sábado, 14 de maio de 2011

354- Direitos Humanos 34 - Direito ao Lazer, Transporte, Habitação e Segurança.

Texto escrito em 1991.




9 LAZER



José Luiz Quadros de Magalhães



A Constituição Federal de 1988 reconhece expressamente o direito ao lazer como direito social fundamental no art. 6º; entretanto, não há um capítulo que se destine especificamente ao tema.

O art. 227 determina que é dever do Estado, da família e da sociedade assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar, colocando-os (criança e o adolescente) a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O art. 217 , da Seção III do Capítulo III do Título VIII, refere-se ao desporto, que pode ser classificado conforme o enfoque e objetivo, como direito à educação, à cultura e ao lazer. O seu § 3º determina que o Poder Público deverá incentivar o lazer como forma de promoção social.

Não prevêm a Constituição da Itália e a da Espanha o direito social ao lazer.

A de Portugal garante o direito ao lazer no art. 70, que se refere à juventude, quando no item 1, alínea c e d, determina que os jovens gozem de proteção especial para efetivação dos seus direitos, nomeadamente na educação física e no desporto e no aproveitamento dos tempo livre; com relação ao desporto, o art. 79 dispõe sobre o dever do Estado de promover, estimular, orientar e apoiar a sua prática e difusão.

Há no art. 59, 1, alínea d, 2, alínea d, referência ao direito ao lazer como direito do trabalhador.

A Constituição de Cuba, quando se refere ao desporto, enfatiza o seu caráter educacional, quando, na alínea h do art. 38, determina que o Estado deve orientar, fomentar e promover a cultura física e o esporte em todas as manifestações como meio de educação e contribuição à formação integral dos cidadãos. O art. 51 se refere ao lazer quando dispõe:



“Todos têm direito à educação física, ao esporte e à recreação.

O gozo deste direito está garantido pela inclusão do ensino e prática da educação física e do esporte nos planos de estudo do sistema nacional de educação; e pela amplitude da instrução e meios postos à disposição do povo para facilitar a prática popular do esporte e a recreação.”





10 TRANSPORTE



O direito ao transporte é um direito social fundamental, que viabiliza o real exercício da liberdade de locomoção. Não está relacionado entre os direitos sociais no art. 6º, mas suas características de prestação positiva pelo Estado à sociedade e seu caráter essencial autorizam-nos a classificá-lo com tal.

A Constituição brasileira de 1988 faz apenas breve referência ao transporte como direito social fundamental (art. 7º, VI), reconhecendo o direito ao transporte como essencial, quando dispõe sobre um salário mínimo capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.

Outra breve referência ao transporte como direito social se encontra no Capítulo VII do Título VIII, que dispõe sobre a família, a criança, o adolescente e o idoso, determinando no art. 230, § 2º, a gratuidade do transporte coletivo aos idosos com mais de 65 anos.

Não há referência nas Constituições da Itália e de Portugal ao transporte como direito social; o mesmo ocorre com a da Espanha, que estabelece o transporte como competência das suas comunidades autônomas (art. 148, 1, 5º).

A Constituição de Cuba, como exemplo de Constituição socialista, não prevê expressamente o direito ao transporte como direito fundamental social, mas o transporte coletivo nos países de socialismo real são estatizados e oferecidos de forma democrática à população.



11 HABITAÇÃO



Outro direito social que também não mereceu atenção especial do constituinte brasileiro foi o direito à habitação. Assim como o direito ao transporte, o art. 7º, IV, se refere à moradia como necessidade vital básica. O art. 23, IX, determina ser da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a promoção de programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e do saneamento básico.

É grave a questão da moradia, no Brasil, insistindo alguns, ainda hoje, que a solução estaria na livre iniciativa e concorrência.



“Como ocorre em outros setores da produção de mercadorias a penúria de moradias, deveria existir, até o momento em que passasse a ser rentável o investimento imobiliário. A partir deste momento, com efeito, os capitais seriam atraídos para este setor, o que eliminaria a escassez de moradias devida à estabilização entre oferta e procura do produto.”98

É necessário observar que, na sociedade capitalista, “a demanda de um produto é apenas a demanda solvável, ou seja, tão-somente constituída pelos indivíduos que podem pagar o seu preço. Aqueles que não têm renda suficiente para adquirir uma determinada mercadoria estão excluídos da demanda, não obstante dela necessitarem.”99 Fica, pois, bem claro que não se pode achar solução da questão da moradia pela via da iniciativa privada. O agravamento constante dessa crise não tem mobilizado a necessária atenção do Estado, o que se refletiu inclusive na Constituição de 1988:



“Só mesmo na década de 40, deste século, o Estado ensaiará os primeiros passos no sentido de intervir na questão habitacional. Assim mesmo, tal intervenção terá muito mais um caráter paliativo do que uma solução para o problema, na medida em que o Estado procura apenas compatibilizar as necessidades da população com os interesses da classe dominante, principalmente ao setor imobiliário. Como a compatibilidade de interesses é contraditória, os interesses a serem preservados serão os do capital, deixando ao trabalho um legado de exploração e miséria.”100



A Constituição da Itália faz breve referência à questão habitacional, quando no art. 47 determina que a República deverá estimular a tutela à poupança, favorecendo o seu emprego na casa própria.

A Constituição da Espanha refere-se, expressamente, à habitação como direito fundamental no art. 47, que dispõe:



“Todos os espanhóis têm o direito de desfrutar de uma habitação digna e adequada. Os Poderes Públicos promoverão as condições necessárias e estabelecerão as normas destinadas a tornar efetivo este direito, regulando a utilização do solo de acordo com o interesse geral, a fim de impedir a especulação.

A comunidade participará das mais-valias geradas pela ação urbanística das entidades públicas.”



A Constituição de Portugal trata de forma completa e adequada a questão da moradia no art. 65, itens 1, 2, alíneas a, b e c, 3 e 4, garantindo o direito que todos têm a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto, e que preserve a intimidade pessoal e privacidade familiar. Para assegurar esse direito à habitação, deve o Estado programar e executar uma política de habitação apoiada em planos de urbanização, levando-se em conta a necessidade da existência de uma rede adequada de transporte e de equipamento social; incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais, fomentando a criação de cooperativas de habitação e autoconstrução, estimulando ainda a construção privada, com subordinação ao interesse geral. O Estado Português deverá, ainda, adotar política que venha estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria, podendo proceder a expropriações dos solos urbanos que se revelem necessárias, e exercer efetivo controle do parque imobiliário.

Não há na Constituição de Cuba referência à habitação como direito fundamental; os seus arts. 22 e 24 garantem a propriedade pessoal sobre a moradia que se possua a justo título de domínio e o direito de herança sobre esta moradia.



12 SEGURANÇA PÚBLICA



Não se encontra nas Constituições estrangeiras estudadas a segurança pública como direito social fundamental. Até mesmo há bem pouco tempo atrás, durante o autoritarismo vigente no País, de 1964 a 1985 (época da eleição de Tancredo Neves marcando o fim do regime militar, mas não do autoritarismo estatal), falar em segurança pública como Direitos Humanos poderia parecer um total desconhecimento do significado desses direitos. Os órgãos de “segurança” do Estado no período eram os principais responsáveis pela insegurança vigente nas camadas mais pobres, desrespeitando todos os direitos individuais fundamentais, como a inviolabilidade de domicílio, a liberdade de consciência política, a liberdade de locomoção e a segurança individual física, mental e moral.

A Constituição de 1988 veio, no entanto, marcar um novo período, declarando os Direitos Humanos e garantindo-os através de modernos meios processuais. Nesse espírito, podemos cunhar um real conceito de segurança pública plenamente compatível com os Direitos Humanos, pois implica a proteção que o Estado oferece a todas as pessoas e não apenas a uma classe social; implica proteção da vida humana antes de tudo e não em sua eliminação; implica colocar a vida humana em primeiro lugar, antes do patrimônio. Segurança pública deve então significar na nova Constituição a proteção que o Estado oferece à integridade física e moral de todas as camadas da população.

A classificação de segurança pública como direito social e, portanto, como Direitos Humanos, é incompatível com a existência de uma polícia cordial com a classe média e alta e uma polícia violenta com os mais pobres e com os trabalhadores. Nesse sentido então é que podemos classificar como direito social fundamental a segurança pública, à qual faz referência o art. 6º da Constituição Brasileira. Como já tivemos oportunidade de explicar, tanto o art. 6º como o art. 5º se referem à palavra “segurança”. Neste último, no Capítulo dos Direitos Individuais, segurança significa a proteção que a Constituição oferece ao indivíduo contra atentados à sua segurança física, moral e mental por parte do Estado. É um direito que a pessoa tem face do Estado ou contra o Estado. Por outro lado, no art. 6º da Constituição significa a segurança que o Estado tem o dever de oferecer a cada pessoa inserida no contexto social, contra atentados à sua segurança física, mental e moral e também, ao seu patrimônio, de forma secundária. Portanto, aí temos o Estado agindo a favor da sociedade, o que caracteriza um direito social.

Podem alguns levantar a hipótese de que a Constituição brasileira, ao se referir à segurança (art. 6º), refere-se à segurança social, no sentido da Constituição Portuguesa (art. 63). Entretanto, quando esta dispõe sobre a segurança social, está tratando da previdência e da assistência social. A expressão que abrange estes direitos na Constituição brasileira é seguridade Social, e não segurança. Logo, não tem a palavra segurança, como direito social, o mesmo significado que tem na Constituição portuguesa, mas sim o de segurança pública, entendida no sentido moderno democrático, e não no sentido empregado pelos governos autoritários.

É nesse sentido que o Prof. José Alfredo de Oliveira Baracho nos coloca o conceito de segurança pública: “Envolvendo-se com o conceito de Segurança Pública em sentido estrito compreendo-o como a garantia e a defesa dos direitos individuais, de que o cidadão pode usar, dispor, fruir e gozar dentro da ordem e da paz.”101



Notas de Rodapé

98 RIBEIRO, Luiz César de Queiroz e PECHMAN, Robert Moses. O que é questão da moradia. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 24.

99 RIBEIRO, Luiz César de Queiroz e PECHMAN, Robert Moses. O que é questão da moradia, cit., 1983, p. 9.

100 RIBEIRO, Luiz César de Queiroz e PECHMAN, Robert Moses. O que é questão da moradia, cit., p. 68.

101 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Constituinte e segurança pública. Revista de Informação Legislativa, Senado Federal. Brasília, ano 24, n. 94, p. 96, abr./jun., 1987, p. 96.

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