quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Teoria do Estado 7

A ALTERNATIVA
Jose Luiz Quadros de Magalhaes

Qual a alternativa para esse megapoder global? Podemos dizer que a resistência ocorre hoje em dois flancos: a sociedade global e a sociedade local, duas faces de uma mesma moeda. O cidadão é hoje global e local. A sociedade de comunicação deve fincar suas bases em um território, núcleo de organização social e de criação de modelos econômicos e sociais alternativos capazes de gerar novos valores alternativos ao materialismo da sociedade de consumo e à lógica perversa da concorrência. O núcleo local é o principal na transformação de valores e de realização de justiça social e econômica. Simultaneamente, esse núcleo local deve estar em comunicação permanente com outros núcleos (organizações sociais; organizações não-governamentais – ONG’s, municípios, comunidades de bairro, rádios, jornais e televisões comunitárias, etc.) de todo o mundo. A inserção desses núcleos na comunicação global garante seu arejamento e evolução constante, afastando o perigo ultranacionalista, a exclusão étnica, racial, religiosa, cultural ou a mais sofisticada forma de exclusão ainda nascente, mas não menos assustadora – a exclusão genética.
Anthony Giddens no seu livro Modernidade Reflexiva e em artigo em obra coletiva intitulada Reinventando a Esquerda, organizada por David Milliband e publicada pela editora UNESP, nos sugere o seguinte raciocínio, que ressalta uma perspectiva positiva da sociedade global a partir da evolução da globalização: um processo de destradicionalização que não seria o abandono das tradições, mas sim um processo de fortalecimento a partir do contato com outras culturas, outros valores, que permitiria ao cidadão refletir sobre seus próprios valores e cultura, retirando a tradição de um espaço não reflexivo (a tradição pela tradição ou o fundamentalismo) para um espaço reflexivo, onde ele possa separar o joio do trigo, ou o que lhe serve do que não lhe serve mais, e, desta forma, de maneira consciente, conservar o bom e construir o novo.
De fato não nos perguntamos por que insistimos em acreditar que o consumo pode nos levar à felicidade, pois com certeza o dia que nos fizermos esta pergunta descobriremos, para nosso susto e temor, que a felicidade não está em um carro importado, uma bela jóia ou qualquer outro bem supérfluo ou não.
O contato com o diferente, com valores e fórmulas de felicidade diferentes, ou seja, o pluralismo e a diversidade cultural, nos permite evoluir e resistir à massificação das empresas globais, onde em qualquer parte do globo se come o mesmo sanduíche, a mesma pizza ou o mesmo frango frito.
A pergunta que se segue é a seguinte: Como criar uma sociedade reflexiva no Brasil? Esta pergunta pode ganhar diversas formas diferentes com o mesmo sentido, mudando, entretanto, o referencial teórico: Como possibilitar um agir comunicativo efetivo? Como construir uma democracia dialógica? Como construir uma democracia radical? Enfim, qual caminho devemos seguir para efetivar no Brasil a democracia participativa efetiva?

Poder local – O Brasil não pode esperar um Estado social para ser democrático

Fruto de uma colonização européia e de um recorrente sentimento de saudade da matriz, nossos acadêmicos adotaram como “santos” do pensamento contemporâneo vários alemães, ingleses, norte-americanos, franceses, dentre outros, como se nós nunca fôssemos capaz de pensar tão bem como eles. Eu mesmo acabei de fazer isso. Entretanto, a partir desses “santos”, não nego suas contribuições e importância. Devemos construir nossas alternativas, para o Brasil e para a América Latina, a partir de nossa cultura e de nossa história, uma vez que a história não se copia nem se repete, ainda mais com personagens tão diferentes.
Devemos lembrar que o pensamento de importantes autores contemporâneos foi construído sobre uma base histórica que nós não vivenciamos. Quando, por exemplo, Habermas fala em uma ação comunicativa, parte de uma realidade de um povo que viveu a experiência da implementação efetiva de um Estado social, o que no Brasil nunca ocorreu. Logo, os pressupostos de comunicação em uma população muito mais homogênea (pois tem uma população com 99% de acesso à educação de qualidade, segundo dados do PNUDH) como a população alemã são diferentes dos que o Brasil possui: ainda 17% da população não sabe sequer escrever o nome e o apartheid social é radicalmente grave e injusto.
A construção de uma democracia dialógica, radical, participativa no Brasil passa, por esse motivo, por uma discussão territorial e, especialmente no nosso caso, pela discussão do pacto federativo. Só no nível local conseguiremos incluir uma população inteligente, que espera por justiça, mas não apta para as discussões em nível macro, ou seja, da União. O povo sabe o que quer, e aos poucos está aprendendo a diferenciar o discurso da prática política. Todos os discursos podem ser iguais, mas poucos têm um projeto e uma prática de libertação política e de libertação da miséria. O povo simples pode não saber ainda a diferença teórica entre neoliberalismo e socialismo, mas sabe a diferença entre ser escravo e ser dono da sua própria vida. Se a discussão neoliberal está distante da compreensão de muitos no Brasil, ao trazermos essa discussão para a concretude do município, ela fica clara para todos: neoliberalismo significa a má qualidade do ensino ou a falta da escola; a má qualidade da saúde ou a falta do posto de saúde e do hospital; a falta de saneamento, etc. No município as teorias ganham concretude.
O nosso caminho é, portanto, a descentralização radical. Entretanto, essa descentralização de nada adianta sem a mudança das bases de poder no munícipio, com a mudança do sistema de governo (adotando-se o sistema diretorial), o fortalecimento do Parlamento Municipal, o fortalecimento dos Conselhos Municipais deliberativos, a separação da função de governo da função administrativa, com a criação de entidades autárquicas autônomas desvinculadas do governo para gerir saúde e educação, além da criação de empresas públicas municipais de propriedade coletiva dos moradores do município. A separação da função administrativa da função de governo é hoje fundamental. Não podemos mais conviver, em nenhum nível da administração, com o modelo arcaico de administração que mantém o excesso de cargos de confiança. Estes devem diminuir radicalmente para ceder lugar a uma administração profissional, concursada, autogerida pelos seus trabalhadores e pela sociedade local, com controle social, o único mecanismo de controle eficiente e democraticamente parcial (uma vez que a imparcialidade é improvável ou inexistente).
Importante ressaltar que, ao defendermos uma administração pública desvinculada do governo, não estamos defendendo o discurso tecnocrata e autoritário do passado. A função de governo visa estabelecer o direcionamento das políticas públicas, o que não deve ser confundido com a gestão dos serviços públicos. Acreditamos também que a gestão dos serviços públicos deve ser democrática, o que implica mecanismos democráticos de acesso aos cargos de direção, que não seja a indicação pelo Executivo ou mesmo pelo Legislativo, mas sim pelos trabalhadores públicos e pela sociedade à qual se direciona o serviço.
Passamos, a seguir, à análise de dois importantes aspectos relativos à democracia participativa, que não podem prescindir da democracia representativa e da descentralização: primeiro, a reforma política e a do sistema de governo nos diversos níveis, o fortalecimento dos partidos políticos ideológicos e depois a reforma da federação brasileira com a mudança no sistema de repartição de competências.

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