quinta-feira, 19 de maio de 2011

369- Direitos Humanos 41 - Pleno emprego

6.6 PLENO EMPREGO (DIREITO AO TRABALHO)




José Luiz Quadros de Magalhães



No direito ao trabalho (pleno emprego) temos uma caracterização perfeita da ligação necessária entre três grupos de direitos que compõem os Direitos Humanos: direitos econômicos, direitos sociais e direitos individuais. Já estudamos o Direito do Trabalho entre os direitos sociais, assegurando o direito a uma jornada máxima de trabalho, justa remuneração e co-gestão, dentre outros direitos trabalhistas. Este direito social do trabalho é necessário para que se possa falar no direito individual à liberdade. O trabalho com justa remuneração liberta o homem, oferecendo-lhe meios materiais para usufruir de suas liberdades. Temos aí, portanto, um direito social em relação necessária com direitos individuais. Falta ainda um outro elo dessa corrente: o Direito Econômico, através do qual o Estado poderá oferecer o pleno emprego com uma política econômica que objetive essa finalidade. Para que o ser humano tenha direitos trabalhistas que possibilitem a sua libertação e desenvolvimento como pessoa, deve, em primeiro lugar, ter trabalho, e o acesso ao trabalho depende de uma política econômica, materializada em norma de Direito Econômico, que possibilite o Direito ao Trabalho; e como conseqüência, transforme o ser humano em um trabalhador com dignidade, com direitos no trabalho (direito social), podendo assim realmente ser livre (direito individual).

Como podemos notar, esses grupos de direito que compõem os Direitos Humanos, embora tenham características próprias, são inseparáveis, o que se pode perceber claramente no decorrer do nosso estudo, que, pelo mesmo motivo, não pode ser visto de forma compartimentada, mas integral.

O direito de livre escolha do trabalho (individual) se completa pelos direitos do trabalhador no trabalho (direitos sociais), que por sua vez, para ser amplo (Direitos Humanos), depende do Direito Econômico e de uma política de pleno emprego (direito econômico). Todo esse processo de interdependência de direitos vai se encontrar ainda com o último grupo de direitos que compõem os Direitos Humanos – os direitos políticos –, entendidos estes de forma restrita como direitos de participação do povo no poder do Estado.

Estes três primeiros grupos de direitos são amparados pelos direitos políticos. São amparados pelos direitos políticos à medida que, quando desaparece a democracia (constatação histórica), desaparecem imediatamente as liberdades fundamentais; entretanto, essa constatação não significa afirmar que, existindo a democracia, estejam tais liberdades efetivamente garantidas.

Amparam estes direitos a democracia, pois referem-se à liberdade de expressão e consciência, sem o que não existe democracia efetiva, que por sua vez depende de direitos sociais, como educação (para se expressar e formar a consciência e o trabalho, que são efetivados através de direitos econômicos expressos em normas de política econômica do Estado).

Observa Karl Manheim que a concentração e a centralização do capital monopolizam o poder social, opondo-se ao processo de democratização. A democracia política, além de direitos individuais e sociais, depende de democracia econômica, que é atingida por meio de direitos econômicos. Dessa forma, se não há democracia econômica, que se faz através do pleno emprego e justa remuneração, com justa distribuição de rendas, a faculdade de tomar decisões vai se concentrar mais e mais em um número de políticos, economistas, administradores e juristas, que representam essa pequena elite econômica. Com a concentração econômica, há o monopólio de conhecimento e o surgimento de uma elite burocrática separada dos outros estratos sociais, havendo com isto o último golpe na democracia real, com a concentração dos instrumentos militares nas mãos dessa mesma elite, abafando qualquer tentativa da real participação popular democrática nos seus destinos, diminuindo as possibilidades de qualquer insurreição e revolução, ou (isto significa o mesmo) que há impossibilidade de execução da vontade de “massa” democrática.45

O Estado, ao valorizar o trabalho através de uma política econômica de pleno emprego e justa remuneração, está dizendo não a uma realidade do capitalismo moderno em que a riqueza está nas mãos de quem não trabalha. O grande capitalista moderno tem a seu serviço empregados especializados, administradores que executam todo o trabalho e garantem o lucro e a acumulação de riquezas. É a reprodução dos privilégios da nobreza (que não trabalhava) nos dias modernos, quando famílias se perpetuam no poder econômico, criando verdadeiras dinastias; até o nome do “chefe” da dinastia reproduz os costumes da nobreza com a nomeação dos herdeiros que possuem o mesmo nome do primeiro criador do seu império econômico A diferença é que existe agora todo um ar de “liberdade” econômica de concorrência, que encobre a crescente concentração de poderes em grandes impérios globais, que têm como garantia as armas das forças militares, abastecidas pela produção de suas indústrias.

Machado Paupério acrescenta que



“hoje em dia, ninguém se enriquece propriamente com o trabalho. O que se dá é quase sempre a mesma coisa. Com o trabalho, quando não pela herança, atinge o indivíduo um pequeno capital inicial, uma economia, um pecúlio. Este pequeno capital, legítimo e justo, passa então a valer-se da engrenagem capitalista e, por intermédio dos juros, reproduz-se indefinidamente porque, à proporção que cresce, aumenta em quase verdadeira progressão geométrica, de tal modo que, se pudesse viver uma pessoa mil anos, poderia, talvez, canalizar para si toda a riqueza existente onde vivesse”.46



O Prof. Alberto Deodato, ao analisar novas concepções de orçamento pós-Segunda-Guerra, mostra os novos comportamentos do Estado perante os problemas sociais e a busca do pleno emprego, o que vigorou, como já vimos no início do livro, até a chegada ao poder do projeto neoliberal na década de 80 :



“Na Inglaterra, desde 1944, os ‘livros brancos’ e o Economic Syrvey são balanços econômicos da situação nacional: estudos retrospectivos do ano findo e esquemas e planos para o ano vindouro. Inspiram-se esses documentos no princípio keynesiano de assegurar despesas para que a nação proporcione trabalho a todos os homens, atingindo o que ele chama de o pleno emprego de todos os recursos nacionais.”47



Joseph Lajugie observa que a primeira experiência de dirigismo estatal da economia, objetivando o pleno emprego e a retomada do crescimento, pondo fim à concentração capitalista monopolista, foi nos Estados Unidos da América do Norte, com o Presidente Roosevelt, a partir de 1933, quando o país se encontrava em profunda crise econômica com 15 milhões de desempregados.48 É importante notar que, finda a crise, os Estados Unidos começam a diminuir a presença do Estado na economia. Assim como algumas economias européias e asiáticas (Japão), os Estados Unidos são o orgulho do sucesso capitalista contemporâneo, baseado na exploração, em grande escala, das riquezas naturais e do trabalho dos países do chamado Terceiro Mundo.

A Constituição da Itália assegura o direito do trabalho, não fazendo referência à intervenção estatal para assegurar o pleno emprego. Há referência expressa na Constituição da Espanha ao pleno emprego, o que é deduzido do art. 9º, que determina a incumbência aos Poderes Públicos de promover as condições e remover obstáculos para que todos participem da vida econômica e social, e recebe referência expressa no art. 40, que determina que os Poderes Públicos realizem uma política orientada para o pleno emprego e uma distribuição regional e pessoal de rendimento mais eqüitativo.

A Constituição de Portugal prevê, no art. 9º, como tarefa fundamental do Estado a promoção do bem-estar e qualidade de vida do povo e igualdade real dos portugueses, com a efetivação de direitos econômicos, além dos direitos sociais e culturais, através de modernização das estruturas sociais e econômicas. O art. 58 refere-se expressamente ao pleno emprego ao assegurar o Direito do Trabalho:

“Art. 58. .................................................................................................

(Direito do Trabalho)

1 . Todos têm direito ao trabalho.

2 . O dever de trabalhar é inseparável do direito ao trabalho, exceto para aqueles que sofram diminuição da capacidade por razões de idade, doença ou invalidez.

3 . Incumbe ao Estado, através da aplicação de planos de política econômica social, garantir o direito ao trabalho, assegurando:



a) a execução de políticas de pleno emprego;

b) a igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou gênero de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais;

c) a formação cultural, técnica e profissional dos trabalhadores.”



O Direito ao Trabalho na Constituição de Portugal é um direito-dever, assim como na Constituição de Cuba (o que ocorre normalmente no direito socialista), que no art. 44 afirma ser o trabalho na sociedade socialista um direito, um dever e um motivo de honra para cada cidadão; portanto, além de um direito, o trabalho é um dever, sendo remunerado conforme a sua qualidade e quantidade. Ao proporcioná-lo, o Estado atende às exigências da economia e da sociedade, à escolha pelo trabalhador e sua aptidão e qualificação, garantindo o sistema econômico socialista o desenvolvimento econômico e social sem crise, eliminando o desemprego e extinguindo para sempre a parada sazonal chamada de tempo ocioso.



CITAÇÕES:



45 MANNHEIM, Karl. Libertad y planificación social. 2. ed., México: Fondo de Cultura Económica, 1946, p. 51-52.

46 PAUPÉRIO, A. Machado. A legalidade, a realidade social e a justiça – A ordem econômica e os valores humanos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1983, p. 152.

47 DEODATO, Alberto. Manual de direito das finanças. 16. ed., São Paulo: Saraiva, 1979, p. 278.

48 LAJUGIE, Joseph. Les systèmes économiques. Paris: Presses Universitaires Françaises, 1961, p. 77.

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