quarta-feira, 28 de setembro de 2011

719- Avançamos ou retrocedemos com as reformas? - Coluna do professor Alexandre Bahia


Avançamos ou Retrocedemos com as reformas?

Esta semana participarei do IV Congresso Internacional de Constituição e Processo promovido pelo Instituto de Hermenêutica Jurídica em Belo Horizonte. Na mesa o Prof. Lenio Streck (Unisinos) e eu vamos discutir os Avanços e os Retrocessos do incessante processo de reformas da lei processual levada a cabo no Brasil e sua conformidade com a Constituição.
Mas, por que discutir a conformidade das reformas processuais com a Constituição? A Constituição de 1988 representa um marco no que tange ao acesso à Justiça no Brasil. É a partir dela que a Constituição “invadiu” as outras salas do Direito; saiu ela do seu “pedestal” de respeitabilidade para o dia a dia das Faculdades e dos discursos de advogados e juízes nos mais variados processos.
Isso causou uma explosão de demandas no Judiciário. Este, por sua vez, não possuía estrutura (e nem expertise) para lidar com isso. A justiça que se antes era lenta, quando atendia a apenas alguns, após 88 entrou em agonia quando os brasileiros se viram como cidadãos possuidores de direitos que poderiam reivindicar.
A partir daí, nos anos 1990, começaram a reformas do processo. Dezenas de leis têm tentado, sem grandes sucessos, resolver o problema do excesso de processos, da demora processual e da ineficiência da justiça. Muitas vezes um mesmo instituto já foi alterado mais de uma vez (e.g., os agravos).
O problema é que a mera alteração dos procedimentos tem um duplo efeito perverso: em primeiro lugar, as limitações de acesso e de “conhecimento” de ações e recursos pune tanto aquele que litiga de má-fé quanto aquele que busca um legítimo direito. Em segundo lugar, a mera alteração de procedimentos não resolve um problema que não está na lei processual-procedimental. Ataca-se o efeito, é dizer, o excesso de processos e recursos e não a(s) causa(s). E estas estão, algumas, no Judiciário – mas não nos procedimentos previstos nos Códigos –, mas em questões como “os tempos mortos do processo” (é dizer, o tempo que se perde em tramitações internas das varas ou que o processo fica “concluso ao juiz”), que pode chegar a 80% do prazo que foi gasto para concluir uma causa; está na ausência de uma estruturação gerencial de funcionamento das varas, como o que vem sendo feito na Espanha, por exemplo, onde há a figura do “administrador judicial”, alguém com formação em administração (e não necessariamente em direito) e que, por isso, está apto a lidar com questões de logística, gestão de procedimentos e de pessoas, etc. Fora do Judiciário, mas relacionado a este, estão os privilégios da Administração Pública, a uma porque, não raro, pratica atos inconstitucionais e ilegais, a duas porque, uma vez em juízo, possui uma série de privilégios processuais. Há dados que mostram que mais de 70% de todos os processos no STJ tem como parte a União, a Caixa Econômica Federal e o INSS – só para falar dos órgãos públicos campeões de ações.
Por fim, a ausência de leis ou de políticas públicas leva à multiplicação de ações nas quais o cidadão, diante da inércia/ineficiência do Legislativo e do Executivo, busca no Judiciário o cumprimento da Constituição.
A crença de que, alterando-se leis de procedimento, o problema será resolvido, apenas gera frustração – para os propositores e para os destinatários – e também graves violações a direitos fundamentais como o devido processo legal e o direito ao contraditório. Porque, o que temos assistido é uma valorização dos “precedentes” e da uniformização homogeneizante das decisões judiciais – que pode ser visto em institutos como “repercussão geral”, “pinçamento de recursos extraordinários e especial”, art. 285-A, Súmulas impeditivas de recursos, etc[1].
A busca por uniformidade – e, portanto, tentar-se evitar que casos semelhantes sejam decididos de forma totalmente contrária – é um princípio que, ao lado (e não acima) de outros deve ser valorizado por aqueles que pensam e aplicam o direito. No entanto, isso não deve levar ao que temos visto, isto é, que a análise de casos, para que caibam numa Súmula ou “jurisprudência dominante”, seja de tal forma despida dos caracteres que escapam do que é comum a ponto de o Judiciário não mais resolver casos, mas somente “teses”/“temas”. Ora, nesse processo de “abstração”, em que caracteres específicos vão sendo abandonados para que se ache “o ponto comum”, além de se perder o caso, perdem-se também as teses, os argumentos, as provas e os debates havidos entre as partes.
Ao fim e ao cabo, há uma decisão que elimina processos, que resolve problemas numéricos, no entanto, peca no que deve ser uma decisão judicial: a resposta às pretensões das partes à luz dos fatos e do direito; e, como lecionava Liebman: “A decisão errônea, e não a decisão divergente é que se deve fulminar.


[1] Sobre isso cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Breves considerações da politização do judiciário e do panorama de aplicação no direito brasileiro - Análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória. Revista de Processo. São Paulo: RT, vol. 189, nov. 2010, p. 9-52.

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