TEXTO PUBLICADO ORIGINARIAMENTE EM 1991.
AS CITAÇÕES BIBLIOGRAFICAS SERÃO TODAS PUBLICADAS AO FINAL DESTA SÉRIE DE TEXTOS.
José Luiz Quadros de Magalhães
g) Ação popular
• Conceito e objeto – O art. 5º, inciso LXXIII, estabelece que
“qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao Patrimônio Público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao Patrimônio Histórico e Cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.
A ação popular se dirige à proteção de interesses, ou melhor dizendo, direitos difusos, entendendo-se estes como aqueles direitos indivisíveis que pertencem a toda a população.
Este importante remédio processual foi ampliado no texto constitucional de 1988 ao se possibilitar a anulação de atos lesivos não somente ao patrimônio público, mas também à moralidade administrativa e ao meio ambiente, além de referência expressa ao patrimônio histórico e cultural que, pela Lei n. 4.717, de 29/6/65, era considerado patrimônio público para fins de proteção pela demanda popular.
A respeito da evolução da ação popular escreve Clóvis Beznos:
“Voltada a ação popular unicamente para a defesa do Patrimônio Público, apercebendo-se o legislador estarem ao desabrigo determinados interesses difusos, de grande interesse social, editou a Lei n. 6.513, de 20/12/77, que introduziu a atual redação do § 1º da Lei n. 4.717, de 29/6/65, englobando no conceito de Patrimônio Público, para fins de proteção pela demanda popular, os bens e direitos de valor econômico, artístico, histórico ou turístico”.189
O objetivo da ação popular é a anulação de ato, medida, providência, que foi causa da lesão. Escreve José Cretella Júnior que deve-se entender por ato lesivo em sentido amplo não só o ato administrativo, como também contrato administrativo, fato administrativo, ou seja, “qualquer medida do Poder Público que desfalque o Erário”.190 Acrescentamos que, na nova ação popular do texto de 1988, não é simplesmente qualquer medida que desfalque o erário público, mas qualquer medida lesiva ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultural, à moralidade administrativa, além do patrimônio público anteriormente previsto.
A Constituição de 1988 exige como requisitos da ação popular apenas a lesividade e a condição de eleitor do autor. São os mesmos requisitos que a Emenda n. 1 de 1969, estabelecia no § 31 do art. 153 que dispunha que “qualquer cidadão será parte legítima para propor ação popular que vise anular atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas”. Apesar da clareza do texto constitucional, vários são os autores que entendem que a ilegalidade é o terceiro requisito necessário. É o caso do jurista Hely Lopes Meirelles, que entende que o ato a ser invalidado deve ser contrário ao Direito, não se exigindo a ilegalidade do ato na sua origem, mas sim a ilegalidade na sua formação ou no seu objeto, entendendo-se dessa forma que o ato para ser anulado através da ação popular é necessário que seja ilegal e lesivo.191
Entendemos, entretanto, que a Constituição é clara ao exigir apenas a lesividade e a condição de cidadão, ou seja, de eleitor, sendo a exigência da ilegalidade uma limitação injustificada a uma garantia processual. Concordamos, pois, com o Prof. José Afonso da Silva, que fundamenta o posicionamento adotado:
“A questão fica ainda presa quanto ao saber se a ação popular continuará dependendo dos dois requisitos que sempre a nortearam: lesividade e ilegalidade do ato impugnado. Na medida em que a Constituição amplia o âmbito de ação popular, a tendência é a de exigir a lesão, em si, à condição de motivo autônomo de nulidade do ato. Reconhece-se muita dificuldade para tanto. Se exigir também o vício da legalidade, então não haverá dificuldade alguma para a apreciação do ato imoral, porque em verdade somente se considerará ocorrida a imoralidade administrativa no caso de ilegalidade. Mas isso nos parece liquidar com a intenção do legislador constituinte de contemplar a moralidade administrativa como objeto de proteção desse remédio”.192
• Legitimidade ativa – A Constituição Federal determina que a ação popular poderá ser proposta por qualquer cidadão. Em outros dispositivos, a expressão utilizada pela Constituição sugere qualquer pessoa, como no caso do habeas corpus, quando o inciso LXVIII utiliza a palavra alguém; ou outros dispositivos, como o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção, onde a omissão do sujeito ativo nos leva à conclusão de que basta existir a titularidade do direito ofendido para se utilizar do remédio processual. No caso da ação popular, o dispositivo utiliza a expressão “qualquer cidadão”, devendo-se, nesse caso, interpretar o termo cidadão no sentido jurídico estrito, significando aquele que pode exercer o seu direito político de votar, participando, dessa maneira, de forma indireta do poder do Estado. Portanto, cidadão aí é o eleitor.
Pode-se concluir daí que o ajuizamento da ação não é facultado apenas a quem tenha sofrido prejuízo concreto proveniente do ato impugnado, mas sim àquele que pretenda ver revigorada a moralidade administrativa: “Trata-se como é curial de uma espécie peculiar de legitimação, definida e averiguada, já não concretamente, em relação ao objeto da demanda, mas de natureza abstrata e independente do ato tido como lesivo,”193 do patrimônio público, da moralidade administrativa e do meio ambiente.
• Legitimidade passiva – O art. 6º, da Lei n. 4.717, de 29/6/65, que regula a ação popular, determina que a ação será proposta contra pessoas públicas ou privadas, as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissão, tiverem dado a oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo. O ato lesivo que se procura anular na ação popular é aquele praticado contra o meio ambiente, a moralidade administrativa, o patrimônio histórico e cultural e ao Patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (art. 141, § 38, CF), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos (art. 1º da Lei n. 4.717, de 29/6/65).
• Processo – A ação popular tem rito ordinário, obedecendo aos dispositivos do Código Processo Civil, observando as determinações da Lei n. 4.717/65, que manda fazer a intimação do Ministério Público; requisição às entidades indicadas dos documentos referidos pelo autor, que deverão ser entregues em prazo fixado de quinze a trinta dias; decisão liminar de suspensão do ato quando requerida; prazo de contestação de vinte dias, além de outras prescrições do art. 7º a 19 da referida lei de regulamentação da ação popular.
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