quarta-feira, 28 de setembro de 2011

719- Avançamos ou retrocedemos com as reformas? - Coluna do professor Alexandre Bahia


Avançamos ou Retrocedemos com as reformas?

Esta semana participarei do IV Congresso Internacional de Constituição e Processo promovido pelo Instituto de Hermenêutica Jurídica em Belo Horizonte. Na mesa o Prof. Lenio Streck (Unisinos) e eu vamos discutir os Avanços e os Retrocessos do incessante processo de reformas da lei processual levada a cabo no Brasil e sua conformidade com a Constituição.
Mas, por que discutir a conformidade das reformas processuais com a Constituição? A Constituição de 1988 representa um marco no que tange ao acesso à Justiça no Brasil. É a partir dela que a Constituição “invadiu” as outras salas do Direito; saiu ela do seu “pedestal” de respeitabilidade para o dia a dia das Faculdades e dos discursos de advogados e juízes nos mais variados processos.
Isso causou uma explosão de demandas no Judiciário. Este, por sua vez, não possuía estrutura (e nem expertise) para lidar com isso. A justiça que se antes era lenta, quando atendia a apenas alguns, após 88 entrou em agonia quando os brasileiros se viram como cidadãos possuidores de direitos que poderiam reivindicar.
A partir daí, nos anos 1990, começaram a reformas do processo. Dezenas de leis têm tentado, sem grandes sucessos, resolver o problema do excesso de processos, da demora processual e da ineficiência da justiça. Muitas vezes um mesmo instituto já foi alterado mais de uma vez (e.g., os agravos).
O problema é que a mera alteração dos procedimentos tem um duplo efeito perverso: em primeiro lugar, as limitações de acesso e de “conhecimento” de ações e recursos pune tanto aquele que litiga de má-fé quanto aquele que busca um legítimo direito. Em segundo lugar, a mera alteração de procedimentos não resolve um problema que não está na lei processual-procedimental. Ataca-se o efeito, é dizer, o excesso de processos e recursos e não a(s) causa(s). E estas estão, algumas, no Judiciário – mas não nos procedimentos previstos nos Códigos –, mas em questões como “os tempos mortos do processo” (é dizer, o tempo que se perde em tramitações internas das varas ou que o processo fica “concluso ao juiz”), que pode chegar a 80% do prazo que foi gasto para concluir uma causa; está na ausência de uma estruturação gerencial de funcionamento das varas, como o que vem sendo feito na Espanha, por exemplo, onde há a figura do “administrador judicial”, alguém com formação em administração (e não necessariamente em direito) e que, por isso, está apto a lidar com questões de logística, gestão de procedimentos e de pessoas, etc. Fora do Judiciário, mas relacionado a este, estão os privilégios da Administração Pública, a uma porque, não raro, pratica atos inconstitucionais e ilegais, a duas porque, uma vez em juízo, possui uma série de privilégios processuais. Há dados que mostram que mais de 70% de todos os processos no STJ tem como parte a União, a Caixa Econômica Federal e o INSS – só para falar dos órgãos públicos campeões de ações.
Por fim, a ausência de leis ou de políticas públicas leva à multiplicação de ações nas quais o cidadão, diante da inércia/ineficiência do Legislativo e do Executivo, busca no Judiciário o cumprimento da Constituição.
A crença de que, alterando-se leis de procedimento, o problema será resolvido, apenas gera frustração – para os propositores e para os destinatários – e também graves violações a direitos fundamentais como o devido processo legal e o direito ao contraditório. Porque, o que temos assistido é uma valorização dos “precedentes” e da uniformização homogeneizante das decisões judiciais – que pode ser visto em institutos como “repercussão geral”, “pinçamento de recursos extraordinários e especial”, art. 285-A, Súmulas impeditivas de recursos, etc[1].
A busca por uniformidade – e, portanto, tentar-se evitar que casos semelhantes sejam decididos de forma totalmente contrária – é um princípio que, ao lado (e não acima) de outros deve ser valorizado por aqueles que pensam e aplicam o direito. No entanto, isso não deve levar ao que temos visto, isto é, que a análise de casos, para que caibam numa Súmula ou “jurisprudência dominante”, seja de tal forma despida dos caracteres que escapam do que é comum a ponto de o Judiciário não mais resolver casos, mas somente “teses”/“temas”. Ora, nesse processo de “abstração”, em que caracteres específicos vão sendo abandonados para que se ache “o ponto comum”, além de se perder o caso, perdem-se também as teses, os argumentos, as provas e os debates havidos entre as partes.
Ao fim e ao cabo, há uma decisão que elimina processos, que resolve problemas numéricos, no entanto, peca no que deve ser uma decisão judicial: a resposta às pretensões das partes à luz dos fatos e do direito; e, como lecionava Liebman: “A decisão errônea, e não a decisão divergente é que se deve fulminar.


[1] Sobre isso cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Breves considerações da politização do judiciário e do panorama de aplicação no direito brasileiro - Análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória. Revista de Processo. São Paulo: RT, vol. 189, nov. 2010, p. 9-52.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

718- Filha de uma grande amiga foi vítima, de novo! - Coluna do professor Virgilio Mattos


A FILHA DE UMA GRANDE AMIGA FOI VÍTIMA, DE NOVO!
                            Virgílio de Mattos
        Na última sexta-feira, quando iniciava um módulo na pós-graduação de uma faculdade particular de Belo Horizonte, uma aluna saiu visivelmente preocupada com o celular  – que eu não tinha ouvido tocar - no ouvido e o cenho franzido. Foi conversar fora da sala.
        Pensei: esse povo não tem a menor consideração mesmo. Nem meia hora de aula e já estão se ocupando com a balada pra depois da aula...
        Mas ela voltou logo e com os olhos cheios d’água e o rosto muito crispado, o corpo todo tenso.
        Nessas ocasiões eu quase nunca resisto e acabo me metendo mesmo:
        - Algum problema? Alguma coisa que, talvez, eu possa ajudar?
        - Meu filho foi “assaltado”.
        - A senhora quer sair? Quer ir ficar com ele?
        - Não. Tá tudo bem. Meu marido já está com ele...
        Conversa daqui, conversa dali, todos envolvidos (ah como é boa a pós-graduação onde estão todos ali porque verdadeiramente querem estar ali) com a questão eu penso que já posso relaxar um pouco e brincar. Fazer o que numa situação dessas? E digo que o crime de “assalto” não existe. Logo, não havia acontecido nada. Ele poderia ficar tranquila.
        Ela me interrompe:
- É a segunda vez, professor...
Sou obrigado a improvisar. Fingir que tenho dons de adivinho e começo a descrever o meu neto.
MIRACOLO! Como dizia ironicamente o professor Baratta: a descrição “batia”. Eram ambos adolescentes, brancos, louros, olhos claros, fortes e muito, muito preocupados em serem novamente vítimas dessa irritante “justiça social” quando expropria nossos próximos.
Brincamos com a vocação pra vítima que essa molecada tem e seguimos. Afinal, o prejuízo, afastado o susto, fora pequeno.
Hoje a filha de uma grande amiga foi vítima de novo. Só que não é tão jovem assim, tem a pele muito mais escura do que a minha, mora na periferia e trabalha duro pra sustentar os dois filhos pequenos, o também meu amigo J. que é chato com força e o bebê que não me lembro o nome. A mãe dela telefona pra dizer que a S. foi mandada embora de novo. Vence o contrato de experiência e ela é descartada como um tomate muito maduro que a gente não quer nem pra fazer molho.
Só que dessa vez foi mais duro. Um policial que “trabalha” na mesma empresa, exatamente “levantando” quem já passou pelo sistema penal a chamou de vagabunda, por isso ela seria dispensada, porque era vagabunda.
Pra ser explorada, ganhando o salário mínimo, ela não foi considerada vagabunda e servia. Depois que descoberto o anterior contato com o sistema penal, não. Mesmo que tenha cumprido a pena, mesmo que não tenha tido nenhum outro contato com o sistema penal (já lá se vão quase quatro anos), o que, sabemos todos como são essas coisas, é muito difícil.
Ela argumentou que já havia pagado tudo. Na verdade ela disse que vagabundo era ele que estava ali recebendo da polícia e fazendo o papel feio de X-9 do passado dos outros, de quem estava correndo atrás de forma lícita e limpa, ao contrário dele que recebia aquele ‘troco’ do patrão pra fazer o feio papel de dedão do passado dos outros.
O passado dela não passa, me dizia a mãe.
E eu, que já ando com a corda no pescoço de tanta tristeza, quase engasgo de vez dessa vez.
O que querem esses filhos da puta? Que a presa quando saia só possa voltar a ser presa?
O passado não passa nunca? É tudo sempre pra sempre?
Por isso é que tem gente que esquenta a cabeça e volta. Volta a partir pra cima. Volta com tudo pra não voltar.
Vocês estão me entendendo? Só existe a expropriação do pequeno ladrão porque são permitidos os grandes ladrões que expropriam tudo, até os sonhos das pessoas.
A filha de uma grande amiga foi vítima, de novo.
Até quando, me pergunta meu neto quando é vítima lá do jeito dele, isso vai continuar? 

717- Precisamos de muita coragem - artigo de Frei Leonardo Boff


Precisamos de muita coragem

Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor
Adital
Em 14 de setembro último, celebrou 90 anos de idade uma das figuras religiosas brasileiras mais importantes do século XX: o Cardeal Paulo Evaristo Arns. Voltando da Sorbonne, foi meu professor quando ainda andava de calça curta em Agudos-SP e depois, em Petrópolis-RJ, já frade, como professor de Liturgia e da teologia dos Padres da Igreja antiga. Obrigava-nos a lê-los nas línguas originais em grego e latim, o que me infundiu um amor entranhado pelos clássicos do pensamento cristão. Depois foi eleito bispo auxiliar de São Paulo. Para protegê-lo porque defendia os direitos humanos e denunciava, sob risco de vida, as torturas a prisioneiros políticos nas masmorras dos órgãos de repressão, o Papa Paulo VI o fez Cardeal.
Embora profético, mas manso como um São Francisco, sempre manteve a dimensão de esperança mesmo no meio da noite de chumbo da ditadura militar. Todos os que o encontravam podiam, infalivelmente, ouvir como eu ouvi, esta palavra forte e firme: "coragem, em frente, de esperança em esperança”.
Coragem, eis uma virtude urgente para os dias de hoje. Gosto de buscar na sabedoria dos povos originários o sentido mais profundo dos valores humanos. Assim que na reunião da Carta da Terra em Haia em 29 de junho de 2010, onde atuava ativamente sempre junto com Mercedes Sosa enquanto esta ainda vivia, perguntei à Pauline Tangiora, anciã da tribo Maori da Nova Zelândia qual era para ela a virtude mais importante. Para minha surpresa ela disse: "é a coragem”. Eu lhe perguntei: "por que, exatamente, a coragem?”. Respondeu: "Nós precisamos de coragem para nos levantar em favor do direito, onde reina a injustiça. Sem a coragem você não pode galgar nenhuma montanha; sem coragem nunca poderá chegar ao fundo de sua alma. Para enfrentar o sofrimento você precisa de coragem; só com coragem você pode estender a mão ao caído e levantá-lo. Precisamos de coragem para gerar filhos e filhas para este mundo. Para encontrar a coragem necessária precisamos nos ligar ao Criador. É Ele que suscita em nós coragem em favor da justiça”.
Pois é essa coragem que o Cardeal Arns sempre infundiu em todos os que, bravamente, se opunham aos que nos seqüestraram a democracia, prendiam, torturavam e assassinavam em nome do Estado de Segurança Nacional (na verdade, da segurança do Capital).
Eu acrescentaria: hoje precisamos de coragem para denunciar as ilusões do sistema neoliberal, cujas teses foram rigorosamente refutadas pelos fatos; coragem para reconhecer que não vamos ao encontro do aquecimento global mas que já estamos dentro dele; coragem para mostrar os nexos causais entre os inegáveis eventos extremos, conseqüências deste aquecimento; coragem para revelar que Gaia está buscando o equilíbrio perdido que pode implicar a eliminação de milhares de espécies e, se não cuidarmos, de nossa própria; coragem para acusar a irresponsabilidade dos tomadores de decisões que continuam ainda com o sonho vão e perigoso de continuar a crescer e a crescer, extraindo da Terra, bens e serviços que ela já não pode mais repor e por isso se debilita dia a dia; coragem para reconhecer que a recusa de mudar de paradigma de relação para com a Terra e de modo de produção pode nos levar, irrefreavelmente, a um caminho sem retorno e destarte comprometer perigosamente nossa civilização; coragem para fazer a opção pelos pobres contra sua pobreza e em favor da vida e da justiça, como o fazem a Igreja da libertação e Dom Paulo Evaristo Arns.
Precisamos de coragem para sustentar que a civilização ocidental está em declínio fatal, sem capacidade de oferecer uma alternativa para o processo de mundialização; coragem para reconhecer a ilusão das estratégias do Vaticano para resgatar a visibilidade perdida da Igreja e as falácias das igrejas mediáticas que rebaixam a mensagem de Jesus a um sedativo barato para alienar as consciências da realidade dos pobres, num processo vergonhoso de infantilização dos fiéis; coragem para anunciar que uma humanidade que chegou a perceber Deus no universo, portadora de consciência e de responsabilidade, pode ainda resgatar a vitalidade da Mãe Terra e salvar o nosso ensaio civilizatório; coragem para afirmar que, tirando e somando tudo, a vida tem mais futuro que a morte e que um pequeno raio de luz é mais potente que todos as trevas de uma noite escura.
Para anunciar e denunciar tudo isso, como fazia o Cardeal Arns e a indígena maori Pauline Tangiori, precisamos de coragem e de muita coragem.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

716- Quem tem medo da comissão da verdade? Emir Sader

25/09/2011

Quem tem medo da Comissão da Verdade?

No mesmo dia que a presidenta Dilma Rousseff reiterava, com toda dignidade, a posição soberana da política externa brasileira, e mencionava sua condição de mulher vitima de tortura, poucas horas depois a Câmara aprovava a criação da Comissao da Verdade. Todos que participaram e acompanharam o processo que levou a essa decisão histórica sabem o significado da decisão.

Artistas e intelectuais mostraram, uma vez mais, sua sensibilidade diante das grandes causas nacionais, assinando um manifesto de apoio ‘a Comissao. Chico, Caetano, Gil, Niemeyer, Marilena Chaui, Leornardo Boff, Frei Betto, Eduardo Galeano, Noam Chomsky, e centenas de outros nomes expressivos (ver o manifesto, a lista dos aderentes e o espaço para novas adesões em www.aquaria.com.br/verdade)– grande parte deles que havia estado no ato histórico do Teatro Casa Grande – souberam captar a importância do passo que rompe a inércia diante da investigação dos crimes cometidos durante a ditadura contra os direitos humanos e abre espaço para a apuração da verdade e a elaboração da versão oficial do Estado democrático brasileiro sobre o que ocorreu naquele período tão negativo da história do Brasil.

Por outro lado, diante desse amplo consenso nacional, vozes foram sendo ouvidas, na extrema direita – de que Bolsonaro é a expressão mais caricatural – e na ultra esquerda, condenando a Comissão. Uma coisa são criticas – muitas delas justas -, outra é a posição de que, como talvez não possa apurar tudo e como não tem poder de punição, a Comissão seria um “retrocesso”, uma “farsa” uma “pá de cal na possibilidade de revisar a história brasileira”.

Unem-se posições saudosistas da ditadura militar a exacerbações verbais demagógicas e, no meio, a posição de quem tem medo das apurações da Comissão. As primeiras são a cantilena conhecida da guerra fria, do “revanchismo” das vítimas em relação a seus torturadores, da tentativa de colocar no mesmo plano a violência do terrorismo de Estado e o dos resistentes.

Na segunda, estão os maximalistas, segundo os quais, se não tem condições de apurar tudo e punir os responsáveis pelas violações dos direitos humanos, não só não vale a pena, como a Comissão teria um papel negativo, teria que ser combatida e denunciada sua criação. Se somam a essa posição os que tem o rabo preso com a ditadura e tratam de relativizar o trabalho que a Comissão possa fazer, seja com o argumento do relativismo (sic) da verdade, seja alegando que instâncias não governamentais teriam melhores condições de apurar os fatos. (Quando emprestaram carros à repressão, o fizeram diretamente ao Estado e a seus órgãos mais comprometidos com as políticas de terror da ditadura.)

Nunca a pergunta coube com tanta forca: Quem tem medo da Comissão da Verdade? A Comissão pode convocar todas as pessoas que considere que possam esclarecer tudo o que aconteceu durante a ditadura militar. Tem o poder de acesso a todo tipo de documento, não importando o grau de sigilo deles. Todo os que julguem que possam esclarecer os fatos tem direito a ser ouvido pela Comissão. Alguem tem dúvida de que a Comissão terá uma composição claramente favorável à democracia e contra a ditadura?

Alguns tem a prepotência de decretar que é uma comissão falida. São os mesmos que haviam decretado que o governo Lula tinha “traído” o povo brasileiro e este teve que desmentir esse prognóstico aziago – entre cético e cínico – de forma clara e reiterada. Acreditam que decidem com palavras o que é e será a história, sem deixar margens de ação para os seres humanos, para as forças sociais, políticas, culturais.

Alguns acreditam no fim da história, em que nada leva a nada, que os seres humanos sao incapazes de mudar seus destinos. Fosse assim, ainda estaríamos na ditadura, ainda seríamos o país mais desigual do mundo, os monopólios dos meios de comunicação ainda estariam elegendo e reelegendo seus representantes para dirigir o Brasil em seu nome e na defesa do seus interesses.

Outros têm medo da história. Que se descubra sua participação durante a ditadura, de que pregaram o golpe, apoiaram a ditadura, acobertaram seus crimes, muitos enriqueceram. Tentam enfraquecer a Comissao, duvidar da sua capacidade de investigação, introduzir a desconfiança sobre seus resultados.

Mas a Comissão é uma conquista da democracia, dos que lutam pela apuração das violações dos direitos humanos durante a ditadura. A aprovação da Comissão cria um novo espaço de luta, de disputa para que as investigações consigam incluir a todas as violações e as conivências com elas, apurando os fatos e as responsabilidades, pessoas e institucionais.

Quem não deve, não deve temer nada do trabalho da Comissão. Deve apoiar seus trabalhos, contribuir para esclarecer tudo o que aconteceu no período ditatorial e a elaborar a versão que a democracia brasileira tem da ditadura.
Postado por Emir Sader às 21:02

714- Cesárea Évora - Colulna do professor Virgilio Mattos


NOTÍCIA MUITO TRISTE
CESÁRIA ÉVORA, aos 70 anos, em estado de “grande debilidade”, segundo o último boletim dos médicos que a assistem em Paris, foi obrigada  a encerrar sua carreira.
Muito problema e muito sofrimento, esta a resumida causa posso adiantar.
Natural do Mindelo, onde nasceu em 1941, Cesária Évora era considerada a «embaixadora da morna», música que transmite a melancolia das ilhas cabo-verdianas.
Destaco, pessoalmente, AUSENCIA, no álbum UNDERGROUND, de Goran Bregovic.
Em tempos de tanta bobagem musical, no Brasil e no mundo, vai fazer uma falta danada.
Saudade antecipada minha querida!

713- Palestinos e America Latina - artigo de Eric Nepomuceno

Palestinos e América Latina: coincidências, divergências, decências

As presidentes da primeira e da terceira economia da América Latina, e que são as duas maiores da América do Sul, Dilma Rousseff e Cristina Fernández de Kirchner, apoiaram de forma clara e contundente a Palestina. Seus estrategistas de relações exteriores se mobilizaram para conseguir a adesão unânime dos chanceleres sul-americanos a uma declaração conjunta dos países árabes e dos governos da América do Sul em defesa dos palestinos. Quase conseguiram: faltou um. O governo da Colômbia. O artigo é de Eric Nepomuceno.

De tudo que aconteceu nesses últimos dias na ONU, alguns momentos merecem atenção – e não me refiro aqui ao mais óbvio de todos, o discurso, esse sim histórico, do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmud Abbas, pedindo para seu país ser aceito como estado-membro.

Também merece atenção um fato que diz respeito à América Latina: as posições adotadas pela região diante da reivindicação palestina mostram indícios de uma clara divergência, e que essa divergência reflete, por sua vez, um grau maior ou menor de alinhamento – ou dependência, conforme o ponto de vista – diante de Washington.

As presidentes da primeira e da terceira economia da América Latina, e que são as duas maiores da América do Sul, Dilma Rousseff e Cristina Fernández de Kirchner, apoiaram de forma clara e contundente a reivindicação palestina. E mais: seus estrategistas de relações exteriores se mobilizaram rapidamente para conseguir a adesão unânime dos chanceleres sul-americanos a uma declaração conjunta dos países árabes e dos governos da América do Sul em defesa dos palestinos.

Quase conseguiram: faltou um. O governo da Colômbia, terceira economia sul-americana e quarta da América Latina, preferiu não mandar seu chanceler ao encontro em que os termos do documento foram negociados. O próprio presidente colombiano, Juan Manuel Santos, ao sair de um encontro privado com Dilma Rousseff, repetiu o que havia feito antes, em seu discurso na Assembléia Geral: um pedido para que Israel e os palestinos voltem a negociar ‘assim que possível’.

Outro país que preferiu manter-se à margem foi o México, segunda economia da América Latina. Em seu discurso na ONU, o presidente Felipe Calderón falou da turbulência que afeta seu país, criticou o tráfico de drogas, voltou a pôr a culpa dos estragos padecidos pelo México nos Estados Unidos, disse que 30% dos jovens norte-americanos são consumidores de drogas. Na hora de falar da reivindicação dos palestinos, disse que não era favorável e defendeu o diálogo com Israel. De peso político e econômico muito menor, a Guatemala também virou as costas para os palestinos.

O que chama a atenção, porém, é o fato de as quatro maiores economias latino-americanas estarem claramente divididas entre uma posição pró-palestina e outra, pró-Israel e pró-Washington.

É sabido e reconhecido que os países latino-americanos estão, hoje, muito melhor preparados que há dois anos para enfrentar as crises globais, cujo eixo saiu dos Estados Unidos e passou para a Europa. Isso deveria, ao menos em tese, permitir que pudessem adotar posições próprias, o que faria com que na hora de entrar em outras searas – os organismos financeiros multilaterais, por exemplo – estivessem fortalecidos para, juntos, defender interesses comuns.

Claro que há de se considerar a real possibilidade de que tanto Juan Manuel Santos como Felipe Calderón estejam realmente convencidos de que os palestinos não devem reivindicar nada e sentar-se com Israel para ver o que conseguem. Claro que pode acontecer que, de fato, haja uma plena coincidência com a intransigente posição de Washington, e que tudo não passe disso: uma coincidência.

Há outras coincidências, porém, que não podem ser ignoradas. Os dois países dependem visceralmente dos Estados Unidos. A Colômbia chegou a provocar fortes turbulências com seus vizinhos sul-americanos ao aceitar um pacto militar, em 2009, que previa a instalação de mais cinco bases dos Estados Unidos em seu território. Foi preciso a dura intermediação de vários presidentes sul-americanos, com Lula da Silva à cabeça, para impedir, na última hora, que o acordo fosse assinado. O México, por sua vez, depende a tal ponto da economia norte-americana que seu alinhamento com as posições de Washington é praticamente automático. Foram-se os tempos de uma política externa que mantinha independência e freqüentemente se chocava de frente com os ditames imperiais vindos da fronteira norte.

De coincidência em coincidência, vale também relembrar outra: não é de hoje que, apesar de todos os conflitos em seu comércio bilateral, Brasil e Argentina caminham por numa vereda cheia de pontos de encontro em suas políticas externas. Isso vem acontecendo desde 2003. Nestor Kirchner e Lula da Silva foram parceiros na hora de rejeitar a esdrúxula idéia norte-americana de criar a ALCA, a nefasta Aliança de Livre Comércio das Américas, liquidaram as dívidas de seus países com o FMI quase que na mesma época, atuaram juntos para impedir golpes de Estado na Bolívia, na Venezuela e no Equador. E essa coincidência se se repete agora, de forma sólida, com Dilma Rousseff e Cristina Kirchner.

Como se pode notar, há coincidências boas e coincidências ruins. Tudo depende do ponto de vista de quem observa. Há quem ache que atuar de maneira correta e consistente é ter plena liberdade para fazer tudo que seu mestre mandar. Há quem ache que atuar de maneira correta e consistente é ter integridade para fazer o que é mais digno. E não há coincidência possível entre uma e outra postura.

712- A ditadura volta a Minas Gerais - Coluna do professor José Luiz Quadros de Magalhães

ANTES DE LER O ARTIGO VEJAM O VIDEO E AS FOTOS

Greve dos professores: mais um dia!
A ditadura volta a Minas Gerais!

por Jose Luiz Quadros de Magalhães


O leitor deve estar pensando: a ditadura voltou? Mas, ela já não está aí há muito tempo? Pois é, o titulo é só uma provocação, só para chamar atenção. A ditadura já está em Minas Gerais há muito tempo, e o pior é que os mesmos donos de jornais, rádios e redes de TV que se autocensuram, que traem a democracia e os princípios constitucionais de liberdade de expressão são os mesmos que “denunciam” a falta de liberdade em outros países. Hipócritas. Há um problema recorrente nestas pessoas no poder: falta espelho (ele só têm o espelho de narciso). Sempre acusando os outros são incapazes de se perceberem como violadores da Constituição, como violadores da Democracia, da República e das leis. Estes são os piores bandidos (o fora-da-lei com poder supostamente legal).
Existe outra categoria de pessoas perigosas: os que cumprem ordens ilegais. Não posso fazer nada, estou cumprindo ordens, dizem. Esquecem que não estão obrigados a cumprir ordens ilegais ou flagrantemente inconstitucionais. Basta um mínimo de conhecimento jurídico, ou para não pedir muito, basta um mínimo de bom senso. Agredir pessoas é permitido para os que estão fardados? Onde está escrito, em qual lei da república (com letra minúscula, escondida e oprimida está a república que de pública não tem nada), em qual Constituição está escrito que os cidadãos, donos da República (com letra maiúscula, a República que conquistaremos um dia) podem ser tratados pelos seus servidores como lixo, como bandidos. Quem é o bandido nesta história.
E nossas praças privatizadas? E os palácios? Já viram uma República com tantos palácios? Para mim os palácios pertenciam à monarquia e deveriam todos virarem museus públicos. Inclusive os palácios da Justiça. Queremos um Justiça republicana que não viva em palácios e não vista toga mas que vista as roupas que todos vestimos. Entretanto nossa república esta cheia de palácios. Só o governador (?) tem três: um palácio de verão, um de inverno (nas Mangabeiras) e um para despacho (eparrei). Acredito que todos eles deveriam virar museus e espaços públicos recreativos. Nas Mangabeiras poderíamos inclusive fazer um clube público, com piscinas públicas como aquelas que encontramos em outros países mais democráticos.
Que patética cena: enquanto meia dúzia de autoridades (otorydadys – conhecem esta espécie? Vem do gênero otorytatys sin nocyonis) fora do mundo, protegidos por centenas de policiais (que deveriam, se agissem de forma constitucional, proteger os cidadãos contra o governo inconstitucional), festejam os bilhões de dólares que poucos vão lucrar às custas dos espaços e dinheiros públicos investidos na Copa do Mundo, o povo corre da polícia, o povo é reprimido pelo estado que pertence ao povo, ou deveria pertencer. As câmeras e os jornalistas das grandes rádios e televisões estavam no lugar errado, como sempre. Não deveriam filmar aquela festa podre, com pessoas, algumas até muito suspeitas. Interessante episódio moderno: centenas de policiais protegendo alguns suspeitos, alguns até respondendo processo; outra centena de policiais atirando balas de borracha e gás lacrimogêneo em pessoas desarmadas, trabalhadores, professores, cidadãos; tudo isto para garantir uma festa realizada com muito dinheiro público para permitir muito lucro privado, onde o povo, o cidadão fica de fora: quantos poderão assistir um jogo da copa do mundo. Para estes no poder o lugar do povo é em frente a TV. Pode ser que os governos eleitos sorteiem juntamente com as grande empresas, alguns ingressos para os que permitem a festa com seu trabalho: todos nós que trabalhamos .
Pergunto-me diariamente: quando é que a ficha vai cair. Quando é que vamos acordar, todos nós, que nunca somos convidados para a festa que a policia protege. Quando vamos cansar de apanhar da polícia que deveria nos proteger. Será que as coisas já não estão suficientemente claras? Governos eleitos com muita grana do financiamento privado de grandes banqueiros mentem para nós antes das eleições. Não elegemos livremente ninguém, isto não é uma democracia. Escolhemos a cada 4 anos o melhor escritório de marketing. Essas pessoas no poder, na maioria dos casos não nos representam (há exceções). Representam os seus próprios interesses e os interesses daqueles que pagaram sua eleição. Quando vai cair a ficha? A polícia que bate no povo e protege o patrimônio dos ricos e as festas do poder, onde o povo está sempre de fora. Copa do Mundo, Olimpíada, comemorações de grandes corporações (que sustentam a mentira do nacionalismo moderno) onde assistimos vinte e dois milionários correndo atrás da bola sem nenhum outro compromisso a não ser com o sucesso pessoal, a vaidade e o dinheiro. Muito dinheiro. Tem alguns que até choram. Eventos que comemoram e exaltam o melhor, o corpo perfeito, a “performance” perfeita. Há muito que todos estão fora desta festa. Não podemos participar. Somos todos imperfeitos, não temos aquela saúde perfeita, aquele corpo perfeito, aquele patrocinador perfeito. Somos trabalhadores e nosso corpo e mente está marcado pelo trabalho. Não temos tempo para a perfeição.
Quando é que a ficha vai cair? Até quanto você vai ficar levando “porrada”? Até quando você vai ficar financiando estas festas podres com gente esquisita?
Filmem tudo, tirem foto de tudo, escrevam, falem, não se conformem. Reclamem seus direitos, exijam que os que têm poder econômico e político cumpram a Constituição e respeitem a República. Processem. Processem. Processem. Toda vez que forem agredidos pelo estado processem, fotografem, filmem. Mandem os filmes e as fotos para todo o mundo saber que aqui em Minas Gerais vivemos uma ditadura econômica, onde os cidadãos são desrespeitados. Onde quem trabalha apanha do governo, é desrespeitado pela polícia. Contem isto para o mundo inteiro, todo dia, toda hora. Não acreditem que a história acabou. Não acreditem que não temos força, que não podemos fazer qualquer coisa. A história está nas nossas mãos, mas para construirmos a história que desejamos é necessário sair de frente da televisão e olhar para a vida, para o mundo. Podemos fazer qualquer coisa, inclusive construir uma democracia constitucional republicana, de verdade, real, em nosso país, onde os poderes públicos, onde a polícia sirva ao povo e não às grande empresas privadas. Mas para isto temos que nos movimentar.
            A irracionalidade do sistema está visível, sua incoerência é gritante, resta-nos mostrar diariamente tudo isto para todo mundo ver. O dia que as pessoas tiverem percebido o óbvio tudo mudará radicalmente. Mas é necessário cair a ficha. Desliguem seus televisores, exijam que as coisas, idéias, pessoas, sejam livres. Resgate o futebol para o povo, resgatem as praças para o povo, resgatem o dinheiro público para o povo, resgatem as instituições para o povo. Resgatem o governo, a TV, os jornais e rádios, resgatem a polícia e o exército; resgatem a cidade e as praças; resgatem a solidariedade e o amor; resgatem o carinho e o sexo; resgatem a natureza; resgatem as palavras seqüestradas: a palavra liberdade não pertence aos poucos que a seqüestraram. Escrevam o português à moda antiga, ou de um novo jeito. Ninguém é dono das palavras que você fala. Acredite na liberdade de um mundo sem dono, sem podres poderes. Libertem a palavra esperança do cárcere, lugar onde tantos de nós se encontram. Como diria Caetano:
“E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos, não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio”.