domingo, 29 de agosto de 2010

Teoria do Estado 20

OS SISTEMAS DE GOVERNO
Jose Luiz Quadros de Magalhaes

Dos quatro sistemas de governo estudados pela doutrina (o presidencialismo, o parlamentarismo, o semipresidencialismo e o diretorial), a Constituição brasileira de 1988 optou pelo presidencialismo. O sistema presidencial tem como característica essencial a clara separação de poderes, procurando-se estabelecer um equilíbrio perfeito entre os Poderes Executivos, Legislativo e Judiciário. Entretanto, na sua história, o presidencialismo tem apresentado graves distorções, demonstrando clara tendência à supremacia do Executivo sobre os demais poderes, tendo sido preferido por vários governos autoritários que se têm sucedido na América Latina.


1 O SISTEMA PRESIDENCIAL

O sistema presidencial surgiu nos Estados Unidos, após a revolução que se iniciou em 1776, resultou na independência da Inglaterra e culminou com a Constituição de 1787, que criou um Estado federal e o presidencialismo, sistema de governo que, visto sob certa perspectiva, pode sugerir uma monarquia eletiva por tempo certo ou não vitalícia.
Por ser o poder Executivo centrado na figura do Presidente da República, o presidencialismo é, na maioria das vezes, um sistema personalista, em que o Poder Executivo normalmente se sobrepõe aos demais poderes, incentivando práticas autoritárias típicas do modelos personalistas.
Nos Estados Unidos, embora em momentos diferentes de sua história tenhamos assistido à supremacia do Poder Judiciário e do Poder Legislativo, mesmo nestes momentos o Presidente da República tem representado a imagem do Estado diante dos seus cidadãos e a do país nas suas relações internacionais. Neste ponto, a proximidade com a monarquia é muito grande, pois, mais do que um projeto, o presidente representa um poder fundado sobre atributos pessoais.
Desta forma, o presidencialismo pode se prestar ao exercício autoritário do Poder, apresentando graves distorções na maior parte dos Estados em que esse sistema foi adotado.
São características do sistema presidencial:

a) acúmulo de funções da figura do Presidente da República, que é simultaneamente chefe de Estado (função simbólica); chefe de governo (função de poder político) e chefe da administração pública (função técnico-política);
b) separação de poderes ou de funções do Estado e busca do equilíbrio entre os três poderes por meio de um sistema de freios e contrapesos;
c) mandatos fixos do chefe do Executivo e dos membros do Legislativo, não existe a figura de queda do governo (a possibilidade de afastar o chefe de governo, e não o governo, é o de crime comum ou de responsabilidade) assim como não a previsão de dissolução antecipada do parlamento).

No Brasil, a primeira Constituição do Império, em 1824, adotou o parlamentarismo numa forma de Estado unitário e sob uma monarquia constitucional, que guardou poderes efetivos ao Imperador enquanto poder moderador.
A Constituição de 1891 foi a primeira republicana, sofrendo forte influência da Constituição norte-americana, no momento em que adotou o sistema presidencialista e a forma de Estado federal.
Nesse período, manteve-se ainda por algum tempo o voto censitário, quando podiam participar do processo de eleição dos representantes apenas aqueles que tinham poder econômico. Poste¬riormente, as sucessivas fraudes nas eleições e a influência do poder econômico de Minas e São Paulo caracterizou esse período como fase da política do café-com-leite. O presidencialismo, marcadamente autoritário, assentado no poder municipal privado, que dominava e utilizava, segundo interesses pessoais, a máquina estável, está previsto em uma Constituição escrita liberal inserida em uma realidade histórica de privatização das instituições do Estado.1
A Constituição de 1934 mantém o federalismo e o presidencialismo, introduzindo no Brasil o Estado social ao prever, pela primeira vez em um texto constitucional brasileiro, direitos sociais e econômicos como direitos fundamentais.
Essa Constituição, entretanto, não chegou a ser aplicada, uma vez que, após a chamada “intentona comunista” de 1935, o governo Getúlio Vargas, utilizando esse pretexto, recrudesceu suas medidas autoritárias, que passam a ter suporte constitucional no texto de 1937.
A Constituição brasileira de 1937 cria um Estado unitário com poderes centralizados na figura de um Presidente da República forte. Este texto outorgado estabeleceu a pena de morte para cinco casos, dos quais quatro referiam-se à influência comunista. Desta forma, dentre outras condutas puníveis com a pena de morte, a Constituição referia-se à tentativa de estabelecer a ditadura de uma só classe (a classe proletária, pois a ditadura existente representava outros interesses econômicos) e submeter o Brasil a uma potência estrangeira (inequivocadamente, a União Soviética).
De caráter nacionalista, com forte influência da ideologia fascista Européia, o regime de Vargas presidente terá fim juntamente com a Segunda Guerra Mundial, período de renascimento das Constituições sociais.2
A Constituição brasileira de 1946 será um exemplo de Constituição social-liberal. Restaurando-se a federação e a democracia representativa, mantém-se o sistema presidencial. A democracia representativa então vigente será ainda de caráter restritivo, mas talvez um dos períodos de maior democracia em nossa história. Uma cláusula constitucional que proibia partidos políticos que defendessem ideologias não democráticas foi utilizada para recolocar na ilegalidade o então legalizado Partido Comunista.
Será de apenas dezoito anos o período dessa democracia representativa. Com a renúncia de Jânio Quadros, João Goulart assumiu a Presidência. Setores militares e econômicos não queriam permitir a posse do novo Presidente, que representava uma proposta reformista que iria afetar interesses das elites econômicas nacionais e estrangeiras. Adotou-se, então, o sistema parlamentar não como uma opção democrática, mas como forma casuísta de evitar o projeto reformista e democrático do Presidente Goulart, reduzindo os seus poderes. A experiência parlamentar durou pouco e, em plebiscito, o povo escolheu o presidencialismo.
O golpe militar de 1964 iria pôr fim às tentativas de reforma. Adotou-se um sistema autoritário presidencial, em que presidentes generais sucediam-se no poder.3
As Constituições de 1967 e 1969 foram expressões desse período, no qual os chefes dos Executivos eram escolhidos de forma não democrática, com uma clara supremacia do poder presidencial militar sustentado por interesses econômicos nacionais e estrangeiros, um Poder Legislativo intimidado, vários parlamentares cassados, senadores indicados e um Poder Judiciário limitado nas suas funções jurisdicionais tão necessárias às práticas democráticas.
Não só no Brasil, mas em quase toda a América e em quase todos os países que adotaram o sistema presidencial, o autoritarismo, o personalismo e a supremacia do Poder Executivo sobre os demais foram traços marcantes desse sistema.4
Após o período de redemocratização, especialmente após a Constituição democrática de 1988, o sistema presidencial no Brasil continuou apresentando graves distorções autoritárias.
Medidas excepcionais foram utilizadas de forma costumeira por presidentes eleitos pelo voto direto, na vigência de uma Constituição democrática, com o consentimento expresso ou tácito dos Poderes Legislativos e Judiciários.
Foram os casos da utilização indiscriminada de medidas provisórias nos governos Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso. A medida provisória é medida excepcional que se insere em um sistema constitucional democrático. Criada como substituta do decreto-lei, deveria dele guardar grande distância, uma vez que, ao contrário deste, será rejeitada por decurso de prazo se, após trinta dias, não tiver sido aprovada pelo Legislativo, perdendo a eficácia desde sua edição.
A Constituição Federal estabelece que a medida provisória só será editada em caso de urgência, o que significa que apenas em caráter excepcional ou de relevante interesse público, que não possa permitir aguardar os prazos de urgência do processo legislativo constitucional, poder-se-á admitir sua edição, legislando o Executivo com absoluta precariedade e excepcionalidade, pois não é esta a sua função.
Tais atributos fazem com que a medida provisória seja admitida como capacidade legislativa extraordinária do Presidente da República em uma democracia, não quebrando o equilíbrio entre os três Poderes.
Entretanto, na prática, a nossa Constituição real é muito diferente da Constituição escrita. Se tomarmos como exemplo os sete anos do governo Fernando Henrique Cardoso, encontraremos, com perplexidade, uma edição recorde de medidas provisórias, com a passiva aceitação do Poder Legislativo, que assiste e concede sua inferiorização diante do Executivo, com o agravante da sustentação do Poder Judiciário, que admitiu inclusive reedições de medidas provisórias, o que faz desaparecer sua provisoriedade, com a possibilidade de, a cada reedição, presenciarmos as modificações de parágrafos, incisos e alíneas de seu texto original, trazendo total insegurança às relações jurídicas.
Embora o sistema parlamentar tenha também suas facetas personalistas e autoritárias, o presidencialismo ressalta essas características. Se levantarmos as situações vividas pelos países latino-americanos hoje, encontraremos sistemas presidenciais personalistas, com clara supremacia do Executivo sobre os demais Poderes, em um regime de democracia representativa na Constituição escrita e numa total ausência de democracia social, econômica e política na Constituição real, embora os direitos individuais de forma relativa sejam garantidas para alguns grupos de cidadãos.
É claro que na história dos países que adotaram esse sistema de governo sua promessa de equilíbrio de poderes e estabilidade não se cumpriu, sendo que a estabilidade conquistada pelos Estados Unidos deve-se muito mais ao seu sucesso econômico e à sua supremacia econômica mundial, somada à conquista gradual dos direitos civis a partir da década de 60 e uma sociedade civil organizada, do que ao sistema presidencial, que, nos EUA, é extremamente controlado e inacessível á maioria da população, uma vez que as campanhas caríssimas para os chefes dos Executivos da Federação são polarizadas por dois partidos políticos de ideologias semelhantes, sendo o processo de escolha feito por intermédio de colégio eleitoral, o que pode representar, em situações específicas, que o resultado das urnas possa ser contrariado pelo resultado do Colégio Eleitoral.
Presidentes constitucionais ou não, autoritarismos reais ou constitucionais, os fatos históricos comprovam a inadequação do sistema presidencial que, apesar de visar a um objetivo, ao personalizar o Poder Executivo e lhe conferir grande estabilidade, incentiva desvios autoritários. Seja gerando autoritarismos ou seja opção de culturas autoritárias, o presidencialismo não é adequado à construção de uma democracia efetiva.
Passemos à análise das características do sistema presidencial e depois uma análise do sistema de filtros do sistema presidencial norte americano.

1.1 Características do sistema presidencialista

Podemos destacar, primeiramente, o acúmulo de funções na figura do Presidente da República, que é, simultaneamente, chefe de Estado (função simbólica), chefe de governo (função política) e chefe da administração pública (função técnica): esta característica leva à indesejável personificação do poder.
Os Estados democráticos europeus caminham para uma separação dessas três funções, deixando a função simbólica para o rei ou o presidente, que, por esse motivo, não governa; a função de governo passa para o primeiro-ministro e seu gabinete e a administração pública desvinculada do governo, sendo autônoma de carreira, con¬cur-sada e estável, apta a desempenhar suas funções sem a intervenção inadequada do governo ao nomear para os cargos de confiança sempre com critérios políticos e não técnicos. Os cargos de confiança devem ser reduzidos ao mínimo daqueles assessores diretos no governo.
Em segundo lugar, observamos a existência de mandatos fixos dos parlamentares e do presidente: esta característica, que permite a estabilidade do governo, cria a instabilidade do regime democrático, pois inviabiliza a possibilidade de afastar um mau governo, como ocorre no parlamentarismo, com a queda do governo ante a perda da maioria parlamentar pelo voto de desconfiança.
Há, ainda, o impeachment, ou processo de crime de responsabilidade, que permite afastar o presidente, o qual será julgado pelo Senado. Entretanto, o processo previsto é extremamente difícil de ocorrer, uma vez que exige sempre quorum altamente qualificado. No caso brasileiro, o processo de crime de responsabilidade do presidente requer um juízo de admissibilidade, a Câmara de Deputados, que receberá a denúncia contra o presidente por dois terços dos seus membros. Só então o presidente será julgado pelo Senado (nesta ocasião presidido pelo presidente do STF), que poderá condenar o presidente por maioria de dois terços dos seus membros.

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