terça-feira, 3 de maio de 2011

330- Direitos Humanos 20 - garantias processuais 3

TEXTO PUBLICADO ORIGINARIAMENTE EM 1991.


AS CITAÇÕES BIBLIOGRAFICAS SERÃO TODAS PUBLICADAS AO FINAL DESTA SÉRIE DE TEXTOS.



d) Ação direta de inconstitucionalidade por ação e por omissão

José Luiz Quadros de Magalhães



• O controle de constitucionalidade – Para se falar em ação direta de inconstitucionalidade é necessário, em primeiro lugar, falar em controle de constitucionalidade das leis. A Constituição consagra o controle jurisdicional difuso, que significa que todos os órgãos do Poder Judiciário podem se manifestar sobre a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. Nesse caso específico, quando em grau de recurso o Supremo Tribunal Federal julgar em decisão definitiva a inconstitucionalidade de uma lei, esta decisão será comunicada ao Senado Federal para que este, nos termos do art. 52, inciso X, suspenda a execução, no todo ou em parte, da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

Este controle difuso em que todos os órgãos do Judiciário, mediante julgamento de caso concreto, podem declarar uma lei inconstitucional e se recusar a aplicá-la ao caso tem dois efeitos distintos. O primeiro será a decisão do caso concreto colocado sob apreciação do Poder Judiciário; neste caso a decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal e a suspensão da execução da lei pelo Senado Federal – o efeito obviamente será erga omnes e ex-nunc, ou seja, a partir do momento da suspensão da execução pelo Senado Federal. Além desse controle difuso, a Constituição Brasileira consagra também uma forma de controle concentrado da constitucionalidade das leis, que será a ação direta de inconstitucionalidade por ação e por omissão, dispondo sobre o assunto da seguinte forma:

“Art. 103. Podem propor a ação da inconstitucionalidade:



I – o Presidente da República;

II – a Mesa do Senado Federal;

III – a Mesa da Assembléia Legislativa;

IV – o Governador do Estado;

V – o Procurador-Geral da República;

VI – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VII – partido político com representação no Congresso Nacional;



§ 1º – O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal.

§ 2º – Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

§ 3º – Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado”.



• Efeitos de declaração de inconstitucionalidade na ação direta de inconstitucionalidade por ação – Observa José Afonso da Silva que, na via indireta de controle de constitucionalidade (o controle difuso no caso concreto),



“a declaração de inconstitucionalidade, na via indireta, não anula a lei nem a revoga; teoricamente, a lei continua em vigor, eficaz e aplicável, até que o Senado Federal suspenda sua executoriedade nos termos do art. 51, X; a declaração na via direta tem efeito diverso [...]’ qualquer decisão que decrete a inconstitucionalidade deverá ter eficácia erga omnes (genérica) e obrigatória”.177

Entende o professor (posição com a qual concordamos) que, uma vez que a Constituição Federal não dizia, no caso da ação direta de inconstitucionalidade por ação, qual o efeito desta declaração, deve-se aceitar que:



“o problema se resolva logicamente, pelas regras processuais sobre a eficácia e autoridade da sentença. E como o objeto do julgamento consiste em desfazer os efeitos normativos (efeitos gerais) da lei ou ato, a eficácia da sentença tem exatamente esse efeito de eliminar a eficácia e aplicabilidade da lei, e isto tem valor geral, evidentemente. Em suma, a sentença aí faz coisa julgada material, que vincula as autoridades aplicadoras da lei, que não poderão mais dar-lhe execução sob pena de arrostar a eficácia de coisa julgada”.178



Assim, no caso da ação direta de inconstitucionalidade, de norma legal ou ato normativo, não é necessário que o Senado Federal suspenda a execução da lei como faz no controle difuso. Nesse caso, a própria sentença retira a eficácia e aplicabilidade da lei ou ato normativo.



• A inconstitucionalidade por omissão – Observa Ivo Dantas que



“a difusão do controle de inconstitucionalidade por omissão se deu através da Constituição Portuguesa de 1976 que em seu art. 279 determina: ‘Quando a Constituição não estiver a ser cumprida por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exeqüíveis as normas constitucionais, o Conselho da Revolução poderá recomendar aos órgãos legislativos competentes que as emitam em tempo razoável’.”179



Após a Primeira Revisão Constitucional, foi alterada a redação do dispositivo constitucional referente à ação direta de inconstitucionalidade por omissão, que passa a estar prevista com a seguinte redação:

“Art. 283

(Inconstitucionalidade por omissão)



1. A requerimento do Presidente da República, do Provedor de Justiça ou, com fundamento em violação de direitos das regiões autônomas, dos presidentes das assembléias regionais, o Tribunal Constitucional aprecia e verifica o não-cumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exeqüíveis as normas constitucionais.

2. Quando o Tribunal Constitucional verificar a existência de inconstitucionalidade por omissão, dará disso conhecimento ao órgão legislativo competente”.



A respeito dessa previsão, escreve o professor português José Joaquim Gomes Canotilho:



“I – O conceito de omissão legislativa não se resume num simples não fazer, mas significa não fazer aquilo a que, de forma concreta, se estava constitucionalmente obrigado. Deve haver uma exigência constitucional de ação e não simplesmente um dever geral de legislar.

II – As omissões legislativas a que se refere a ação direta, devem ser aquelas derivadas de imposições constitucionais em sentido estrito. O descumprimento de certos objetivos da Constituição, como o oferecimento de saúde pública e gratuita a todos os brasileiros, educação, etc., é também inconstitucional, mas a concretização destes direitos depende da luta política através dos instrumentos democráticos.

III – Existe também omissão inconstitucional quando o legislador cumpre de forma incompleta o dever de elaborar normas regulamentadoras de direitos constitucionais.

IV – O instituto da inconstitucionalidade por omissão reflete as insuficiências dos instrumentos e processos típicos do ordenamento liberal, devendo ser criadas também outras formas democráticas de proteção contra omissões legislativas como as ações populares, iniciativa popular das leis e outras formas de acentuação de democracia participativa.

V – Não há conexão entre a omissão legislativa inconstitucional e os prazos para o início do processo legislativo de elaboração de determinada lei. A omissão se verifica pela omissão legislativa diante da importância e indispensabilidade da mediação legislativa para dar operatividade prática às normas constitucionais.”180



Essas observações são válidas para a compreensão da nossa ação direta de inconstitucionalidade por omissão, porém com uma observação fundamental: a Constituição Portuguesa fala em omissões legislativas, enquanto a Constituição brasileira de 1988 trata da omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional. Entendemos, portanto, o texto brasileiro mais abrangente, visando não apenas a omissão legislativa, mas à omissão regulamentadora também expressa na ausência de atos dos órgãos administrativos, como dispõe o § 2º do art. 103, como ainda à omissão no cumprimento das normas constitucionais por falta de vontade política do governo, como oferecimento de educação e saúde públicas gratuitas. Neste último caso pode parecer que os efeitos práticos dessa declaração de inconstitucionalidade por omissão não sejam satisfatórios, mas devemos nos lembrar de que o reconhecimento da omissão do governo na procura de cumprimento dos deveres constitucionais por parte do Supremo Tribunal Federal poderá caracterizar que o Presidente, na prática de atos do governo, esteja praticando atos que não estejam sendo direcionados na consecução dos objetivos constitucionais, sendo portanto atos contrários ao exercício dos Direitos Humanos, mais especificamente no caso de omissão diante do direito à saúde e a educação, dos direitos sociais, importando aí na caracterização de crime de responsabilidade do Presidente, nos temos do artigo 85, inciso III, da Constituição de 1988.

Portanto, embora a declaração do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a omissão do governo diante de, por exemplo, uma política de educação que procure atingir os objetivos constitucionais, possa ficar apenas na ciência do Poder Executivo para que tome as providências necessárias, esse reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal de omissão do governo caracteriza uma prática governamental contrária aos direitos sociais e, portanto, crime de responsabilidade do Presidente da República. Embora o processo de julgamento do Presidente por crime de responsabilidade seja um processo político diante do Poder Legislativo, a decisão da Corte Suprema brasileira irá sem dúvida caracterizar com maior clareza o crime de responsabilidade.



• Dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade – Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade estão no § 2º do art. 103, já transcrito. Após a declaração de inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao poder competente para a adoção das providências necessárias e, tratando-se de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Portanto o efeito será uma mera comunicação ao poder competente, para que tome a medida necessária para acabar com a omissão inconstitucional, existindo a exceção para o caso de ser órgão administrativo, quando então este órgão deverá efetivar norma constitucional através das medidas necessárias, dentro de trinta dias.



e) Ação de inconstitucionalidade por omissão e mandado de Injunção –



Randolpho Gomes, em trabalho sobre o mandado de injunção, estabelece algumas diferenças entre esta garantia processual e a ação de inconstitucionalidade por omissão, o que nos ajuda a compreender melhor estes dois mecanismos processuais. São estas as diferenças apontadas pelo autor:



I – A primeira consiste na constatação da legitimidade ativa. Enquanto o mandado de injunção pode ser exercido por qualquer pessoa titular do direito, a ação de inconstitucionalidade só poderá ser proposta pelo Presidente da República, pelas Mesas do Senado, da Câmara Federal e das Assembléias Legislativas, pelos Governadores dos Estados, Procurador-Geral da República, pelos Conselho Federal da OAB, pelos Partidos Políticos representados no Congresso Nacional e pelas confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.

II – A segunda está na constatação da legitimidade passiva. O mandado de injunção se dirige àquele que deve conceder o direito, podendo, por exemplo, ser uma empresa com personalidade de direito privado, se o direito consiste na participação nos lucros e na gestão por parte dos trabalhadores.

A ação de inconstitucionalidade por omissão terá sempre como sujeito passivo a pessoa ou entidade responsável pela elaboração da norma.181

III – A terceira diferenciação que se pode fazer é quanto ao objeto. O mandado de injunção visa ao pronto exercício do direito, embora ausente a norma regulamentadora. Temos aí uma decisão judicial supridora da omissão para aquele caso concreto colocado sob a apreciação do Poder Judiciário.



A ação de inconstitucionalidade por omissão busca a construção da norma ausente por parte do órgão ou poder competente.182 O efeito aí será erga omnes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário