terça-feira, 3 de maio de 2011

334- Direitos Humanos 24

TEXTO PUBLICADO ORIGINARIAMENTE EM 1991.


AS CITAÇÕES BIBLIOGRAFICAS SERÃO TODAS PUBLICADAS AO FINAL DESTA SÉRIE DE TEXTOS NA POSTAGEM 336 DIREITOS HUMANOS 26


José Luiz Quadros de Magalhães


5.2.12 O direito à vida


Já estudamos a diferenciação entre os direitos individuais e sociais. Os direitos individuais aparecem na doutrina clássica como direito do indivíduo perante o Estado, cuja conduta deverá ser de respeito, ou não fazer. Entretanto, essa conduta abstencionista do Estado deixava as diferenças sociais se agravarem, impedindo cada vez um maior número de pessoas de usufruir de suas liberdades. Percebe-se então a necessidade de o Estado intervir na ordem social e econômica, buscando o bem-estar social, oferecendo determinados direitos sociais que, amparados por uma determinada política econômica, possibilitariam a todas as pessoas o exercício de suas liberdades individuais. A partir desse momento, se o Estado continuava a ter o dever de respeitar, por exemplo, a liberdade de expressão, de consciência, tinha também o dever de oferecer meios para que as pessoas usufruíssem dessas liberdades através do direito social fundamental à educação, permitindo assim que cada indivíduo formar livremente sua consciência e expressá-la da forma que melhor entender. Será assim que se dará a formação de um novo conceito de Direitos Humanos, com a integração necessária de direitos individuais, sociais e econômicos, amparados em uma sociedade democrática com o pleno exercício dos direitos políticos por seus cidadãos.

O mesmo raciocínio desenvolvido pode ser utilizado com relação ao direito à vida, como um direito individual que, para se concretizar, depende dos direitos sociais à saúde, ao lazer, ao trabalho, amparados por uma política econômica que possibilite trabalho remunerado de forma justa, saúde gratuita e lazer a todos.

Acreditamos, no entanto, que o direito à vida vai além da simples existência física. Acreditamos que no direito à vida se expressa a síntese dos grupos de direitos que formam os Direitos Humanos. Todos os direitos existem em função deste, sendo que o exercício dos direitos Individuais, o oferecimento dos direitos sociais, a política econômica e os institutos de Direito Econômico, e a própria democracia, existem no sentido de oferecimento de dignidade à vida da pessoa humana. O direito à vida que se busca através dos Direitos Humanos é a vida com dignidade, e não apenas a sobrevivência. Por esse motivo, o direito à vida se projeta de um plano individual para ganhar a dimensão maior de direito síntese dos grupos de direitos individuais, sociais, econômicos e Políticos, sendo, portanto, a própria razão de ser dos Direitos Humanos.

Através deste raciocínio não se poderá admitir jamais a convivência de uma ordem jurídica baseada nos Direitos Humanos, com a possibilidade legal de se tirar a vida. Esta afirmação envolve questões como a pena de morte, o aborto e a eutanásia. São problemas diferentes que merecem enfoques diferentes. O direito à vida, pela sua dimensão, deve ser um direito que, em nenhuma hipótese, possa ser retirado. Nesse aspecto não se pode admitir o aborto, pois tem a mulher direito ao seu corpo, mas não à vida que ainda depende de seu corpo. Não se pode legalizar o aborto com a finalidade de se atenuarem problemas sociais. Urge que não existam mais estas desigualdades sociais.

Antônio Chaves, em importante trabalho sobre o direito à vida, enfrenta a questão do aborto, lembrando aspectos que não podem ser ignorados e que agravam o problema:

“No mundo inteiro, aproximadamente 40 milhões são praticados todos os anos, sendo que 3 milhões e 400 mil brasileiros o realizam. É fato notório, por outro lado, que recorrendo a remédios, em igual período, morrem, vítimas de falta de higiene ou de cuidados apropriados”.209

Foi exibido pela televisão de Torrington, Connecticut, pela primeira vez no dia 15/1/85, um filme com 28 minutos de duração que mostra imagens intra-uterinas de um feto de 12 semanas, sendo extraído pelo processo de sucção: “O feto se encolhe para escapar do aparelho que primeiro lhe arranca as pernas, depois os intestinos. Ele luta violentamente com os braços, e no fim sua cabeça cai, a boca aberta em agonia”.210 Essa terrível imagem deve ficar na mente dos que defendem o aborto. Talvez ela faça compreender que há uma vida que, embora não possa ser vista, é igual à nossa vida. Talvez o relato dessa imagem faça com que as pessoas deixem esta vida prosseguir para, aqui fora, lutar pelos seus direitos.

A questão da eutanásia deve ser encarada de duas formas: uma, a da possibilidade de se apressar a morte através de drogas, o que é crime; a outra, a de se interromper medicamentos ou desligar aparelhos para atenuar a agonia. A Declaração sobre a Eutanásia, elaborada pela sacra Congregação para a Doutrina da Fé, que recebeu a aprovação do Papa João Paulo II em 1990, reconhece que

"problemas podem surgir, quando a agonia é acompanhada de dores graves e dificilmente suportáveis sem uso de narcóticos ...

O judaísmo segue aproximadamente a mesma luta [...] A Halakah [...] faz distinção entre o prolongamento da vida do paciente, que é obrigatório, e o prolongamento da agonia que não é.

O Rabino Isserles estabeleceu que, se algo constitui obstáculo para a partida da alma, deve ser removido. Na base desta norma, o médico, se estiver convicto de que seu paciente agoniza, isto é, possibilitado a morrer em três dias, pode suspender as manobras reanimatórias e inclusive o tratamento não analgésico”.211

Pelo seu significado, convém destacar:

“O médico que voluntariamente produz a morte do próprio paciente, com ou sem seu consentimento, ou seja, por motivo piedoso, comete homicídio [...]. Quase sempre os tribunais, embora imputável ao autor nessas circunstâncias, o crime de homicídio, têm atenuado suas decisões, sob o fundamento de que o réu agira por piedade e compaixão”.212

O problema se complica muito quando juntamos à questão dados como os da pesquisa realizada pela Universidade de Stanford, que constata a existência de 20 mil indivíduos em estado de coma irreversível, muitos há até oito anos, sem esperança de voltar à vida normal, muitas dessas pessoas, embora incapacitadas de exprimir seus pensamentos, não estão, em geral, em estado de inconsciência ...213

Problema de mais simples enfrentamento é a questão da pena de morte. Pela sua importância, será debatida de forma mais detalhada, quando procuraremos demonstrar a sua imoralidade, inutilidade e inconstitucionalidade diante da Constituição de 1988.

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