A FILHA DE UMA GRANDE AMIGA FOI VÍTIMA, DE NOVO!
Virgílio de Mattos
Na última sexta-feira, quando iniciava um módulo na pós-graduação de uma faculdade particular de Belo Horizonte, uma aluna saiu visivelmente preocupada com o celular – que eu não tinha ouvido tocar - no ouvido e o cenho franzido. Foi conversar fora da sala.
Pensei: esse povo não tem a menor consideração mesmo. Nem meia hora de aula e já estão se ocupando com a balada pra depois da aula...
Mas ela voltou logo e com os olhos cheios d’água e o rosto muito crispado, o corpo todo tenso.
Nessas ocasiões eu quase nunca resisto e acabo me metendo mesmo:
- Algum problema? Alguma coisa que, talvez, eu possa ajudar?
- Meu filho foi “assaltado”.
- A senhora quer sair? Quer ir ficar com ele?
- Não. Tá tudo bem. Meu marido já está com ele...
Conversa daqui, conversa dali, todos envolvidos (ah como é boa a pós-graduação onde estão todos ali porque verdadeiramente querem estar ali) com a questão eu penso que já posso relaxar um pouco e brincar. Fazer o que numa situação dessas? E digo que o crime de “assalto” não existe. Logo, não havia acontecido nada. Ele poderia ficar tranquila.
Ela me interrompe:
- É a segunda vez, professor...
Sou obrigado a improvisar. Fingir que tenho dons de adivinho e começo a descrever o meu neto.
MIRACOLO! Como dizia ironicamente o professor Baratta: a descrição “batia”. Eram ambos adolescentes, brancos, louros, olhos claros, fortes e muito, muito preocupados em serem novamente vítimas dessa irritante “justiça social” quando expropria nossos próximos.
Brincamos com a vocação pra vítima que essa molecada tem e seguimos. Afinal, o prejuízo, afastado o susto, fora pequeno.
Hoje a filha de uma grande amiga foi vítima de novo. Só que não é tão jovem assim, tem a pele muito mais escura do que a minha, mora na periferia e trabalha duro pra sustentar os dois filhos pequenos, o também meu amigo J. que é chato com força e o bebê que não me lembro o nome. A mãe dela telefona pra dizer que a S. foi mandada embora de novo. Vence o contrato de experiência e ela é descartada como um tomate muito maduro que a gente não quer nem pra fazer molho.
Só que dessa vez foi mais duro. Um policial que “trabalha” na mesma empresa, exatamente “levantando” quem já passou pelo sistema penal a chamou de vagabunda, por isso ela seria dispensada, porque era vagabunda.
Pra ser explorada, ganhando o salário mínimo, ela não foi considerada vagabunda e servia. Depois que descoberto o anterior contato com o sistema penal, não. Mesmo que tenha cumprido a pena, mesmo que não tenha tido nenhum outro contato com o sistema penal (já lá se vão quase quatro anos), o que, sabemos todos como são essas coisas, é muito difícil.
Ela argumentou que já havia pagado tudo. Na verdade ela disse que vagabundo era ele que estava ali recebendo da polícia e fazendo o papel feio de X-9 do passado dos outros, de quem estava correndo atrás de forma lícita e limpa, ao contrário dele que recebia aquele ‘troco’ do patrão pra fazer o feio papel de dedão do passado dos outros.
O passado dela não passa, me dizia a mãe.
E eu, que já ando com a corda no pescoço de tanta tristeza, quase engasgo de vez dessa vez.
O que querem esses filhos da puta? Que a presa quando saia só possa voltar a ser presa?
O passado não passa nunca? É tudo sempre pra sempre?
Por isso é que tem gente que esquenta a cabeça e volta. Volta a partir pra cima. Volta com tudo pra não voltar.
Vocês estão me entendendo? Só existe a expropriação do pequeno ladrão porque são permitidos os grandes ladrões que expropriam tudo, até os sonhos das pessoas.
A filha de uma grande amiga foi vítima, de novo.
Até quando, me pergunta meu neto quando é vítima lá do jeito dele, isso vai continuar?
Caro Prof., meu nome é Ary Neto e minha namorada é aluna de sua esposa. Gostei muito do seu blog. Gostaria esperava ter visto um comentário seu ao Movimento Zeitgeist, mas não consegui encontrar. Eu torço para que toda essa injustiça não dure por muito mais tempo. Só a ciência...
ResponderExcluirAbraço,
Ary