terça-feira, 3 de maio de 2011

323- Direitos Humanos 13 - Liberdade de Expressão

5.2.6 Liberdade de expressão


José Luiz Quadros de Magalhães



A liberdade de expressão é de fundamental importância para o desenvolvimento intelectual e cultural da raça humana. Todos os períodos da História marcados pela censura e pela intolerância foram também de profunda estagnação cultural.

São diversas as formas de expressão de pensamento, que vão constituir as liberdades derivadas do direito individual de se expressar livremente. São liberdades fundamentais que devem ser asseguradas conjuntamente, para se garantir a liberdade de expressão no seu sentido total.

Dessa forma, são liberdades de expressão:



a) a liberdade de palavra e de prestar informações, que é a liberdade de falar propriamente dita, e à qual a Constituição não faz restrições.

b) a liberdade de imprensa, que tem para A. Esmein78 o mesmo princípio da liberdade de reunião, ou seja, o direito dos homens de comunicar o seu pensamento, as suas idéias. Entretanto, a fundamental diferença entre a liberdade de imprensa e a liberdade de reunião, como nos ensina Pontes de Miranda,79 é que a liberdade de reunião trata-se de uma liberdade física, como a liberdade de locomoção, a inviolabilidade da casa, ou a segurança individual, diferenciando-se da liberdade de pensamento ou de expressão, que tem um caráter não físico;

c) a liberdade de ciência, utilizada para o desenvolvimento pacífico das civilizações;

d) a liberdade de expressão artística das mais variadas formas;

e) a liberdade de culto, que é a expressão da consciência religiosa;

f) a liberdade de ensino, tendo como limites aqueles impostos pela verdade e pela ciência; e

g) finalmente, o sigilo de correspondência de comunicações telegráficas e telefônicas, que visa proteger a privacidade dos indivíduos na emissão do pensamento.



A Constituição de 1988 representa uma importante evolução em relação ao texto de 1969, quando no inciso IX do art. 5º proíbe a censura, dispensa a licença e proclama a liberdade de expressão, de atividade intelectual artística, científica e de comunicação.

Em 1969 previa-se a censura prévia para diversões e espetáculos públicos, para livros, jornais e periódicos, estabelecendo, nesse caso, a censura repressiva. Entretanto, com relação aos livros, jornais e periódicos, o entendimento não é pacífico. Em 1970, o governo da República editou o Decreto-Lei n. 1.077, que estabelecia “uma verdadeira prévia a que estariam sujeitas as publicações”, verificação esta destinada a impedir a sua circulação das mesmas. O Prof. Alfredo Buzaid, então Ministro da Justiça, publicou longo trabalho intitulado Em defesa da moral e dos bons costumes,80 onde afirmava que a expressão “intolerabilidade”, do § 8º do artigo 153, significou o impedimento da circulação das publicações.81

Pontes de Miranda e Ada Pellegrini Grinover adotaram, entretanto, posição oposta. “Esta lembra ser regra de interpretação somente se justificar mudança de entendimento, relativamente a prática antiga”.82

Ressalta Manoel Gonçalves Ferreira Filho que, “se o fato de que o art. 8º, VIII, apenas prevê censura de diversões públicas, atribuindo-a à Polícia Federal, pode ser tomado como indício de que a intenção do constituinte não foi possibilitar a censura de publicações [...], não é menos certo que não tolerar é mais do que meramente punir”.83

A liberdade de expressão na Constituição de 1988 é tratada em diversos artigos e incisos sempre de forma a valorizar a expressão intelectual, artística, científica, através de variados meios e formas, como são os meios de comunicação social, a TV, o rádio, o cinema, o teatro, assim como a liberdade no ensino visando à formação completa do ser humano. Portanto, além do já citado inciso IX do art. 5º, encontra-se a garantia desse direito nos incisos IV, V, XII, e nos arts. 220, §§ 1º e 6º, e 221, incisos I a IV.

Garante o texto a liberdade de expressão, vedando o anonimato e assegurando o direito de resposta, que deverá ser proporcional ao agravo sofrido, o que não retira o direito à indenização por dano material, moral ou à imagem.

O inciso XII do art. 5º declara inviolável o sigilo de correspondência de comunicações telegráficas, telefônicas e de dados. É permitida apenas, no caso de comunicações telefônicas, a escuta através de ordem judicial para fins exclusivos de investigação criminal ou instrução processual penal. Esse dispositivo vem proteger a intimidade das comunicações, sendo meio de proteção ao direito de expressão não pública, mas de expressão reservada às relações pessoais e profissionais.

Os arts. 220 e 221 estão no capítulo referente à comunicação social, que traz importantes disposições sobre o exercício da liberdade de expressão nos meios de comunicação de massa:



“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social ,observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

§ 3º Compete à lei federal:



I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;

II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.



§ 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

§ 5º Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.

§ 6º A publicação de veículos impressos de comunicação independe da licença de autoridade.”



Esse dispositivo acabou com a censura preventiva total ou parcial para os espetáculos públicos, shows, teatros, cinema, não sendo mais possível ao Estado proibir obras ou censurar trechos. Não existe mais, também, a censura repressiva total ou parcial para livros, jornais e periódicos, inexistindo também a censura prévia para a palavra escrita, nos termos do § 6º do artigo 220. Permanece a censura de classificação por idade, e somente esta, no inciso I da § 3º do art. 220, com a finalidade de proteger crianças e adolescentes de programação não aconselhável para uma idade em que o ser humano se encontra ainda em formação de sua personalidade.

O inciso II § 3º do art. 220 determina que lei federal deverá criar mecanismos para que a pessoa e a família se defendam de programas ou programações de rádio e televisão que não dêem preferência a temas educativos, culturais e informativos, que respeitem a cultura regional ou que desrespeitem os valores éticos e sociais da pessoa e da família, conforme dispõe o art. 221. É importante que se entenda que não deve ser o Estado o tutor dos interesses da pessoa e da família. Não é o Estado quem deve dizer qual programação ou programas que se adaptam aos valores éticos e morais, uma vez que ele não sabe e não pode saber quais são esses valores para cada pessoa, cada família, cada comunidade. São valores que mudam de pessoa para pessoa, de região para região do País, e o máximo que o Estado pode fazer será criar mecanismos para que uma pessoa ou um grupo de pessoas possa defender-se quando se sentir violado nos seus valores éticos e morais.

É, sem dúvida, uma evolução, um incentivo e um convite à sociedade civil para sair da inércia imposta, se organizar e reivindicar seus direitos.

De fundamental importância é o § 6º do art. 220 da Constituição Federal, quando proíbe o monopólio e o oligopólio dos meios de comunicação social. Esse dispositivo protege não somente a liberdade de expressão no rádio, nos veículos impressos e na televisão, mas também a liberdade de consciência, outro direito individual fundamental.

O monopólio ou o oligopólio dos meios de comunicação social, principalmente a televisão, pode significar o controle da opinião pública, a manipulação da informação e a criação de uma sociedade de inconscientes. Esse controle dos meios de comunicação já foi utilizado com sucesso como meio de propaganda no nazismo. Muito mais ameaçador é o controle da televisão com todos os recursos de propaganda e de produção existentes, podendo ameaçar o regime democrático, que deve se basear na expressão da vontade consciente do povo. Note-se que este perigo é muito maior quando ocorre o controle dos meios de comunicação por um particular ou por um grupo privado, ou ainda pelo governo, ou seja, quando este controle não é repartido democraticamente com a população.

A Constituição dos Estados Unidos prevê a liberdade de expressão na mesma Emenda n. 1, já citada, quando tratamos da liberdade de reunião:



“O Congresso não fará lei relativa ao estabelecimento de religião ou proibindo o livre exercício; ou restringindo a liberdade de palavra ou de imprensa; o direito do povo de reunir-se pacificamente e de dirigir petições ao Governo para reparação de seus agravos”.



A jurisprudência norte-americana vem aceitando que se façam certas limitações à liberdade de imprensa a que se refere a Emenda n. 1. Em um famoso caso decidido pela Suprema Corte dos Estados Unidos, estabeleceu-se que esta Emenda só encontraria limite “na verificação do caráter de cada palavra, ou escrito, ou ato, dependendo das circunstâncias nas quais produziram seus efeitos”.84

O Juiz Holmes, no seu voto, no caso Schenck v. United States, explica: “A questão, em cada caso, é saber se as palavras usadas o são em tais circunstâncias, e são de tal natureza, que haja um perigo claro e atual que provoque consideráveis danos que o Congresso tenha o direito de impedir”.85

A Constituição da URSS tratava da liberdade de expressão no art. 50, e o sigilo de correspondência de comunicação telegráficas e telefônicas no art. 56. Os limites para as liberdades de expressão, de imprensa, são os mesmos estabelecidos para a liberdade de reunião, e que está neste mesmo artigo, ou seja: “os interesses do povo e com o objetivo de fortalecer e desenvolver o regime socialista”.



“Art. 50. De acordo com os interesses do povo e a fim de fortalecer e desenvolver o regime socialista, são garantidas aos cidadãos da URSS as liberdades de expressão, de imprensa, de reunião, de realização de comícios, desfiles e manifestações de rua”.

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“Art. 56. A lei protege a intimidade da vida pessoal dos cidadãos e o sigilo de correspondência, das conversas telefônicas e das comunicações telegráficas.”86



A Constituição da ex-Alemanha Oriental faz maiores restrições às liberdades de expressão e ao sigilo de correspondência, e das telecomunicações. Com relação à liberdade de expressão, esta só é exercida quando a opinião expressada for de acordo com os princípios da Constituição. Quanto ao sigilo de correspondência e telecomunicações, pode sofrer restrições em virtude de uma lei ou quando a segurança do Estado Socialista ou uma ação penal o exigirem.

A redação dos arts. 27 e 31 da Constituição da República Democrática Alemã á a seguinte:



“Art. 27...........................................................................................

1 – Todo cidadão da República Democrática Alemã tem o direito de exprimir livre e publicamente a sua opinião em conformidade com os princípios desta Constituição. Este direito não pode ser limitado por nenhuma relação de serviço ou de trabalho. Ninguém poderá sofrer prejuízos pelo exercício deste direito.

2 – É garantida a liberdade de imprensa, rádio e televisão.

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“Art.31.................................................................................................

1 – O sigilo das comunicações postais e das telecomunicações é inviolável.

2 – Este princípio só pode sofrer restrições em virtude de uma lei e quando o exija a segurança do Estado Socialista ou uma ação penal”.87



A Constituição da Espanha é bem mais detalhada ao tratar do assunto:



“Art.20.................................................................................................

1 – São reconhecidos e protegidos os direitos:

a) de expressar e difundir livremente o pensamento e as idéias e opiniões pela palavra, por escrito ou por qualquer outro meio de reprodução;

b) de produção e criação literária, artística, científica e técnica;

c) de liberdade de cátedra;

d) de conversar ou receber livremente informações verídicas por qualquer meio de definição. A lei regulará o direito à cláusula de consciência e de segredo profissional.

2 – O exercício destes direitos não pode ser restringido mediante qualquer tipo de censura prévia/

3 – A lei regulará a organização e o controle parlamentar dos meios de comunicação social dependentes do Estado ou de qualquer entidade pública e garantirá o acesso a esses meios por parte dos grupos sociais e políticos significativos, respeitando o pluralismo da sociedade e das diversas línguas da Espanha.

4 – As liberdades enunciadas no presente artigo têm como limite o respeito dos direitos reconhecidos neste título, os preceitos das leis que o desenvolvem e, especialmente, o direito à honra, à intimidade, à imagem e à proteção da juventude e da infância.

5 – A apreensão de publicações, gravações e outros meios de informação só poderá dar-se por decisão judicial.”

De maneira semelhante, a Constituição de Portugal, longa e detalhadamente, trata do tema:

“Art. 37. (Liberdade de expressão e informações)

1 – Todos têm o direito de exprimir e divulgar brevemente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações.

2 – O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.

3 – As infrações cometidas no exercício destes direitos foram submetidas aos princípios gerais de direito criminal, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais.

4 – A todas as pessoas, singulares ou coletivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito à indenização pelos danos sofridos”.



"Art. 38. (Liberdade de imprensa e meios de comunicação social)

1 – É garantida a liberdade de imprensa.

2 – A liberdade de imprensa implica:

a) a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores literários, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando pertencerem ao Estado ou tiverem natureza doutrinária ou confessional;

b) o direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à proteção da independência e do sigilo profissionais, bem como o direito de elegerem conselhos de redação;

c) o direito de fundação de jornais e de quaisquer outras publicações, independentemente de autorização administrativa, caução ou habilitação prévias.

3 – A lei assegura, com caráter genérico, a divulgação da titularidade e dos meios de financiamento dos órgãos de comunicação social.

4 – O Estado assegura a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder econômico, impondo o princípio da especialidade das empresas titulares de órgãos de informação geral, tratando-as e apoiando-as de forma não discriminatória e impedindo a sua concentração, designadamente, através de participações múltiplas ou cruzadas.

5 – O Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão.

6 – A estrutura e o funcionamento dos meios de comunicação social do setor público devem salvaguardar a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais Poderes Públicos, bem como assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião.

7 – As estações emissoras de radiodifusão e de radiotelevisão só podem funcionar mediante licença, a conferir por concurso público, nos termos da lei”.

O texto constitucional português trata ainda, no art. 39, itens 1 a 4, dos órgãos de comunicação social pertencentes a entidades públicas ou delas dependentes; e no art. 40 trata do direito de antena, que assegura aos partidos políticos e às organizações sindicais e profissionais, tempos de antena no rádio e na televisão, de acordo com a representatividade e os critérios definidos na lei.

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