segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

1304- Comunidade Dandara, estrela de Belém - Coluna do Frei Gilvander


Comunidade Dandara, estrela de Belém?

Gilvander Luís Moreira[1]

Dia 19 de fevereiro de 2013, a Comunidade Dandara, no bairro Céu Azul, região da Nova Pampulha, em Belo Horizonte, MG, obteve uma vitória imprescindível no Tribunal de Justiça de Minas (TJMG). Eu concedi uma Entrevista ao site www.ihu.unisinos.br sobre a luta da Comunidade Dandara, com o título Comunidade Dandara, exemplo de luta por dignidade. Segue, abaixo, o teor da Entrevista transformada em artigo, em 15 pontos: 1. Contexto que suscitou a luta; 2. Cotidiano e desafios de Dandara; 3. Construções em Dandara; 4. Políticas públicas?; 5. Avanços; 6. A Igreja Católica na Dandara. E as outras igrejas?; 7. Base teológica e bíblica para ocupação de terras; 8. A função social da propriedade; 9. Papel das Brigadas Populares e do MST; 10. Decisão do TJMG e Dandara; 11. Próximas lutas; 12. Dandara internamente; 13. Dandara e o Pinheirinho; 14. Dandara, a companheira de Zumbi; e 15. E agora, Dandara?

1.     Contexto que suscitou a luta.
Minas Gerais continua sendo um estado conservador em termos de transformações sociais. Por exemplo, no Rio Grande do Norte já existem 297 assentamentos de reforma agrária. Em Minas, apenas 300. Deveria ter, pelo tamanho do estado, no mínimo, 1.500 assentamentos. Cerca de 1/3 do território de Minas, estima-se, são de terras devolutas que estão griladas nas mãos de grandes empresas eucaliptadoras. Assim, o êxodo rural tem sido intensificado ultimamente. O déficit habitacional em Belo Horizonte está em torno de 200 mil moradias. Em Minas Gerais, quase um milhão de moradias. O prefeito de Belo Horizonte (BH), Márcio Lacerda (PSB+PSDB+DEM), no seu 1º mandato, não fez nenhuma casa para famílias de zero a três salários mínimos pelo Programa Minha Casa Minha Vida. Além disso, BH é a única capital que não entregou ainda nenhuma casa por esse Programa. Apenas no 1º dia de cadastro para o Programa Minha Casa Minha Vida, há 4 anos atrás, 198 mil famílias se inscreveram. No ritmo que a prefeitura está construindo casas populares, serão necessários 200 anos para zerar o déficil habitacional, caso ele não aumente. Uma injustiça que clama aos céus! Os pobres não podem viver no ar. Ainda existe lei da gravidade. Diante dessa injustiça estrutural, de um Estado violentador dos direitos humanos, dois fatores, dentre outros, tem levado os empobrecidos à luta: a necessidade e o compromisso de centenas de jovens e adultos  com a causa dos pobres. Por isso, na madrugada de 09 de abril de 2009, uma quinta-feira da Semana Santa, cerca de 140 famílias sem-terra e sem-casa, organizadas pelas Brigadas Populares e pelo MST, ocuparam, no bairro Céu Azul, região da Nova Pampulha, em BH, um terreno abandonado há décadas, 315 mil metros quadrados (31,5 hectares), um latifúndio urbano que não cumpria sua função social. O 1º dia foi uma batalha árdua e inesquecível, mas o povo resistiu diante de centenas de policiais com armas nas mãos, com helicóptero, cães, balas de borracha etc. Ao anoitecer, quando a polícia já tinha encurralado o povo em um dos cantos do terreno, na iminência de fazer o despejo pela força militar, muitos jovens da Vila Bispo de Maura, comunidade de periferia existente ao lado, veio em socorro às famílias da ocupação Dandara e começaram a jogar pedras nos policiais. Assim os policiais viraram as armas para os jovens da vila. A TV Record apareceu, filmou o conflito social e exibiu no Jornal da TV Record. Na madrugada seguinte, começaram a chegar novas famílias que estavam crucificadas pelo aluguel - veneno que come no prato dos pobres - ou humilhadas pela sobrevivência de favor em casa de parentes, implorando para serem aceitas na ocupação. Foi organizada uma fila para o cadastramento. No 5º dia de ocupação Dandara já havia 1.200 famílias, o que levou a coordenação a iniciar o cadastro de uma fila de espera.

2.     Cotidiano e desafios de Dandara.
Dandara nasceu como ocupação, mas, hoje, Dandara já é uma comunidade, um assentamento rururbano, motivo da união do MST com as Brigadas Populares. Essa proposta foi contemplada no Plano urbanístico elaborado, em diálogo com o povo de Dandara, por arquitetos da UFMG e da PUC/MG. Na Dandara há a Av. Dandara com 35 metros de largura, artéria aorta da comunidade. Lotes de 128 metros quadrados e ruas com 10 metros de largura, tais como, Rua Zilda Arns, Rua Milton Santos, Rua dos Palestinos, Rua Pedro Pedreiro e Maria diarista, Rua Chico Mendes, Av. 9 de abril, Rua das flores etc além da Av. Zumbi dos Palmares. O cotidiano de Dandara é de muita luta. Mais de 2 mil pessoas de Dandara trabalham como diaristas, faxineira, ajudante de pedreiro, pedreiro, mecânico, motorista, vigia, na limpeza urbana, copeiras, cozinheiras, motoboy, camelôs, na economia informal etc. Nos dias das cinco marchas já feitas, a pé, de Dandara até ao centro de BH,  cerca de 28 Kms, muitas famílias e empresas tomaram consciência como e onde mora a sua força de trabalho. Além da luta fora de Dandara, há a luta interna pela constante organização da comunidade.  Já está sendo discutido e planejado a criação um banco comunitário de Dandara, com moeda própria, feira de Dandara, enfim, economia popular solidária. Mensalmente são realizadas Assembleias Gerais e semanalmente acontecem reuniões de grupos. Além disso, semanalmente é feito com a colaboração da Rede de Apoio e distribuído o Jornal de Dandara, que traz os principais informes e notícias importantes da/para a comunidade.

3.     Construções em Dandara.
Já são quase mil casas de alvenaria construídas (ou em construção), duas hortas comunitárias e mais de 250 hortas em quintais, dois centros comunitários, uma Igreja Ecumênica. Há também Zumbis’Bar, Padaria Dandara, Mercearia Dandara e outros pequenos comércios. Há espaço para praças e campo de futebol já em projeto. Além de casas, Dandara está construindo muitas lideranças de luta. Na Dandara, hoje, vivem cerca de 1.100 famílias, sendo que em algumas casas há duas famílias. Há ainda alguns barracos de madeira. São famílias que não conseguiram ainda construir suas casas de alvenaria.

4.     Políticas públicas?
Muitas famílias de Dandara estão no programa Bolsa Família. As crianças e adolescentes estão estudando nas escolas públicas da região. No início, os postos de saúde e as escolas públicas da região se recusavam a receber os moradores de Dandara, alegando que eles não tinham endereço. Foi preciso muita luta e pressão para conquistar acesso ao SUS e às escolas públicas. O prefeito de BH, em uma postura intransigente, não aceita dialogar com a Comunidade Dandara. Refere-se ao povo de Dandara como invasores, aproveitadores e forasteiros, que, segundo ele, não merecem apoio da prefeitura, pois “são fura fila” – fila que é uma cortina de fumaça. Assim, Dandara não foi ainda reconhecida pela prefeitura de BH. Falta asfaltar as ruas, fazer saneamento. A COPASA (Companhia de água e esgoto de MG) e a CEMIG (Companhia Energética de MG) se escondem atrás de um TAC (Termo de Ajuste de conduta), firmado entre Ministério Público de Minas, prefeitura, COPASA e CEMIG. O tal TAC, inconstitucional e contrário à Lei Orgânica de BH, diz que CEMIG e COPASA estão proibidas de colocar água e energia em assentamentos irregulares. As migalhas de água e energia que chegam a Dandara são através de gato, ligações informais. Assim, falta água várias vezes durante o dia, cai a energia com muita frequência, o que provoca estragos em muitos aparelhos eletrodomésticos. Do governo estadual, o braço repressor – a polícia – está sempre presente na Dandara. Reprimiu muito no início. Durante 1,5 ano agiu de forma ilegal tentando impedir a entrada de materiais de construção, mas o povo sabiamente foi driblando a polícia, e, como formiguinha, foi construindo suas casas. Hoje, a polícia age em casos pontuais, como por exemplo, na manutenção da preservação da área ambiental de Dandara, cerca de 30% do território. Importante dizer que na Comunidade Dandara, nos últimos 12 meses, não houve nenhum assassinato. O SAMU, quando chamado, demora muito para chegar, o que já levou à morte de uma mulher que esperou pelo SAMU várias horas. Um trabalhador de Dandara, enquanto fazia ligação de energia por conta própria para a comunidade, foi eletrocutado e caiu do poste morto. O corpo ficou oito horas na rua esperando o rabecão do IML. A Defensoria Pública de Minas é uma grande parceira de Dandara. Defende com muita competência a causa de Dandara, atuando solidariamente com os advogados de Dandara que, aliás, defendem Dandara gratuitamente. O mercado, interessado no poder econômico de Dandara, já reconhece a existência da comunidade. Um grande número de empresas comerciais entrega mercadorias a domicílio na Dandara, mas os Correios, empresa pública que cuida de um serviço essencial, não entregam as correspondências na comunidade. Alega que o “bairro Dandara” deve ser primeiro reconhecido pelo poder público.

5.     Avanços.
As famílias de Dandara, após sobreviver quatro meses debaixo da lona preta, hoje, na quase totalidade já vivem em casas de alvenaria. A construção da Igreja Ecumênica de Dandara está em fase de acabamento. O projeto urbanístico de Dandara foi um dos quatro selecionados de Minas Gerais para participar da 9ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo em 2011. Está sendo respeitado.

6.     A Igreja Católica na Dandara. E as outras igrejas?
A Igreja Católica tem participado da luta de Dandara. O arcebispo dom Walmor visitou a comunidade uma vez. Os bispos dom Aloísio e dom Joaquim Mol visitaram Dandara e celebraram com a comunidade Dandara várias vezes. Dom Joaquim Mol e eu conversamos pessoalmente com a presidenta Dilma sobre Dandara pedindo o apoio do governo federal. Algumas freiras e vários seminaristas têm acompanhando pastoralmente Dandara. Vários colégios católicos, tais como Colégio Santo Antônio e Colégio Santa Dorotéia, têm ajudado muito e também aprendido muito. Além de pessoas religiosas, Dandara conta com um significativo apoio de jovens universitários, do movimento estudantil, das Brigadas Populares, de militantes de movimentos sociais populares e com pessoas de boa vontade de BH, do Brasil e em mais de 50 países. Dandara é, hoje, conhecida e reconhecida internacionalmente. O (neo)pentecostalismo está muito presente em Dandara também. A luta ocorre de forma ecumênica, respeitando a fé de cada pessoa. Na Igreja de Dandara, que tem o objetivo de ser ecumênica, poucas pessoas não católicas participam. Muitos freqüentam outras igrejas que, às vezes, animam a luta e, outras vezes, fomentam a religião da prosperidade e da satisfação individual. Há ainda igrejas, como a do “apóstolo” Valdomiro, que coloca ônibus aos domingos para levar o povo para “adorar Deus”, dizem. As pessoas têm de estar atentas para o que dizem falsos pastores que usam os pobres, mas não os amam.
Uma conquista em 2012 foi a inclusão da Comunidade Dandara nos quadros da Arquidiocese de Belo Horizonte. Hoje, a Comunidade Dandara pertence, oficialmente, à Arquidiocese de Belo Horizonte como uma das Comunidades da Paróquia Imaculada Conceição, coordenada pelos padres da Congregação Cavanis, que apóiam e animam a luta de Dandara.

7.     Base teológica e bíblica para ocupação de terras.
Dandara caminha na perspectiva da Teologia da Libertação, das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e das Pastorais sociais. A CPT e a Pastoral da Criança têm atuação na comunidade. Há inúmeras passagens bíblicas que legitimam e animam a caminhada do povo empobrecido na luta pelos seus direitos. Nosso Deus é Deus da vida e da liberdade, para todos e não apenas para uma minoria.  Deus quer terra e moradia digna para todos e não só para a classe dominante. Após 500 anos de escravidão sob o império dos faraós no Egito, ao partir para a liberdade, os hebreus empobrecidos chegaram diante do mar Vermelho e se viram encurralados. Na frente, o mar; detrás, o exército do Faraó, querendo trazer o povo de volta para o cativeiro. Moisés, então, mandou o povo dar um passo adiante. O povo deu um passo adiante e o mar se abriu. Assim, na luta, os pobres sempre gritam “mais um passo à frente, nenhum passo atrás. A história é a gente que faz.” Deus disse a Moisés: pegue esta cobra pela cauda. Moisés vacilou. Deus insistiu. Moisés adquiriu coragem e pegou a cobra pela cauda. A cobra se transformou em um bastão, com o qual Moisés bateu no mar e o mar se abriu, bateu na rocha e dela saiu água. É óbvio que isso não aconteceu tal como está na superfície do texto, o que uma leitura fundamentalista sugere. Mas, o povo, de alguma forma, nas brechas da história, experimentou a companhia do Deus solidário e libertador. Assim aconteceu com Moisés, com Mirian, as parteiras, Arão, os profetas e as profetisas e em muitas lutas libertárias do passado. O que era obstáculo se transformou em instrumento de libertação. Ao driblar a polícia, astutamente, e construir mil casas de alvenaria, o mar foi aos poucos se abrindo para o povo de Dandara, como se abriu no tempo de Moisés. Construir as casas em mutirão em um terreno conquistado na força da união é construir sobre a rocha. A casa não cairá se vier uma tempestade. Jesus ensinou e testemunhou que leis só devem ser obedecidas quando forem justas. Não é justo respeitar uma propriedade que não está cumprindo sua função social, enquanto milhares de pessoas estão crucificadas pelo aluguel, melhor dizendo, pelo sistema do capital. O Deus da vida quer de nós desobediência civil e religiosa. Felizes os que lutam por justiça, dizia Jesus de Nazaré. No início da ocupação, na cruz da Igreja de Dandara, um João de Barro construiu sua casa. O povo viu nisso um sinal do Deus da vida que dizia: “sigam o exemplo do João de Barro. Construam suas casas”. O livro do profeta Isaías, ao narrar a utopia de um mundo novo e uma nova terra, diz: “Os trabalhadores construirão casas e nelas habitarão.” (Cf. Isaías 65,17-25). Três dias após duas crianças morrerem carbonizadas na Dandara, o que gerou uma dor imensa para toda a família dandarense, eis que apareceu um arco-íris belíssimo sobre Dandara. Emocionadas, muitas pessoas de Dandara, disseram: “Deus está nos visitando. Seremos vitoriosos.” Com essas e muitas outras inspirações bíblicas, teológicas e marxistas, a luta de Dandara vem sendo escrita no chão duro da história.

8.     A função social da propriedade.
A função social da propriedade rural e a função social da Cidade, asseguradas na Constituição e no Estatuto das Cidades, estão em consonância com as encíclicas sociais da Igreja que, ao defenderem a dignidade humana, exigem as condições históricas necessárias para que tal dignidade seja respeitada: terra e moradia para todos. A função social da terra também denuncia a terra como mercadoria, algo para especulação. Acima de tudo, terra e água são bens comuns, não podem ser privatizados.

9.     Papel das Brigadas Populares e do MST.
As Brigadas Populares[2] e o MST têm papel imprescindível na Comunidade Dandara. Se irmanaram um ano antes e, conjuntamente, gestaram a ocupação Dandara. O MST, após 1,5 ano, não teve pernas para continuar cotidianamente na Dandara, mas continua hipotecando irrestrito apoio. Dia 16 de outubro de 2011, o MST trouxe 400 crianças sem-terrinhas para participar do histórico Abraço da Dandara. No processo judicial é o MST que está como réu. As Brigadas Populares, de mãos dadas com a Rede de Apoio, acompanha Dandara diariamente, suscitando sempre novas lideranças e buscando empoderar as pessoas de Dandara. Muitas lideranças construídas na luta de Dandara, hoje, são militantes das Brigadas e participam de muitas outras lutas em comunidades de periferia, em várias cidades. As Brigadas Populares são, hoje, uma Organização política nacional com grupos organizados em várias capitais e cidades.

10. Decisão do TJMG e Dandara.
A decisão do TJMG, de 19 de fevereiro de 2013, que definiu que o mandado de despejo – reintegração de posse - não seria revigorado, foi recebida pela comunidade com muita alegria, obviamente, e com a certeza de que sem luta não há conquista. No momento em que centenas de pessoas, da 5ª Marcha de Dandara, cantavam diante do TJMG “Nossos direitos vêm, nossos direitos vêm, se não vier nossos direitos, o Brasil perde também...”, chegou a notícia de dentro do Tribunal que a 1ª Câmara Cível do TJMG estava negando o recurso – agravo – da construtora Modelo. O mandado de despejo não seria revitalizado. Foi muita emoção. Todos se abraçaram, uns rindo e outros chorando. Mas, o povo de Dandara está ciente de que mais uma grande batalha foi vencida, mas até a decisão final ainda haverá outras batalhas.

11.                       Próximas lutas.
Fortalecer a organização interna de Dandara, lutar para que COPASA e CEMIG coloquem energia, água e saneamento na comunidade. Insistir para que a Câmara dos Vereadores de BH aprove o projeto de lei (PL 04/2013), reapresentado pelo vereador Adriano Ventura (PT), que declara de interesse social a área ocupada pelas famílias da comunidade Dandara. O governador de Minas, Antônio Anastasia, também pode desapropriar a área onde está Dandara, pois Dandara está na encruzilhada de três municípios: Belo Horizonte, Ribeirão das Neves e Contagem. Por isso tem lutado a comunidade.  Outra batalha é conquistar a desapropriação judicial do terreno, o que será inédito no Brasil, me parece, mas juridicamente possível. Ao lado dessas lutas, os moradores e todos os apoiadores continuam sempre abertos a um processo de negociação com a Construtora Modelo e com o poder público, mas que seja negociação séria e idônea, não a farsa de negociação que o juiz da 20ª Vara Cível e a Construtora tentaram empurrar goela abaixo, em outra ocasião.

12.                       Dandara internamente.
A comunidade Dandara tem contradições e problemas internos também, pois é composta de pessoas que estão dentro de uma sociedade capitalista. Todos os vírus do sistema capitalista – individualismo, acomodação, consumismo, egoísmo – tentam seduzir as pessoas. As famílias que participam de Dandara desde o 1º minuto da luta são mais aguerridas e perseverantes nas várias iniciativas comunitárias e nas lutas. Muitas famílias que chegaram depois, que não experimentaram a dureza da luta no início, tendem a ser mais individualistas. A luta educa. Quem não participa de lutas concretas são mais resistentes às iniciativas que visam construir uma comunidade participativa. Na Dandara, há povo, que é luz, sal e fermento, mas há também massa, pessoas que se deixam levar pela ideologia dominante, a da classe dominante. Mas isto, aos poucos, com a luta do dia-a-dia, vai se transformando.

13.                       Dandara e o Pinheirinho.
A história de luta da Ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos, SP, que dolorosamente foi destroçada pelo TJ/SP, pelo governador de São Paulo, pela polícia com um fortíssimo aparato repressor, pela mídia e pelos omissos/cúmplices, apresenta muitas semelhanças com a luta da comunidade Dandara, mas também há várias diferenças. As semelhanças são: a) famílias pobres que se uniram e ocuparam um grande terreno abandonado, que não cumpria a função social; b) Plano urbanístico com traçado de ruas e delimitação dos lotes de forma a viabilizar um bairro organizado no futuro; c) a mídia, como sempre, salvo raras exceções, criminalizando a luta dos pobres, tanto no Pinheirinho quanto em Dandara; d) PSDB no (dês)governo em São Paulo e em Minas. Mas há várias diferenças também: a) Dandara completará quatro anos em 09 de abril de 2013, com cerca de 1.050 famílias, enquanto o Pinheirinho tinha oito anos de história, com 2.600 famílias; b) O terreno do pinheirinho é três vezes maior que o de Dandara e o pretenso dono, o mega-especulador Naji Nahas é muito mais poderoso que a Construtora Modelo. Deve ter feito um lobby imenso junto ao TJ/SP, ao Governo Geraldo Alckmin e etc; c) Pinheirinho foi coordenado pelo MTST, ligado ao PSTU e a CONLUTAS, entidades que têm uma forma radical e, às vezes extremista, de levar a luta para frente. Por exemplo, a foto de capa na FSP com o povo todo encapuzado com bombinhas na mão e capacete na cabeça dizendo-se “armados” para enfrentar o aparato repressor da PM era o que o Governador Alckmin precisava para “tentar justificar” o despejo, pois muitos capitalistas alegavam “se deixar isso aí, acabará o estado democrático de direito?”. Mentira, pois não temos, de fato, estado democrático de direito, mas Estado autoritário de injustiça; d) Desconfio que no Pinheirinho não houve um trabalho mais acentuado no sentido de tornar a Comunidade do Pinheirinho mais conhecida e reconhecida nacional e internacional. Na Dandara, desde o início, priorizamos divulgar a luta de Dandara em BH, no Brasil e mundialmente. Uma Campanha de apoio internacional, via internet, com fotografias de pessoas, em dezenas de países, dizendo “Mexeu com Dandara Mexeu comigo” contribuiu muito para Dandara angariar apoio e respeito. Enfim, Dandara não está salva ainda não. Não sabemos ainda o que acontecerá nos próximos anos. Sabemos que fazer pela primeira vez um crime hediondo como o que o TJ/SP, o governador Geraldo Alckmin (PSDB), a polícia e a mídia fizeram com o Pinheirinho é menos difícil. Repeti-lo é mais difícil e será um crime duplamente hediondo. O governo federal foi cúmplice do massacre do Pinheirinho. Fizeram com o Pinheirinho uma tremenda sexta-feira da paixão, mas um domingo de ressurreição está sendo gestado em muitos outros pinheirinhos pelo Brasil afora e também em São José dos Campos, que não pode continuar sendo Campos de Sangue. Importante recordar que a construtora Modelo não pagou nem um centavo pelo terreno de Dandara. Estava devendo mais de 2,2 milhões de reais em IPTU. Parte dessa dívida já prescreveu, sem a prefeitura executar a dívida, o que demonstra o conluio do poder público com construtoras. A propriedade estava abandonada, sem cumprir sua função social. A Modelo não construiu nada no terreno. Estava vazio. Logo, é legítima e constitucional a ocupação feita pelo povo de Dandara.

14.                       Dandara, a companheira de Zumbi.
Na Comunidade Dandara 70% das famílias são lideradas por mulheres, majoritariamente, negras. São guerreiras na luta, seja na luta do dia a dia ou na luta pela conquista da casa própria. A luta de Dandara é luta para sair da escravidão do aluguel, do sobreviver de favor, enfim, se libertar do capitalismo, ditadura econômica. Por esses motivos, na hora de escolher o nome da Comunidade, entre vários nomes, o povo optou por Dandara, que foi a companheira de Zumbi dos Palmares, a estrategista que cuidava da segurança interna do Quilombo de Palmares. Dandara, ao ser encurralada pelas forças escravagistas, preferiu suicidar a voltar a ser escrava. Assim, em Dandara há centenas de Dandaras. Por isso gritamos: Pátria livre! Venceremos!

15.                       E agora, Dandara?
A Comunidade Dandara se tornou fonte de pesquisa para muitos estudantes e professores universitários. Há dois livros escritos sobre Dandara, ainda não publicados por falta de dinheiro. Muitas monografias prontas, dissertações e teses de doutorado em andamento. Dezenas de vídeos amadores já estão no youtube. Mostras fotográficas etc. Dandara se tornou uma estrela guia para as forças vivas da sociedade, exemplo positivo para os movimentos sociais populares. Dandara está animando muitas outras lutas em BH, em MG e pelo Brasil afora. Dandara, como a estrela de Belém (Evangelho de Mateus 2,1-12), aponta o rumo para onde caminharmos para construirmos uma sociedade e uma cidade que caiba todos e tudo. O sonho da Comunidade Dandara não pode ser abortado. Obrigado, de coração, a todas as pessoas de boa vontade que, de perto ou de longe, tem se comprometido com a defesa da causa de Dandara.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 24 de fevereiro de 2013.




[1] Gilvander Luís Moreira é frei e padre carmelita; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina, em Minas Gerais; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.brwww.gilvander.org.brwww.twitter.com/gilvanderluis - facebook: gilvander.moreira

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

1301- Conheça a Revista Refundación - Latinoamericana

Clique no link abaixo e conheça a revista latino americana Refundación, com artigos de autores de diversas partes do mundo sobre economia, política, direito, sociologia, indigenismo, meio ambiente, movimentos sociais latinoamericanos, movimentos sociais globais, mídia, arte e cultura:
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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

1300- In gold they trust - Coluna do professor Virgílio Mattos


                        “IN GOLD THEY TRUST”                                      
                              Virgílio de Mattos
        Quase ia deixando passar batido, como dizem os presos, a visita da “blogueira”, agente indisfarçada da Central Intelligence Agency, a provocadora Yoani Sánchez. Mas não consigo.
        É simples entender os porquês. Essa mulher vem recomendada pela Rede Globo, Revista Veja, jornal O Estado de São Paulo e outros da mesma laia e chafurdados na mesma lama, obviamente, assim como aqueles que a glorificam como “trabalhadora por conta própria”, “técnica de reparos em computadores” e etc., que são os mesmos que fazem o serviço sujo da defesa do capital contra os trabalhadores. Obviamente, de novo, pagos por alguém.
        In gold they trust, ou seja: no ouro eles confiam. Dizem que confiam em deus, como a inscrição nas notas de dólares estadunidenses, mas particularmente tenho minhas dúvidas, embora conheça muitíssimos que confiam no ouro e em deus, ou que ganham a vida vendendo deus, mas isso deve ficar restrito à crítica ferina que faz o Frei Gilvander, que é a autoridade maior que conheço em deus e exegese bíblica.
        Voltemos à lama. Essa senhora, vendida como mártir da democracia, pelos seus patrões midiáticos, quer fazer o povo brasileiro de trouxa. Parece que tem conseguido.
        Como é que uma pessoa, em qualquer lugar do planeta, trabalhando como autônoma “datilógrafa” e “técnica em reparos de computadores”, já que “não a deixam exercer o cargo de filóloga”, cuja formação foi custeada pelos “bárbaros monstros comunistas” que ela tanto ataca, consegue dinheiro para uma viagem Cuba-Brasil-Cuba (só aí estamos falando de alguma coisa próxima a USD$2.000,00, ou um pouco mais de R$4.000,00)? Financiada por alguém, de novo é óbvio. Mas esse financiamento é de alguma instituição de ensino superior? Foi feito pelo Sindicato dos Jornalistas? Não, parece que o dinheiro vem de outro lugar... É preciso seguir o dinheiro.
         Daqui, dizem seus defensores da grande mídia (os “liberais” donos dos maiores – e mais conservadores! – jornais, revistas e TV’s) ela irá pra España, Suécia, Suíça, Itália, Peru, EUA - Miami of course, dando início a um périplo por doze países no total em 90 dias. Se não gastar um kilo (a menor moeda cubana que não tem representação em Real) com comida, hospedagem e transporte só de passagens quanto gastaria? Quem financia essa farra?
        Mas quem é essa “respeitável senhora”, “lutadora pela liberdade de imprensa e pelos direitos humanos”?
        Sra. Sánchez já morou fora de Cuba, que tanto ataca, quando emigrou para a Suíça em 2002, casou com um alemão e por ali ficou por dois anos, viajando bastante, notadamente para Alemanha (nenhum problema, foi visitar os familiares do marido talvez) e para a España, onde encontrou-se com seu mentor, o terrorista Carlos Alberto Montener, fugitivo da justiça por sua participação no atentado contra a loja “El Encanto”, além de outros. É ligado à CIA desde a década de 1960 e principal recebedor, para dizermos de modo elegante, dos dólares estadunidenses para a criação de um projeto de “atração de dissidentes”.
        O patético é esta recriação de guerra fria, só que pelos antigos patrocinadores de sempre. O cruel é que sob a capa de “liberdade de imprensa” em Honduras (cujo golpe a bloguera apoiou, obviamente por determinação de seus patrões estadunidenses, felicitando ao ditador Micheletti pelo golpe de estado), ainda se diga que inexistem liberdades em Cuba.
        O furo de reportagem deste blog é que a verdadeira nacionalidade de Yone Sánchez é outra: ela é paraguaya!
        Revejam o “milagre” da multiplicação dos blogs, acessem e descubram quem é que paga a conta.
        Na dúvida, sigam o dinheiro, é o que sempre sugerem os pesquisadores. Nesse caso eu acredito que nem precise.
        Ia dizendo: pra que importar barangas, se já temos tantas, mas poderia soar constrangedor. Essa senhora poderia nos favorecer com sua ausência, aqui não é bem-vinda, embora o P.I.G., partido da imprensa golpista, quer que você pense o contrário. Xô satanás, xô baranga!

Não deixe de dar uma olhada:
http://www.jb.com.br/informe-jb/noticias/2012/03/05/investigacao-descobre-fraude-da-blogueira-cubana-yoani-sanchez/

domingo, 17 de fevereiro de 2013

1299- Teste o seu texto - Coluna do professor Virgílio Mattos


                       TESTE O SEU TEXTO
                          Virgílio de Mattos
       
         Fico sem ter vontade de escrever a maior parte do tempo. Desperdício de tinta e papel, avisam antigos clichês (quem tem menos de 50 anos não sabe o que é a impressão utilizando clichê, ou talvez nunca tenha visto um “ao vivo e em cores”), mesmo quando se tem o que dizer? Penso eu.
        Pra escrever você tem que ter vontade. Conhecimento é desnecessário (a década no Tribunal vendo petições e as décadas de magistério não me deixam enganar). Mesmo porque ficou brega não ter erro de ortografia. O negócio é ser compreensível para as massas (o que é fenomenal!), mesmo que você tenha que esquecer “us plural”. Escrever “us pessoal” e fazer abreviaturas uga-uga.
        Mídia me dá nojo e “desensina” a escrever, mas sinto saudades de velhos suplementos dominicais onde, às vezes, mandava um ou outro poema e, suprema alegria: pagavam-me por isso. As colocações pronominais também andam de uma precariedade de fazer corar o sistema de saúde mental no interior profundo.
        Um orgulho súbito e intenso: meus avós paternos não sabiam ler e escrever e de tanto ver o analfabetismo real deles no analfabetismo funcional de tantos, sobretudo “escritores” ou os que “ganham a vida escrevendo”, fico tranquilo com o mantra que repito aos alunos e alunas (que hoje se você não ressaltar os artigos, fazer a diferenciação masculino e feminino, você pode vir a ser chamado de preconceituoso) : “só não erra o português quem não escreve em português”. Qualquer um que se aventure a escrever vai errar. Se publicar, pode estar certo, mesmo com antipáticas revisoras (que só viram um orgasmo, por descrição, na Seleções do Readers Digest) “corrigindo” o que não entendem como se errado estivesse (é uma forma de acharem sentido nas coisas), assim mesmo, quando você publicar irá encontrar erros incríveis, até mesmo na lombada de seus próprios livros (o que é extremamente constrangedor).
        O que gostaria, leitor e leitora pacientes, que seguem o meu texto mesmo que tenha mais de uma lauda (alguns sequer sabem o que significa lauda, mesmo que sejam meus leitores, não importa), é que vocês não perdessem o rumo e o prumo e, sobretudo, insistissem em exercitar o próprio texto e testassem a capacidade de exercitar a comunicação. Nada de “ação comunicativa” (quase ia escrevendo uma bobagem: “ação comunicativa de cu é rola”, ainda bem que refreei-me a tempo) ou de labirintos, sejam eles com Jürgen ou com Penólope.
        Não sejam bestas, por favor, imploro. Testem o texto entre amigos.
        Zaffaroni, no O inimigo no Direito Penal, RJ: REVAN, 2007, p. 31, cita André Glucksmann (Los maestros  pensadores, Barcelona, 1978, p.43):
        ¿Qué necesitan hoy los que suben al poder aparte uma buena tropa, aguardiente y salchichón? Necesitan el texto.
        Tão vendo como é importante testar o texto? Não bebo aguardente (desde o longínquo 1982) e não como salsichão (desde 1994), testo o texto desde 1974, quando escrevi SPARSUS, um livro muito engraçado, não fosse pateticamente triste e ruim. Mais triste do que ruim.
        Não quero forçar nem a nossa amizade e nem, muito menos, a paciência de vocês. É para testarem o próprio texto. Custa nada. Não faz mal (a menos que seu texto seja um texto de bilhete suicida, aí é phoodda). Exercitar o próprio texto é como respirar sem aparelhos: enquanto você consegue tá bom, regozijai meu chapa! 
        Dizia o otimista, em seu comunicado à praça, que as coisas só não estavam melhores pra não atiçar a raiva dos inimigos e cometeu ato falho extremamente óbvio e compreensivo. Pegou?

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

1298- Os pobres na obra de Lucas - Coluna do Frei Gilvander


Os pobres na obra de Lucas (Lc e At). E em nós?
Gilvander Luís Moreira[1]

Os pobres, hoje, incomodam muitos, comovem outros. Muitos se tornam indiferentes diante da dor e dos clamores dos pobres. Uns pensam que basta fazer filantropia. Outros se comprometem com a causa dos pobres e por eles doam a vida. Como o evangelho de Lucas e o livro de Atos dos Apóstolos encaram os pobres?
No evangelho de Lucas (Lc) os pobres não são espiritualizados, como o evangelho de Mateus pode sugerir à primeira vista, mas têm conotações concretas. São carentes economicamente, marginalizados e excluídos socialmente. Não têm relevância na sociedade. Os Atos dos Apóstolos (At), 2º volume da obra lucana, aprofundam mais essa radicalidade. O apóstolo Pedro, por exemplo, declara-se em absoluta pobreza, não tendo nem prata e nem ouro, mas somente a Palavra que revigora e reanima os cansados (At 3,6).[2]
O contraste entre ricos e pobres transcende as dimensões socioeconômicas. A categoria pobre compreende presos, cegos, oprimidos (Lc 4,18), famintos, desolados, aborrecidos, difamados, perseguidos, marginalizados (Lc 6,20-22), coxos, leprosos, surdos e até mortos (Lc 7,22). Para a ideologia hegemônica, que é sempre a da classe dominante, pobres são a escória, os dejetos e a imundície da sociedade. São usados e não amados. A riqueza é, quase sempre, uma armadilha mortal para a pessoa humana, pois, muitas vezes, envolve a pessoa em um processo de desumanização, ao prometer estabilidade, reforçar a auto-suficiência e causar muitas injustiças.
No evangelho de Lucas, as bem-aventuranças têm uma orientação social (Lc 6,20-23). Dirigem-se aos discípulos como os verdadeiramente pobres, famintos, aflitos, injustiçados e excluídos do mundo onde há organização para uma minoria e caos para a maioria. Lucas não tende a espiritualizar a condição dos seus discípulos, como à primeira vista faz Mateus nas bem-aventuranças (Mt 5,1-12). As prescrições que Mateus acrescenta — pobres em espírito, fome e sede de justiça — respeitam a condição de diversos membros da comunidade mista a quem a narração evangélica é dirigida. Em Lucas a pobreza, a fome, a aflição, o ódio e o exílio caracterizam a situação concreta e existencial dos discípulos e das discípulas de Jesus Cristo, que é quem Jesus declara feliz.
No evangelho segundo Lucas aparece nitidamente uma opção pelos pobres, contra a pobreza. Os ricos não são excluídos a priori, mas são convidados a abandonar a idolatria do capital e do poder e a tornarem-se pobres. O servo sofredor padre Alfredinho dizia: “O mundo vai virar um paraíso no dia em que os ricos desejarem passar fome”. Lucas é duro contra os ricos e a riqueza (Lc 6,24).
“Cuidem dos enfraquecidos!” (At 20,35). Eis um apelo forte do apóstolo Paulo no seu testamento espiritual, escrito por Lucas, que conservava na mente e no coração a imagem de Paulo como alguém que dava atenção especial aos empobrecidos. É provável que nas comunidades de Lucas, no fim do século I, um desejo grande de fidelidade ao passado estivesse gerando esquecimento dos empobrecidos e excluídos. Estes nem sempre podem respeitar as regras da comunidade. Para Paulo, o sinal por excelência da autenticidade do ministério era o amor desinteressado e gratuito aos pobres.[3] Essa opção aparece de modo muito eloqüente quando Paulo diz às comunidades de Antioquia que a única coisa que a Assembleia de Jerusalém fez questão de alertar foi: “Nós só deveríamos nos lembrar dos pobres...” (Gálatas 2,10). No discurso aos presbíteros, em At 20,17-35, Lucas alerta para o cuidado com os pobres, porque provavelmente os presbíteros estavam preocupando-se menos com aqueles e agindo mais como “os falsos pastores que apascentam a si mesmos e devoram as ovelhas” (Ezequiel 34,8-10). Estariam eles gastando mais energias com os ritos do que com a promoção humana dos excluídos e com a luta por justiça?
A teologia lucana propõe uma mística evangélica que seja uma Boa Notícia para os pobres, isto é, para cegos, surdos, mudos, presos, alienados, doentes e pecadores; enfim, para marginalizados e excluídos. Lucas é muito realista, porque percebe que a Boa Notícia para os pobres é, normalmente, péssima notícia para os opressores e violentadores dos pobres. Lucas defende não toda e qualquer notícia, mas apenas aquela que traz qualidade de vida para todos e para tudo, a partir dos oprimidos.
Jesus de Nazaré, segundo Lucas, encontra-se com os pobres e com eles se compromete. Sua vida, que conhecemos também por suas posturas e ensinamentos, caracteriza-se por encontros com pessoas do seu círculo de amizade e com pessoas do mundo dos excluídos. Jesus foi sempre um inconformado com as injustiças e com os sistemas injustos, um sonhador que cultivava a utopia bonita do Reino de Deus no nosso meio. Jesus tinha os pés no chão, mas o coração nos céus. Era um profeta, alguém sensível, capaz de captar os sussurros e os apelos de Deus por meio das entranhas dos fatos históricos. O Galileu foi uma testemunha, um mártir, que não apenas disse verdades, mas doou a vida pelas verdades que defendia.
Jesus e seu movimento, em uma postura altamente irreverente, deixam-se envolver, apaixonar-se, compadecer-se pelo povo sofrido e revelam um grande esforço de transformação. Desmistificam o que é mistificado pelo senso comum. Des-idolatram deuses e ídolos que concorrem em uma imensa gritaria tentando seduzir as pessoas para projetos escravizadores. Des-sacralizam o poder, desmascarando o poder religioso, o político e o econômico que, endeusados, promovem grandes atrocidades. Des-dualizam a forma de encarar a realidade — com Jesus, “o véu do templo se rasga” (Lc 23,45) e “ninguém deve chamar de impuro aquilo que Deus criou” (At 10,15). Não há mais separação entre puro e impuro, entre santo e pecador, entre transcendência e imanência, entre dentro e fora, entre sagrado e profano, entre céu e terra, entre humano e animal etc. Tudo e todos são banhados pela dimensão divina e transcendente da vida. Em cada um(a) de nós estão o feminino e o masculino, o bem e o mal, o sagrado e o profano.
Enfim, oxalá esta rápida retrospectiva sobre a relação de Jesus e seus discípulos/as com os pobres nos inspirem na construção de uma sociedade para além do capitalismo e para além do capital.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 de fevereiro de 2013.



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.brwww.gilvander.org.brwww.twitter.com/gilvanderluis - facebook: Gilvander Moreira
[2]    Cf. também At 4,32.34-35; 2,44-45; 4,37.
[3]    Cf. Gl 4,17; 2Cor 11,8-9; 12,13; Cf. também escritos posteriores, como: 2Tm 3,2.6-9; Tt 1,11; 2Pd 2,3; Didaqué 11,5-6.9.12.

1297- Defensorias públicas autônomas - Coluna do Frei Gilvander


Defensorias públicas: de pires nas mãos ou autônomas?
Gilvander Luís Moreira[1]

Após muita luta e 16 meses de tramitação, em novembro de 2012, foi aprovado por unanimidade no Congresso Nacional o PLC 114/11 que concede autonomia financeira e administrativa às defensorias públicas, ao desvincular o orçamento de pessoal das defensorias estaduais das despesas do Poder Executivo estadual, como já ocorre com a Magistratura e o Ministério Público. Pelo projeto, os estados poderão investir até 2% do orçamento líquido para as defensorias estaduais. Tempo para chegar aos 2,%: cinco anos. Mas, para espanto e indignação de todos que lutam por justiça social, por democracia substantiva, a Presidenta Dilma, na noite do dia 19 de dezembro de 2012, vetou o PLC 114/11. Assim, o Governo Federal deu um presente de grego às/aos defensoras/res públicas/os estaduais e manteve o bloqueio econômico e político que impede o acesso de 80 milhões de empobrecidos à justiça. Motivo alegado: pressão de muitos governadores que argumentaram que o PLC 114 era contrário ao interesse público e inviabilizaria o orçamento de vários estados. Isso não é verdade. É uma desculpa estapafúrdia.
No Seminário Nacional sobre Defensoria Pública na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), realizado dia 06 de fevereiro último, no Congresso Nacional, em Brasília, do qual tive a alegria de participar, ficou demonstrado que 58% das comarcas do Brasil estão sem defensoras/res públicas/os,[2] o que inviabiliza equilíbrio entre acusação e defesa nos milhões de processos que envolvem os pobres. No Brasil, há cerca de 15 mil juízes, 15 mil promotores de Justiça (?) do Ministério Público, mas há menos de 5 mil defensoras/res em 24 estados. Há ainda três estados iniciando a implantação de defensoria pública: Goiás, Paraná e Santa Catarina. A Constituição Federal irmana em igual dignidade o Ministério Público e as Defensorias Públicas (CF, art. 127 e art. 134), além de prescrever que as defensorias prestem orientação jurídica e defenda em todos os graus os pobres. Mas na realidade, o Ministério Público está sendo o irmão rico e as defensorias, o irmão pobre. Oitenta milhões de brasileiros dependem diretamente da defensoria para tentar acessar a justiça. O Governo do estado do Acre, por exemplo, reduziu o orçamento da defensoria pública de 2 milhões para 1,8 milhões de reais, mas, em apenas 6 meses, pagou R$1.360.000,00 para advogados dativos. A comarca de Peçanha, no interior de Minas Gerais, gasta cerca de 50 mil reais com advogados dativos por mês. A Comarca de Medina, no Vale do Jequitinhonha, MG, de 40 a 70 mil reais. São os juízes que determinam quanto um advogado dativo recebe, dentro da margem prescrita pela OAB. Um advogado dativo, que é chamado na hora da audiência pelo juiz, muitas vezes, sem nunca ter conversado com o cliente, não atua extrajudicialmente, nem com os movimentos sociais populares, nem em mediação e nem em conciliação e, pior, muitas vezes, sem a competência técnica e sem a paixão pela defesa dos pobres, que, salvo raras exceções, é característica básica encontrada nas/os defensoras/res. Os advogados dativos atendem somente aos processos. As/os defensoras/res atendem as pessoas pobres de forma integral, trabalham em rede com outras/os defensoras/res e em diálogo com os movimentos sociais populares. Um advogado dativo não pode entrar com Ação Civil Pública, que é um instrumento jurídico utilizado na defesa da coletividade, ajudando assim a agir preventivamente para que diminua o caos social e garanta a eficácia de direitos sociais fundamentais.
A ausência de defensoras/res em 58% das comarcas do Brasil[3] abre caminho para os prefeitos da maioria das cidades brasileiras contratarem advogados para atender aos pobres, mas esses, muitas vezes atendem somente aos que não vão desagradar os interesses eleitoreiros do prefeito. A massa de pobres, negros e jovens, que estão presos, dificilmente são atendidos por esses advogados. Assim, o clientelismo político vai sendo eternizado, pois cada família que tem algum membro ajudado pelo advogado do prefeito se torna presa fácil na próxima eleição. “Se os governos estaduais remunerassem os defensores públicos como remuneram os advogados dativos, quebraria os estados”, alertou um deputado.
Na maioria dos estados, um/a defensor/a público/a estadual ganha apenas 50 a 60% do salário de um promotor. A defensoria de Minas Gerais paga o 17º menor salário do país, além de que só há defensores em 30% das comarcas de Minas. Do dinheiro que vai para a Justiça, no Brasil, 69% vai para o judiciário, 26% para o Ministério Público e apenas 5% para as defensorias públicas. Assim fica tremendamente desigual o acesso a justiça. Cadê a equidade no acesso à justiça?
Além da falta de muitos concursos para, no mínimo, triplicar o número de defensoras/res, faltam também concursos para constituição de um corpo técnico que possa, com competência, assessorar o trabalho das/os defensoras/res. Por exemplo, é imprescindível para o desempenho da função constitucional de defender os pobres que as/os defensoras/res tenham secretárias, atendentes, assessoras/res, médicos, arquitetos, engenheiros civis, psicólogas, sociólogos etc. Falta dinheiro para remunerar estagiários em número necessário e compatível com a demanda das/os defensoras/res. Para mitigar isso se recorre a diversos órgãos do estado para ceder funcionários. Assim, as defensorias ficam dependendo da boa vontade das autoridades de plantão.
A gente tem que ficar de pires nãos mãos se ajoelhando junto aos governos estaduais para conquistar uma migalha de orçamento, de 0,3 a 07% apenas, na maioria dos estados. Assim se coloca um tapume ao acesso dos pobres a justiça”, lamentam muitas defensoras.
Se o número de defensoras/res fosse triplicado, se poderia investir em mediação e/ou conciliação de conflitos, o que desafogaria, em parte, o judiciário. A/o defensor/a é uma autoridade que atende aos pobres. “Muitas vezes, com um ofício requisitando um direito conseguimos reparar um direito que está sendo negado aos pobres”, relatam muitas defensoras.
A Lei orgânica (LCP 132/2009) exige a criação de Ouvidorias Externas em todas as defensorias públicas estaduais, mas até agora só há ouvidorias externas em defensorias de sete estados, entre os quais, Ceará, Acre, Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul. A Ouvidoria Externa, escolhida a partir de lista tríplice proposta pela sociedade civil, é canal importantíssimo para a realização das funções da Defensoria e valorização desta junto à sociedade. 
A presidenta Dilma, ao vetar o PLC 114/2011, fez uma grande injustiça, pois se a presidenta voltar atrás e sancionar o PLC 114 ou o Congresso Nacional derrubar o veto, dentro de cinco anos, o orçamento das defensorias públicas estaduais será elevado de 0,5% para 2,% do orçamento líquido dos estados. Isso dará autonomia financeira e administrativa para as defensorias. É mentira dizer que alguns estados quebrariam. Há muito dinheiro sendo investido em obras de interesse de grandes empresas. Mais: Nas cidades onde não há defensorias públicas, o IDH é muito baixo. Em uma cidade sem defensor/a público/a aumenta a espiral de violência, abarrota a área criminal, superlota as prisões e onera o Sistema Único de Saúde. Isso porque muitos conflitos, se não são resolvidos por mediação ou conciliação ou por ações judiciais proposta por defensoras/res, acabam desaguando em crimes que geram violência em uma progressão geométrica.
Tenho acompanhado muitas lutas no campo e na cidade, em Minas Gerais e no Brasil, lugares onde os pobres estão sofrendo diversos tipos de injustiças sociais. Nestes lugares sempre contamos com a presença de Defensoras/es aguerridas/os, verdadeiros profissionais que insistentemente lutam na defesa do direito fundamental de acesso à justiça daquelas pessoas que não podem contratar advogados. Uma luta que está para além dos direitos individuais, mas que gesta uma sociedade com mais justiça e equidade.
Enfim, sem o fortalecimento, sem autonomia e sem empoderamento das defensorias públicas, - o que é, na prática, partilha de poder -, não haverá no Brasil acesso a justiça para todos, nem democracia substantiva e nem estado democrático de direito.
Felizes os que são perseguidos por causa da luta por justiça. “Eu vim para trazer uma boa notícia aos pobres, para libertar os presos” (Lc 4,18), disse Jesus de Nazaré no seu discurso programático na pequena sinagoga de Nazaré, na Palestina. Logo, vetar o PLC 114/2011 é dar uma péssima notícia aos pobres, é dizer: ‘vocês que estão sendo injustiçados vão continuar sendo pisados, porque o Estado não vai alimentar quem defende vocês que são pobres.’ Isso é antievangélico. Como a viúva do evangelho que não se cansou de ir todos os dias ao tribunal e cobrar insistentemente justiça, não repousaremos em paz até conquistarmos a autonomia, o fortalecimento e o empoderamento das defensorias públicas estaduais e a da União. Essa luta é justa, sagrada e necessária. Conclamo todas as pessoas de boa vontade, os movimentos sociais populares, enfim, a todas as forças vivas da sociedade a se engajarem na luta em prol do empoderamento das defensorias públicas. Defensorias públicas de pires nãos mãos, não; Defensorias públicas autônomas, sim!
Belo Horizonte, MG, Brasil, 11 de fevereiro de 2013.


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.brwww.gilvander.org.brwww.twitter.com/gilvanderluis - facebook: Gilvander Moreira

[2] Outras fontes dizem que há defensores públicos em apenas 25% das comarcas do Brasil.
[3] Ou em 75% segundo outras fontes.

1296- Nota aos cidadãos de Belo Horizonte - Coluna do Frei Gilvander


Pobres foram expulsos de prédios abandonados em Belo Horizonte, MG, dia 09/02/2013, sábado de carnaval. No local, um segurança particular disse que uma empresa de São Paulo construirá mais um Shopping Center na capital mineira. Assim, o processo de expulsão dos pobres em Belo Horizonte continua! E se fosse eu, você, nós que estivéssemos sendo expulsos? Cadê o respeito à dignidade humana? Cadê alternativa digna? Cf. Entrevista e vídeo gravado por frei Gilvander no local dos prédios que estão sendo demolidos, no link, abaixo.
Frei Gilvander Moreira - www.gilvander.org.br
Cf. o vídeo de 7 minutos com Entrevista  com o último que foi expulso, o Cláudio Basílio, um negro meio surdo.


Agüenta coração!

Um abraço terno na luta
Frei Gilvander Luís Moreira

1295- O papel da Alba na "ressignificação" de Cuba - Carta Maior


Internacional| 04/02/2013 | Copyleft 

O papel da Alba na "ressignificação" de Cuba

Cuba foi expulsa da OEA em 1962 pois “a afinidade de tal governo com o bloco comunista quebranta a unidade e a solidariedade do hemisfério”, nas palavras da própria resolução. Agora, a ilha preside a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), um organismo com 33 países e 550 milhões de habitantes. Essa é uma vitória da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba) no processo de ressignificação da revolução cubana.

Quando terminou agora em janeiro a II Cúpula da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos), uma notícia foi exemplo do momento político do nosso continente: Cuba, a pequena ilha sempre desdenhada pelos poderes da vez, passará a presidir um organismo continental que reúne 33 nações – todas, com exceção dos Estados Unidos e Canadá.


A foto de Raul Castro recebendo a presidência pró-tempore significa uma vitória não só cubana, mas também do grupo de países que fazem parte da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América). E, especialmente - é necessário dizê-lo com clareza – da Venezuela, Bolívia e Equador, cujos governos privilegiaram uma relação política e ideológica com a ilha, de irmandade anti-imperialista.


O que significa a presidência da Celac em mãos de Cuba?
Em primeiro lugar, significa uma profunda reivindicação histórica do papel da Revolução Cubana. Cuba foi expulsa da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 1962 porque, segundo a resolução: a "adesão de qualquer membro da Organização dos Estados Americanos ao marxismo-leninismo é incompatível com o Sistema Interamericano e a afinidade de tal Governo com o bloco comunista quebranta a unidade e a solidariedade do hemisfério". 



Daí em diante, começou uma "caça às bruxas" contra a ilha, política mas com consequências diretas em outras esferas. O bloqueio econômico, comercial e financeiro estabelecido pelos EUA foi -e é- a ponta da lança, mas também devemos falar do virulento -e permanente- ataque contra Cuba e seu governo pelos multimeios de (des)informação com capitais norte-americanos e europeus (CNN, El País da Espanha, Miami Herald, entre outros).


Quem poderia imaginar que essa pequena ilha fustigada constantemente pelo poder político, econômico, comercial, financeiro e até midiático, teria a presidência de um organismo que reúne uma população global de uns 550 milhões de habitantes e cuja extensão territorial supera os 20 milhões de quilômetros quadrados? Quem, em sã consciência, teria dito, durante o esbanjamento neoliberal dos anos 90 em nosso continente, que essa ilha digna ia ter tal papel no acordo das nações da América Latina e do Caribe, duas décadas depois?


O papel da Alba na "ressignificação" de Cuba
Devemos mencionar, sem dúvida, o papel da Alba e seus governos nesta "ressignificação" de Cuba. Primeiro, a Venezuela, depois a Bolívia e o Equador, tiveram – e têm – um papel protagonista em mostrar a realidade da ilha, longe de qualquer manipulação midiática. Como fazem isso? Com a cooperação cotidiana em educação, através do sistema "Sim eu posso", que já alfabetizou seis milhões de pessoas em 28 países; e com a ajuda permanente em matéria de saúde, as missões humanitárias cubanas já chegaram a quatro continentes – e têm especial relevância na Venezuela (Missão Barrio Adentro) e Bolívia (Operação Milagre).



Com a presidência pró-tempore da Celac, Cuba encerra um ciclo em nosso continente: aquele que começou com o "Não à Alca" em Mar del Plata 2005. Aquele que construiu a Unasul e a própria Celac. É indubitável e objetivo o avanço de nossos povos desde então. Estamos em melhores condições, claro. 


Mas também está a "outra cara": os golpes em Honduras e Paraguai (2009), a constituição da Aliança do Pacífico - com os governos mais retrógrados em seu interior -, o aumento de bases militares norte-americanas em nosso território. Nesse cenário, de disputa entre o que não termina de morrer e o que não termina de nascer – parafraseando Gramsci – a notícia de que essa digna ilha vai presidir um organismo como a Celac é de uma enorme importância.


É que, como disse José Martí – lembrado pelo 160º aniversário de seu nascimento – escassos, como os montes, são os homens que sabem olhar desde eles, e sentem com entranhas de nação, ou de humanidade". E Fidel e Hugo Chávez, quando em 2004 planejavam a criação da Alba, com certeza não imaginavam até onde podia chegar esse ato de profunda criação humanitária – com entranhas de nação e Pátria Grande –que hoje é um dos principais impulsos da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos.


*Artigo traduzido e divulgado pela Telesur.