3.4 Bicameralismo e unicameralismo
José Luiz Quadros de Magalhães
A adoção de uma organização do parlamento, em uma ou duas Casas legislativas, ultrapassa a discussão da forma federal de Estado, podendo ter aspectos políticos relevantes para a estabilidade e a conservação do ordenamento jurídico.21
No Brasil, a Constituição de 1988 mantém o bicameralismo, estabelecendo uma Câmara de Deputados como representação dos Estados membros. O Senado cumpre também a função de Casa Legislativa revisora e moderadora, com o objetivo de barrar prováveis mudanças bruscas que venham ocorrer, através de uma alteração radical na composição da Câmara do Deputados, que tem renovação de todos os seus membros de quatro em quatro anos.
A Câmara dos Deputados, pelo fato de representar os cidadãos e uma vez que se adotou o sistema de circunscrições por Estados membros, deve ter número variável de deputados por Estado membro, correspondente à proporção do número de seus eleitores.
Entretanto, o número mínimo de 8 e máximo de 70 deputados por Estado não permite que haja a proporcionalidade exigida por princípio da própria Constituição, tendo em vista a enorme dis¬pa¬ri¬da¬de existente entre os Estados mais e menos populosos.
O Senado Federal, por representar a Federação, estabelece pesos iguais de representação entre os Estados, sendo que cada um terá três representantes, incluindo-se, a partir de 1988, a representação do Distrito Federal.
O aspecto conservador do Senado Federal será muito mais marcante do que a sua natureza de Casa Legislativa, que tem a responsabilidade de manter o equilíbrio federal.
Esse posicionamento manifesta-se, claramente, em três momentos: o mandato de seus membros, a forma de renovação dos mesmos e a sua competência legislativa.
O mandato dos Senadores é de 8 anos, o dobro do mandato dos deputados federais, não existindo, ainda, a possibilidade de renovação de todos os seus membros de uma só vez, pois a eleição ocorre a cada quatro anos, renovando-se um terço e dois terços dos seus membros, alternadamente.
O estabelecimento desse mecanismo implica a existência de Casa Legislativa, que poderá representar, em determinado momento político, barreira às transformações mais radicais, oriundas de uma Câmara dos Deputados totalmente renovada.
O caráter limitador do processo legislativo pelo Senado agrava-se pela elaboração normativa estabelecida na Constituição, pela qual todas as matérias devem ser votadas, normalmente, nas duas Casas Legislativas separadamente e, em alguns casos, como na apreciação de veto presidencial, pelo Congresso Nacional, em sessão unicameral.
A adoção desse processo implica que as matérias oriundas da Câmara dos Deputados sejam discutidas e votadas no Senado, sendo que, se não aprovadas, serão arquivadas, podendo ainda sofrer emendas que desvirtuarão o seu conteúdo inicial.
Essas constatações no texto constitucional levam-nos a concluir que o unicameralismo oferece uma dinâmica muito mais adequada a um país em transformação. Entretanto, a adoção do unicameralismo poderá significar, em uma Federação, especialmente no Estado federal brasileiro, com disparidades populacionais, sociais e econômicas tão graves, prejuízos sérios aos Estados menos populosos e em geral mais pobres.
A superação do problema pode ocorrer de maneira simples, participando da modificação dos três fatores anteriormente enumerados como responsáveis pelo caráter conservador do Senado.
A redução do mandato para quatro anos e a renovação de todos os seus membros, simultaneamente, com a Câmara dos Deputados, pode eliminar esse caráter conservador, mantendo-se o equilíbrio federal no parlamento.
Outro avanço pode ser alcançado corrigindo-se o processo legislativo e estabelecendo-se competências diversas para as duas Casas Legislativas. Determinando-se, para o Senado, competências legislativas específicas, que envolvam diretamente interesses dos entes federados, como a matéria tributária, por exemplo, pode-se eliminar bastante o seu caráter conservador, mesmo mantendo-se a atual fórmula de renovação dos membros do Senado e a duração dos mandatos.
Toda essa discussão deve ser aprofundada, para permitir a construção de um modelo ágil de estrutura estatal, que esteja pronto para responder, com rapidez, aos comandos da população.
Resta uma discussão: temos defendido, em vários trabalhos, o poder municipal, estudando as opções existentes para a desejável descentralização de poder, o que pode ocorrer por intermédio de uma Federação de municípios, uma miniaturização dos Estados membros, ou a simples modificação da repartição de competências e os mecanismos atualmente existentes, ainda muito centralizados.
Entendendo que a modificação da repartição de competências é o instrumento viável, em um primeiro momento, diante de nossa realidade política, social e econômica, eliminamos o problema da representação dos vários entes federados, que seriam criados se forem adotadas as duas primeiras fórmulas.
Entretanto, a superação de problemas criados com as duas primeiras opções, com a representação dos nossos entes federados em um Senado, pode ser superado com fórmulas de representação regional e de municípios e o estabelecimento de salvaguardas constitucionais dos entes federados.
Embora a Constituição Federal tenha criado nova federação, expressamente integrada pelos municípios, não houve preocupação com o estabelecimento de uma representação municipal no Senado, visto que os interesses dos municípios podem ser mais facilmente equacionados no âmbito dos Estados membros. A não-representação dos municípios no Senado Federal não pode ser justificada pela não-aceitação destes como entes federados, primeiro por ser determinação expressa da Constituição; em segundo lugar, por estarem estes amplamente resguardados nos seus interesses perante a União, por intermédio dos senadores representantes dos Estados que os municípios integram. Existem mecanismos de organização municipal, no âmbito dos Estados, desde que suas competências e recursos estejam constitucionalmente assegurados, o que ocorre no atual texto, mesmo que de forma tímida e ainda excessivamente centralizada.
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