quinta-feira, 19 de maio de 2011

371- Direitos Humanos 43 - direitos políticos

Capítulo 5


DIREITOS POLÍTICOS

José Luiz Quadros de Magalhães



O último grupo de direitos que formam os direitos fundamentais do ser humano (Direitos Humanos) é o dos direitos políticos fundamentais, assim chamados porque constantes do texto constitucional.

Já estudamos separadamente os direitos individuais – o primeiro grupo de Direitos Humanos que surge com o Estado Liberal no século XVIII; os direitos sociais – Direitos Humanos, chamados por alguns de segunda geração, que vêm oferecer meios de efetivação dos direitos individuais; e os direitos econômicos incluindo os Direitos Humanos de terceira geração, como o direito ambiental e o do consumidor. Procuramos demonstrar a perfeita integração entre direitos que se complementam, não se podendo falar em plenitude de Direitos Humanos sem a existência de todos os grupos de direitos que os compõem, incluindo os direitos políticos.

A importância dos direitos políticos para os Direitos Humanos não é demonstrada por uma construção teórica, como procuramos fazer ao mostrar os elos de ligação e complementação entre os outros três grupos de direitos fundamentais. A sua importância surge de uma constatação fática e histórica. Em nenhum momento da história, em nenhum país do mundo, houve ofensa à democracia sem violação dos direitos individuais e das liberdades básicas, como a liberdade de expressão e de consciência. Entretanto, com a evolução tecnológica, com os modernos meios de comunicação social e as modernas técnicas de propaganda e controle da opinião pública, têm os detentores desse poder de comunicação eficazes meios de manipulação de massas, que, sem dúvida, podem colocar em xeque a democracia política, instaurando uma moderna forma de perpetuação no poder de uma elite econômica, que controla os meios de comunicação social.

Moacir Pereira observa que a existência do oligopólio nos meios de comunicação social, especialmente o da televisão, “não é garantia de democratização da informação e participação da sociedade nos processos políticos, educacional, econômico e de comunicação. Muito ao contrário, a privilegiada posição simboliza, no particular, o monstro sagrado desse oligopólio a ditar normas de comportamento social, ético, político e religioso para a maioria da nação.

A quarta rede mundial de TV atinge hoje 16 milhões de receptores, um público estimado em cerca de 85 milhões de telespectadores, massa compacta passiva que tudo consome, sujeitando-se aos competentes e, geralmente, alienantes programas televisivos.1 Por esse motivo é atual e necessária a discussão dos direitos políticos e da democracia, que deve ser constantemente aperfeiçoada, sendo levada a formas de participação mais efetivas da sociedade civil na gestão dos interesse públicos.

Esses direitos políticos são também dependentes dos outros direitos fundamentais da pessoa humana, pois, para efetivação de um modelo de democracia mais participativa e, portanto, mais representativa da vontade consciente da população, dependem (esses direitos políticos) do direito social à educação, como forma de conscientização da população, e de cada um, como sujeito de inúmeros direitos e como titular do Poder Público que deve pertencer ao povo. Dependem os direitos políticos dos direitos econômicos, mais precisamente, de normas do Estado que concretizem uma política econômica que busque a democracia econômica, sem a qual, como já tivemos oportunidade de observar, a democracia está em xeque.

É, pois, o tema de uma importância fundamental, principalmente quando a mídia anuncia o sucesso de um sistema econômico que é colocado como perfeito, como se tivessem encontrado a sociedade a que se aspirava. É o risco da imutabilidade da “perfeição”, o velho constantemente mostrado como novo, mudando-se o discurso e o rótulo.

Robert Nozick critica três teses políticas de nosso tempo (o liberalismo, o socialismo e o conservadorismo), fazendo, ao final de seu trabalho, a defesa do “Estado Mínimo”, afirmando que este é moralmente legítimo, sendo que nenhum Estado mais extenso poderia ser moralmente justificado porque inevitavelmente violaria os direitos do indivíduo. Acrescenta o autor:



“Vemos agora que este Estado moralmente aprovado é o que melhor realiza as aspirações utopistas de incontáveis sonhadores e visionários. Ele preserva tudo o que podemos conservar da tradição utopista e abre o resto dela às nossas aspirações individuais. [...]

O Estado Mínimo trata-nos como indivíduos invioláveis, que não podem ser usados de certas maneiras por outros, como meios, ferramentas, instrumentos ou recursos. Trata-nos como pessoas que têm direitos individuais, com a dignidade que isso pressupõe. Tratando-nos com respeito ao acatar nossos direitos, ele nos permite, individualmente ou em conjunto com aqueles que escolhemos, determinar nosso tipo de vida, atingir nossos fins e nossas concepções de nós mesmos, na medida em que sejamos capazes disto, auxiliados pela cooperação voluntária de outros indivíduos possuidores da mesma dignidade. Como ousaria qualquer estado ou grupo de indivíduos fazer ‘mais’ ou ‘menos’?”2



Como se fosse algo novo, apresenta Robert Nozick toda uma concepção de um individualismo egoísta, com um Estado Mínimo presente para vigiar e punir quando necessário. Reproduz o autor todo o individualismo do século XVIII, expressado pelo liberalismo clássico. É o velho vestido de novo; entretanto, a ingenuidade permanece apesar dos anos, quando fala em “auxílio voluntário dos outros indivíduos”. Como no liberalismo do século XVIII, a preocupação excessiva com o Estado como opressor omite a opressão social e econômica, a opressão no trabalho, a opressão na fábrica, ou seja, a enorme opressão do egoísmo privado. Nada de novo.

Nesse sentido, a democracia participativa, amparada no direito social à educação como forma do exercício real da liberdade de consciência, na democracia econômica e, como conseqüência, na democracia dos meios de comunicação social, com a participação efetiva na sua gestão, é a única resposta para as aspirações populares. Não é o filósofo isolado da realidade social dos diversos pontos do mundo que encontrará solução e que poderá dizer quem oprime e o que deve cada ser humano querer. É o próprio povo educado e consciente o único portador da chave da utopia, apontando e escolhendo o seu próprio caminho, utilizando-se de seus direitos políticos de cidadão, numa democracia em constante processo de aperfeiçoamento.

Após essas colocações, é necessário conceituar direitos políticos, o que faremos desenvolvendo essa teoria na doutrina clássica e moderna.





1 DIREITO POLÍTICO E DIREITOS POLÍTICOS



A expressão direito político é empregada com significados diferentes pela doutrina, freqüentemente utilizada como sinônimo de Direito Constitucional, e outras vezes, como no livro de Ekkehart Stein, como Direito do Estado.3 Nesse livro, sob esta denominação de “direito político”, desenvolve-se o estudo da estrutura do Estado.

Carlos Sanchez Viamonte,4 da mesma forma, utiliza a expressão “direito político” para significar o estudo da teoria do Estado, analisando a polêmica que envolve a questão quando escreve que



“toda a pretensão de fazer uma clara distinção entre Direito Político e Direito Constitucional frustrar-se-á em um empenho impossível. Poderíamos dizer que Direito Político é o Direito Constitucional, como não se confunde com a Ciência Política. Na verdade o Direito Político é a combinação destas duas disciplinas independentes em uma só.”



Defende Pablo Lucas Verdú a existência de uma “disciplina denominada Direito Político que abarca um setor jurídico (Direito Constitucional) e outro científico-político (Ciência Política).”5



Acrescenta o citado professor de Direito Político:



“Quienes mantienen la independencia de la Ciencia política arrastando con ella el sector científico-político que informa al Derecho Político, no se percatan que ese sector de nuestra disciplina afecta sólo a las instituciones y procesos políticos característicos (partidos, elecciones, etc.), que se estudian en su projección jurídico política y no pretende volatizar sus aspectos jurídicos como hace la Ciencia Política independiente; el Estado convertido en sistema político, el proceso electoral desdeñando los aspectos jurídicos y el concepto jurídico-político de la representación; que excluye el conocimiento y función política de la Constitución, de las leyes y del proceso judicial; que soslaya el tema de la soberanía o ho reduce a tema histórico, etc.”6



Em outro momento, Pablo Lucas Verdú demonstra que “Direito Político” não é o mesmo que “Teoria Geral do Estado”, conforme está caracterizado na doutrina alemã. Para ele a formação de uma Teoria Geral de Estado só foi possível na Alemanha pela existência de uma situação especial de “quietismo político”, que levou à redução de dados empíricos e esquemas generalizadores; entretanto, uma “Teoria Geral do Estado” só seria possível com a existência de padrões constitucionais comuns aos diversos povos. Exigem-se, portanto, bases jurídicas e ideológicas coincidentes, pois, caso contrário, se torna impossível elaborar uma Teoria Geral de diversos Estados separados entre si por diferenças institucionais e políticas.7

Por esse motivo, não se deve considerar como generalização a Teoria do Estado, já que a realidade estatal não pode ser captada com padrões formais, válidas para todos os tempos e lugares de modo fixo e permanente, assinalando-se por esse motivo a crise da “Teoria Geral do Estado”.

A doutrina francesa não utiliza a expressão direito político para significar o que Pablo Lucas Verdú considerou como uma disciplina que abarca um setor jurídico e outro constitucional. Na doutrina francesa encontramos o Curso de Instituições Políticas e Direito Constitucional, que nas palavras de Pierre Dabezies surge



“sous l’influence d’une science politique jeune, et donc ambicieuse, cet enseigment d’abord exclusivement juridique s’est ouvert aux realités du monde politique. Il n’ignore plus le role des partis politiques ou des syndicats, l’influence des religions ou des armées, les conséquences décisives de l’Etát et du développement des forces productives”.8



Pierre Pactet, em outras palavras, completa que estudar instituições políticas e direito constitucional é estudar o exercício do poder no quadro de um dado Estado, e ainda, de maneira mais simples, porque mais concreta, estudar os regimes políticos praticados no mundo e na França, acrescentando que um regime político aparece sempre em um determinado Estado como resultante do jogo de forças políticas.9

Mas é hora de nos perguntarmos: qual a relação entre direito político e Direitos Humanos? Não é o direito político o conteúdo dos Direitos Humanos, mas sim determinados direitos políticos que se referem ao direito de participação no Poder do Estado, envolvendo as questões de participação no Poder do Estado e a abordagem dos regimes políticos, dos partidos políticos e das formas de participação popular no Poder do Estado.

Bem observa Luis Sanches Agesta:



“Los derechos políticos están intimamente vinculados a la estrutura misma del régimen político, porque son derechos de participación. Non significan, como los derechos individuales, uma esfera de autonomía o un limite de la acción del poder público, ni, como los derechos sociales, uma demanda que ha de ser satisfecha por el Estado. Son como los derechos públicos, con los que a veces tienen uma línea de separación casi inapreciable, derechos de participación. Pero con un objeto distinto del que corresponde a las liberdades o los derechos públicos, aunque están intimamente relacionados con ellos. Las libertades o derechos públicos suponen una participación que repercute directamente sobre las corrientes de opinión; contribuyen a formar la opinión ou son ‘libertades’ que expresan el pluralismo de crencias y opiniones. Los derechos políticos significan una participación directa en las decisiones del poder político y se les configura como una ‘libertad’, en cuanto representan una capacidad de elección sobre la organización misma del poder, las personas que han de ejercerlo o las decisiones misma del poder, las personas que han de ejercerlo o las decisiones mismas que este adopta.”10



São os direitos políticos, entendidos como participação popular no Poder do Estado de forma direta e indireta, conteúdo dos Direitos Humanos e fundamentais para a existência dos direitos sociais, econômicos e, principalmente, individuais.

Como já ficou demonstrado, a relação entre os direitos políticos e os outros grupos de direitos fundamentais dos seres humanos realiza-se em dois sentidos. Os direitos sociais são essenciais para os direitos políticos, pois será através da educação que se chegará à participação consciente da população, o que implica também necessariamente o direito individual à livre formação da consciência e à liberdade de expressão e informação. Os direitos econômicos, da mesma forma, colaboram para o desenvolvimento e a efetivação da participação popular através de uma democracia econômica. Como já foi dito, a inexistência de uma democracia econômica põe em risco a democracia política. No sentido inverso, os direitos políticos são essenciais para as liberdades individuais (a primeira conseqüência do autoritarismo é o fim das liberdades públicas) e para a efetivação dos direitos sociais e econômicos, que são aspirações populares que se expressarão através dos instrumentos democráticos da participação. Portanto, os grupos de direitos individuais, sociais, econômicos e políticos se completam, se fundem, apontando como resultado-síntese os Direitos Humanos.

Para melhor abordagem dos direitos políticos, estudaremos brevemente os partidos políticos (instrumentos de participação no Poder do Estado) e os regimes políticos (formas de participação, ou não, no Poder do Estado), para então localizarmos esses direitos políticos na Constituição brasileira e em algumas Constituições estrangeiras.



CITAÇÕES:



1 PEREIRA, Moacir. A democratização da comunicação – O direito à informação na Constituição. São Paulo: Global, 1987, p. 9.

2 NOZICK, Robert. Anarquia, Estado e utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 1991, p. 357-358.

3 STEIN, Ekkehart. Derecho político. Madrid: Aguillar, 1973; SANGUINETTI, Horácio. Curso de derecho político. Buenos Aires: Astrea, 1980; NATALE, Alberto A. Derecho político. Buenos Aires: Depalma, 1979; VERDÚ, Pablo Lucas. MURILLO DE LA CUEVA, Pablo Lucas. Manual de derecho político. Madrid: Tecnos, 1987, v. I.

4 VIAMONTE, Carlos Sanchez. Manual de derecho político. Buenos Aires: Bibliográfica Argentina, 1959, v. 13.

5 VERDÚ, Pablo Lucas. Curso de derecho político. Madrid: Tecnos, 1984, v. II, p. 45.

6 VERDÚ, Pablo Lucas. Curso de derecho político, cit, p. 45.

7 VERDÚ, Pablo Lucas. Curso de derecho político, cit., p. 25-26.

8 DABEZIES, M. Pierre. Cours de droit constitutionnel et d’institutions politiques – Les cours de droit. Paris, 1979-1980, p. 9.

9 PACTET, Pierre. Institutions politiques droit constitutionnel. Masson, Paris – Milan-Barcelone: México, 1989, p. 7-8.

10 AGESTA, Luis Sanchez. Sistema político de la Constitución española de 1978. Madrid: Nacional, 1980, p. 150.

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