5 PARTIDOS POLÍTICOS
José Luiz Quadros de Magalhães
Na democracia representativa, o voto é o instrumento essen¬cial. Por intermédio dele, o povo pode escolher aqueles que irão exercer o poder em seu nome. Entretanto, esta escolha deverá estar amparada em determinados valores, princípios e programas.
Por esse motivo, para o funcionamento perfeito da democracia representativa, é essencial a existência dos partidos políticos fortes, com programas definidos. O eleitor moderno não pode mais confiar nas promessas de candidatos não comprometidos com a fidelidade a um programa e a um partido. Um partido político estruturado é a garantia de que, com ou em aquele candidato, as expectativas do eleitor serão correspondidas, a partir do momento que existe uma fidelidade a um ideal, a um programa. Diversos aspectos muito interessantes envolvem o tema. É de notar que os partidos políticos são essenciais aos sistemas pluralistas, onde representam interesse de determinadas camadas da sociedade, como ainda nos sistemas de partido único, onde a estrutura partidária é essencial para o funcionamento do Estado, como ocorria, por exemplo, na União Soviética, onde se defendia a representação de todas as camadas da sociedade dentro do partido único. É o pluralismo de interesse, objetivo e ideais no sistema do partido único.
Essa idéia foi defendida pelo Prof. Alexander Cipko, membro do Instituto de Economia do sistema Socialista Mundial da Academia de Ciências da União Soviética, no seminário Perestroika, realizado na Universidade de São Paulo, em outubro de 1988, dois anos antes do fim da União Soviética. Para ele, o pluralismo político não significa a existência de vários partidos. O pluralismo é, sim, a convivência das organizações da sociedade civil com o partido único. A cooperativa, os sindicatos, os movimentos ecológicos e as associações de classe são exemplos de organizações políticas possíveis dentro do plu¬ra¬lis¬mo da Perestroika. Esses movimentos, segundo o professor, po¬deriam apresentar candidatos nas eleições dos sovietes dis¬tri¬tais.10
Outro aspecto interessante é o surgimento e crescimento de Partidos com propostas ecológicas. Um exemplo é o Partido Verde, que tenta firmar-se no Brasil, e na Alemanha vem tendo, a cada eleição, um crescimento, participando do governo em aliança com o partido Social-Democrata alemão a partir de 1998.
Exemplo do que pode causar a ausência de partidos políticos no sistema representativo é o que nos dá o país asiático do Nepal. Nesse país, os partidos políticos foram prescritos em 1961, para ceder lugar a uma monarquia. Com a reforma Constitucional em 1980, desde então aconteceram duas eleições, que, entretanto, só poderiam contar com candidatos em partidos políticos.
Segundo os críticos desses sistemas, a inexistência de partidos políticos impede uma mediação adequada entre a sociedade e o Estado, incentivando a corrupção, o oportunismo e o clientelismo político. O dirigente do antigo partido “Congresso Nepalês”, Genesh Mar Singhi, descreve as eleições em seu país como uma corrida de cavalos. Os candidatos competem individualmente, já que não existem partidos com programas nem eleições internas.11
6 A ORIGEM DOS PARTIDOS POLÍTICOS
Quando estudamos os partidos políticos, é importante sabermos quando e como ocorreu a sua origem. É muito comum enxergarmos as coisas como se elas sempre tivessem existido, entretanto o partido Político é um fenômeno recente. Como já observamos anteriormente, ele está presente em quase todos os países, nos mais variados regimes. Jean Charlot, em estudo realizado sobre os partidos políticos, começa por estudar sua origem, assinalando ser este um fato recente:
“Em 1761 (na Grã-Bretanha), nos lembra Sir Lewis Namier, nenhuma eleição no parlamento era realizada com partidos; em 1951, nenhum candidato independentemente foi eleito.”
Segundo o autor, a expressão Partido Político, como a união de diversas pessoas que têm interesses e idéias em comum contra outras de opinião contrária, será emprestado, desde a Idade Média, do vocabulário militar, quando se utiliza o termo partido para designar uma tropa de pessoas separadas para lutar na guerra. Os partidos criados a partir do parlamento e das eleições surgem, de um lado, de uma ligação entre grupos parlamentares e os comitês eleitorais posteriormente formados, de outro. A iniciativa geral parte do grupo parlamentar, e o partido, uma vez criado, fará novos comitês eleitorais e um estado maior distinto da direção de seu grupo.
Os partidos de origem exterior ao parlamento, que são formados por grupos sociais situados fora do sistema político propriamente dito, seriam, por exemplo, os grupos de pressão como as associações camponesas, sindicais, as cooperativas; seriam também as “sociedade de pensamento”, como as seitas religiosas, a maçonaria, etc. O Prof. americano Kennth Janda acrescenta ainda os partidos que nascem por cisão ou fusão de outros partidos, a partir de estudo realizado na África, fato já muito bem conhecido no Brasil. É importante, neste instante, que se façam duas observações, apenas como uma sugestão de reflexão. Em primeiro lugar, quando se fala em origem de partidos político extraparlamento, estes partidos surgem dos mais diversos setores da sociedade civil e representarão interesses em conflito no parlamento. Isto nos leva a pensar na questão da representação da sociedade civil no sistema de partido único, numa sociedade onde não haveria o conflito de classe. Outra observação é da última hipótese levantada pelo Prof. Kenneth Janda, dos partidos que surgem por cisão ou fusão. Pela análise do caso brasileiro, podemos nos perguntar até que ponto estes partidos guardam a característica de representantes de um determinado setor da sociedade?
Retomando o caminho da História, Maurice Duverger atenta para o fato de não se confundir os partidos políticos atuais com os igualmente chamados “partidos”, ou facções que dividiam as Repúblicas Antigas, como, por exemplo, os clãs na Itália da renascença, os clubes onde se reuniam os deputados às eleições censitárias das monarquias constitucionais, como também as várias organizações populares que guardam a opinião pública nas democracias modernas. Esta identidade nominal justifica-se, de um lado, porque ela traduz certo parentesco profundo: todas as instituições não têm o mesmo papel, que é o de conquistar o poder político e exercê-lo?
Maurice Duverger mostra-nos que, de fato, os “verdadeiros partidos” existiam, em 1850, somente nos Estados Unidos, sendo que, em 1950, cem anos depois, quase todas nações “civi¬li¬za¬das” (expressão do autor) já tinham seus partidos políticos.
De fato, os primeiros partidos políticos organizaram-se a partir de 1828, nos Estados Unidos. Os partidos britânicos nasceram com as reformas eleitorais de 1832 e 1867. Na França, os partidos políticos aparecem após 1848.
Maurice Duverger,12 analisando as origens dos partidos políticos na França, coloca, na pré-história partidária, o exemplo dos jacobinos:
“Il semble caracteriser, em effet, toute une phase de prehis¬toire partisane. De même, dans la Constituite Française de 1848, on trouvait le groupe du palais national et celui de I’institut (Republicains Moderes), celui de la Rue da Castiglione et celui de la Rue des Pyrameides (gauche).”13
Em todos estes países os partidos surgem em um quadro político bem diferenciado, como se pode notar do exemplo anterior, dentro de uma cultura política nacional bem assentada. De outra forma, no Terceiro Mundo, os partidos aparecem ao mesmo tempo que o Estado. Embora em alguns regimes coloniais existissem assembléias representativas e mesmo um sufrágio limitado, os movimentos nacionalistas recusavam-se a agir pela via parlamentar, o que explica a ausência dos partidos populares no parlamento, pois estavam na clandestinidade.
O estudioso do tema dos partidos políticos Jean Charlot, observava o que é valido, até a década de 80 do século XX, que duas eram as diferenças básicas entre os partidos do Terceiro Mundo e os partidos dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha ou da França. A primeira é a ausência de herança política. Numerosos países do Terceiro Mundo têm o sistema de partido único, que chegam ao poder após uma guerra nacionalista e têm de construir do nada, contando apenas com ele mesmo, enquanto os países europeus com o sistema de partido único tinham a escolha entre a convivência pacífica com aqueles que dirigiam o parlamento ou a guerra civil.
A segunda diferença será a da presença forte das personalidades carismáticas nos países do Terceiro Mundo. Esta presença de chefe carismático serve como meio transitório e eficaz de resolver esta crise de identidade nacional.
Entretanto, o francês Roger Gerard Schwartzenberg, no seu livro O Estado Espetáculo, prova que nem somente no Terceiro Mundo ocorrem essas distorções de valorização do líder carismático em detrimento da proposta partidária, o que nem mesmo é o caso do movimentos nacionalistas de libertação da África e América Central. No caminho oposto, que indicaria a conscientização da proposta partidária e o fortalecimento do partido na sua essência, como um todo unificado em torno de um programa, a imagem do líder é cada vez mais trabalhada no mundo todo. O Estado transforma-se em um espetáculo, no qual aquele que preenche as expectativas pessoais do eleitor, por meio de imagens fabricadas, é eleito.
A imagem heróica foi fabricada com De Gaulle, Mao Tse Tung e Stalin; a imagem do homem comum está presente em Pompidou, Ford e Carter; o charme ganha eleições com Kennedy, Trudeau, Giscard D’Estaing; como também a imagem do país, com Raymond Barre ou Aldo Moro. É muito importante a ocorrência disso nos Estados Unidos, onde a imagem vence as eleições presidenciais. O bipartidarismo norte-americano merece um estudo. As últimas eleições demonstraram que as divergências ultrapassam os limites dos debates existentes dentro dos partidos normalmente, para caracterizar uma duplicidade de correntes que extrapolam os limites de um partido.
Atualmente, podemos dizer que a América Latina caminha lentamente para um modelo pluripartidário com partidos ideológicos do modelo europeu convivendo, entretanto, ainda, com a influência negativa do modelo bipartidário de fato dos EUA, onde as eleições são definidas pela força do poder econômico dos grupos de pressão econômica, que têm escritórios especializados para defender seus interesses no parlamento e financiam as campanhas eleitorais por intermédio de empresas de marketing eleitoral cada vez mais sofisticadas.
O fenômeno da ausência de opção de projetos políticos alternativos aos interesses econômicos poderosos é mostrado pela grave crise da Argentina, onde, no início de 2002, a crise de um modelo econômico neoliberal levou o país ao caos político e social. O presidente eleito, Fernando De la Rua, antes da renúncia chamou o economista Cavallo para seu superministro, resgatando uma política que o povo rejeitou nas urnas, pois Cavallo foi candidato e perdeu. Com a renúncia aparece como alternativa (?) o mesmo partido (Justicialista), responsável pelos dez anos de governo Menen, neoliberal, que jogou a Argentina na crise. A ausência de outros partidos políticos fortes na Argentina, com opções ideológicas diferenciadas é fator de agravamento de uma crise social, política e econômica ainda longe do fim.
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