domingo, 22 de agosto de 2010

28- Quem diz o que é crime? - Coluna do professor José Luiz Quadros de Magalhães

Segue aí outro texto com meu amigo Frei Gilvander.


QUEM DIZ O QUE É CRIME?

Frei Gilvander Luis Moreira
José Luiz Quadros de Magalhães


Muitas vezes temos a falsa impressão de que as coisas sempre foram assim, e ainda pior, de que as coisas continuarão a ser da mesma forma. Esta visão bastante errada do mundo, pois ignora toda a dinâmica da mudança histórica, é levada para diversos campos da compreensão humana. Ora, somos seres históricos, assim como este universo em que vivemos, e uma das poucas certezas que podemos ter é de que as coisas mudam todo o tempo. Logo, as coisas nunca foram como são hoje, assim como não serão assim por muito tempo. Tudo muda permanentemente, todo ser vivo, incluindo este imenso universo desconhecido.
Esta visão equivocada e passiva da vida é levada por muitos para o Direito, para as leis. Assim muitos são levados a acreditar que as leis sempre foram assim, e o que está na lei está correto. A lei, é uma criação humana e logo pode ser injusta, pode conter o que não é direito, pode ir contra a vontade e os interesses da grande maioria das pessoas. Esta idéia de uma lei que pode ser injusta e logo não pode ser cumprida, já foi defendida por filósofos como Santo Agostinho ou Santo Tomáz de Aquino. Naquela época diziam estes pensadores que o que a lei dos homens contraria a lei de Deus era uma lei injusta e logo não podia ser cumprida. Não defendemos aqui o direito natural, pois este direito pode virar elitista no momento em que poucas pessoas acham que apenas elas podem dizer o que é a vontade de Deus ou o que é racionalmente correto. Assim a tendência deste direito natural é virar elitista, representando a vontade de um pequeno grupo no poder que vai dizer o que deve ser Direito e o que não é Direito, pois será este pequeno grupo, o único autorizado a dizer a vontade de Deus ou expressar a razão humana.
Se estudarmos a história das diversas civilizações perceberemos que o Direito, a lei, na esmagadora maioria dos casos, em quase todos os tempos, representou a vontade de uma minoria que detinha, e em muitos casos ainda detém, o poder, especialmente o poder econômico e militar. Assim o Direito burguês foi feito para proteger a propriedade de poucos, os mesmos que faziam as leis.
Em um Estado verdadeiramente democrático, todo o povo deve participar na elaboração das leis, e todo o povo deve dizer o que é direito, o que é justo. Isto nem sempre ocorre nas democracias de hoje, uma vez que em muitos casos, o financiamento das campanhas é feito por aqueles que detêm o poder do dinheiro, e colocam pessoas ou influenciam pessoas a defenderem os seus interesses, que eles transformam em direitos.
Estas distorções graves no sistema democrático representativo fazem com poucas pessoas continuem dizendo para todos nós o que é Direito. Estas mesmas pessoas, para manterem seus privilégios vão querer dizer para nós o que é certo e errado. Foi assim no século XIX quando os trabalhadores que faziam greve eram presos, muitos assassinados; foi assim no século XIX quando um trabalhador que quebrasse uma maquina era enforcado na Inglaterra; foi assim com a criminalização do movimento sindical no século XIX quando os trabalhadores que lutavam contra uma brutal exploração de seu trabalho eram presos, demitidos, perseguidos e até mortos; continua sendo assim quando milhares de trabalhadores rurais sem terra são presos, perseguidos e até mortos.
A criminalização dos movimentos sociais, a prisão sistemática de trabalhadores que lutam por direitos previstos na Constituição, é uma reedição do século XIX e aquilo que o século XX teve de pior. Direito é aquilo que construímos coletivamente, Direito é aquilo que corresponde a vontade de todos, Direito é processo permanente de construção de uma sociedade que inclua a todos, que não deixe uma só pessoa de fora, que não permita que uma só pessoa não tenha a possibilidade de viver uma vida com dignidade, única forma de ser efetivamente livre.

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