1984.

6 BADIA, Juan Ferrando. El estado unitario, el estado federal y el estado autonómico. Madrid: Tecnos, 1986; BADIA, Juan Ferrando. Del estado unitario al estado autonómico: su proceso. Revista del Departamiento de Derecho Político, Madrid, n.5, invierno, 1979-1986.

7 PELES-BARBA, Gregorio. La Constitución española de 1978. Valencia: Fernando Torrres 1984.

8 CASTRO, José Nilo de. Direito municipal positivo. 5. ed., Belo Horizonte: Del rey, 2001.

9 MÜLLER, Friedrich. Op. cit.

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