domingo, 8 de maio de 2011

341- Direitos Humanos 27

OS DIREITOS SOCIAIS



JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES


1 INTRODUÇÃO


Os direitos sociais constituem o segundo grupo de direitos que compõem os Direitos Humanos. São direitos fundamentais que vêm se somar aos direitos individuais, oferecendo meios para que todos possam ser livres, e não apenas alguns. Marcam eles uma mudança de comportamento do Estado, que passa a se preocupar com o bem-estar social.

As classes trabalhadoras foram as principais responsáveis pela mudança no comportamento estatal, lutando no decorrer do século XIX e início do século XX em duas frentes: pela igualdade de direitos políticos para se alcançar o sufrágio igualitário, e exigindo que os serviços públicos lhes garantissem uma segurança econômica e justiça social. Não bastavam mais às classes trabalhadoras a liberdade e a igualdade oferecidas pelas Constituições liberais na sua lista de direitos individuais fundamentais: os economicamente fracos exigiam proteção contra os economicamente fortes; necessitavam de serviços públicos e leis que os protegessem da miséria, da enfermidade e da incapacidade de trabalho devido à idade.1

O Estado passa então a planificar, regular, dirigir, controlar e supervisionar a vida socioeconômica. Com o Estado Social e os direitos sociais como novos direitos fundamentais, o coletivismo e o individualismo passam a viver lado a lado.2 Estes novos direitos fundamentais vão ser a expressão daquelas reivindicações das classes trabalhadoras por trabalho, saúde, habitação, educação, etc. Portanto, como nos mostra Luís Recaséns¬-Siches, os novos direitos fundamentais são uma série de direitos – chamados também econômicos, sociais e culturais –, dentre os quais figuram o direito a uma condição melhor de trabalho; à proteção contra o desemprego; a um nível bom de vida, com alimentação, vestuário, habitação, assistência médica; à previdência social em caso de acidente, doença, invalidez, velhice e outros casos de perda dos meios de subsistência por circunstâncias independentes da vontade da pessoa; e mais o direito à educação.3

Os direitos sociais não se confundem, pois, com o Direito do Trabalho. Como se pode concluir a partir do trecho que vimos de mostrar da obra de Recaséns-Siches, os direitos relativos ao trabalho são parte importante e principal dos direitos sociais, mas não esgotam de forma nenhuma estes últimos.

O Prof. Joaquim Carlos Salgado4 considera direitos sociais fundamentais os seguintes:



“a) Direito do trabalho e outros ligados ao trabalho:

a.1 – Direito do trabalho.

a.2 – Garantia do emprego.

a.3 – Co-gestão.

a.4 – Direito à justa remuneração.

a.5 – Direito de greve.



b) Direito à saúde.

c) Direito à educação.”



Como se nota, além do direito ao trabalho propriamente dito, encontramos o direito à saúde, o direito à educação, e acrescentaríamos, ainda, o direito à cultura, ao lazer, à seguridade social, à segurança pública e à habitação. Entretanto esse entendimento não é pacífico e, como ressalta Paulo Lopo Saraiva, essa dificuldade de conceituação da expressão “direitos sociais” não é nova, confundindo-se estes com direitos laboristas, uma de suas espécies. “É assim que o qualificam os professores brasileiros Cesarino Júnior e Rui Azevedo Sodré, como ainda o professor alienígena Garcia Oviedo.”5

Essa fase de surgimento dos direitos sociais e econômicos marca a passagem de um modelo de ordem econômica e social com total ausência do Estado – na qual se acreditava (alguns ainda insistem em acreditar) que o jogo livre das leis econômicas levavam naturalmente à harmonia e à ordem, como se as leis econômicas fossem similares às leis do mundo físico ou biológico– para um novo modelo no qual os desníveis sociais e econômicos são considerados injustos.6

O “dever ser” ideal da justiça reclama que alguém faça algo para remediar a injustiça, o status injusto, atualizando positivamente o valor de justiça. A tônica geral do constitucionalismo clássico era de obrigação do Estado perante os direitos subjetivos como uma abstenção que consistia em omitir as violações e deixar livre o desfrute. No constitucionalismo social observamos mais a obrigação do Estado como dever de fazer ou de dar algo em favor dos seres humanos. Aparecem, assim, as prestações positivas a cargo do Estado cobrindo vários pontos como a família, o trabalho, a educação e a cultura. Do Estado gendarme ou polícia, que cuida e que vigia, passamos para o Estado do Bem-Estar Social, que faz e que promove, procurando harmonizar e coordenar a liberdade e a autonomia individuais com a justiça, a solidariedade e cooperação social.7

O Estado contemporâneo é o Estado do Bem-Estar Social; sua finalidade é o bem comum, que deve ser a meta e justificativa do Poder, exigindo-se uma ordem social que “proporcione as condições de vida necessárias ‘ao desenvolvimento integral da personalidade humana’ e, portanto, a concretização harmoniosa dos direitos individuais e sociais”.8

Este Estado Social é criado, como já vimos anteriormente, pelo constitucionalismo social, que se inicia com as primeiras Constituições Sociais em 1917, no México, e em 1919, na Alemanha (República de Weimar); entretanto, o pós-Primeira Guerra assiste ao surgimento de um outro tipo de Estado: o Estado Socialista, com a revolução bolchevique na Rússia em 1917. As Constituições Socialistas darão ênfase aos direitos sociais, colocando-os acima dos direitos individuais, que se encontram limitados pelos dispositivos constitucionais que privilegiam os direitos sociais.

Podemos classificar, a partir dos dados estudados, três tipos de Constituições:



a) Constituições liberais: contêm apenas normas relativas aos direitos individuais e à organização e funcionamento do Estado. Não existe previsão de direitos sociais e econômicos. Acrescente-se ainda que os direitos políticos (a democracia) se incorporarão ao liberalismo, gradativamente, no século XIX.

b) Constituições sociais: contêm normas relativas aos direitos individuais, sociais, políticos e econômicos, além daquelas referentes à organização e ao funcionamento do Estado. O conteúdo dos Direitos Humanos é ampliado: o que no Estado Liberal era sinônimo de direitos individuais, a partir de então passa a conter não apenas estes, mas também os direitos sociais, econômicos e políticos.

c) Constituições socialistas: contêm normas relativas aos direitos sociais, econômicos, políticos e individuais, além daquelas referentes à organização e ao funcionamento do Estado. A sua característica principal é a clara limitação dos direitos individuais em relação aos direitos sociais e econômicos, condicionando o exercício de algumas liberdades individuais aos interesses da construção da sociedade socialista. É importante salientar que nos referimos aqui ao chamado socialismo real ou socialismo estatal, não se confundindo esta proposta com o socialismo democrático ou com outros modelos, como o socialismo libertário e o humanista.

Os direitos sociais são, portanto, aqueles que devem ser garantidos pelo Estado, para que, com apoio no Direito Econômico, possam ser oferecidos a toda a população os meios dos quais cada pessoa necessita para realmente ser livre, usufruindo, assim, dos seus direitos individuais.

Os direitos sociais estão relacionados, de forma sintética, no art. 6º da Constituição de 1988, que dispõe: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Esse dispositivo reconhece a amplitude da expressão “direitos sociais”, entretanto os direitos relacionados no art. 6º, no capítulo referente aos direitos Sociais, não se encontram regulamentados naquele capítulo. O Capítulo II do Título II (que se refere aos direitos e garantias fundamentais) abriga apenas as normas referentes aos direitos do trabalhador e alguns dispositivos de direito previdenciário. Os outros direitos relacionados no art. 6º, como a saúde, a previdência social, a assistência social, a educação, lazer e a segurança, se encontram no Título VIII, relativo à ordem social, assim dividido: O Capítulo II, referente à Seguridade Social (saúde, previdência e assistência social); o Capítulo III, relativo à educação, cultura e desporto (ligado ao direito de acesso à educação e cultura); o Capítulo V, que traz dispositivos complementares à liberdade de expressão e consciência (direitos individuais), como assegura o direitos sociais de acesso à educação e à cultura, através dos meios de comunicação social; o Capítulo VI, que se refere a um direito difuso de conteúdo político-econômico, que é o meio ambiente; o Capítulo VII, que se refere à família, à criança, ao adolescente e ao idoso, assegurando nos seus dispositivos direitos sociais como trabalho, saúde, educação, lazer, cultura e segurança; e finalmente os direitos dos índios que estão intimamente ligados aos direitos sociais e à cultura.

Podemos classificar os direitos sociais, que compreendem direitos coletivos (entendidos como direitos de grupos ou categorias) e direitos difusos (como direitos indivisíveis da população), da seguinte maneira:



1. Direito do Trabalho

2. Seguridade Social

2.1. Previdência Social

2.2. Saúde

2.3. Assistência Social

3. Educação

4. Cultura

5. Lazer

6. Segurança

7. Transporte

8. Habitação



A Constituição, no art. 6º, não relaciona expressamente o direito ao transporte e à habitação, mas outros dispositivos constitucionais se referem a esses direitos, como o art. 23, IX, que dispõe sobre a competência administrativa comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, e o art. 230, § 2º, que assegura transporte gratuito urbano para os maiores de 65 anos.

Incluímos no direito à cultura o direito das minorias raciais e étnicas. É importante notar que a palavra segurança aparece no art. 5º, caput, como direito individual, significando a proteção pela Constituição da integridade física, mental e moral do indivíduo, principalmente por parte do Estado; e no art. 6º, caput, como direito social. O significado da palavra segurança neste último não pode ser de segurança social, pois a Constituição preferiu a expressão seguridade social para designar saúde, previdência e assistência social. Entendemos a segurança pública, segundo o art. 6 °, significando a proteção, por parte do Estado, de toda a sociedade.

A partir do momento em que se coloca segurança pública como Direitos Humanos, leva-se a propor um novo conceito que não pode se confundir com a simples manutenção da ordem pública a qualquer preço, em hipótese nenhuma. Segurança pública deve significar que o Estado deverá proteger o exercício de liberdade, como a liberdade de reunião (comício, passeatas, dentre outros) sabendo-se que a presença do Estado é para proteger os que dela participam contra desordens que possam ocorrer, e não reprimir a liberdade constitucional. Segurança pública significa que o ser humano que anda na rua sossegado, mesmo sendo pobre, não terá sua integridade física e moral ferida por ninguém, nem mesmo pela polícia, pois o Estado o está protegendo. Enfim, segurança pública não se confunde com a insegurança generalizada causada pelos órgãos de segurança de governos opressores e autoritários.

Vamos estudar os diversos direitos sociais começando pelos direitos do trabalhador, dando ênfase a um direito trabalhista que entendemos essencial na atualidade, por ser instrumento necessário para a valorização do trabalho, elevando este ao nível do capital: é o direito de participação na gestão da empresa (co-gestão).





Citações:



1 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución, cit., p. 399.

2 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución, cit., p. 400.

3 RECASÉNS-SICHES, L. Tratado general de filosofía del derecho, cit., p. 600.

4 SALGADO, Joaquim Carlos. Os direitos fundamentais e a constituinte. In: constituinte e Constituição, cit., p. 24-31.

5 SARAIVA, Paulo Lopo. Garantia constitucional dos direitos sociais no Brasil. 1. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 23.

6 CAMPOS, German J. Bidart. Los derechos del hombre (Filosofía, constitucionalización, internacionalización). Buenos Aires: Ediar, 1973, p. 122-124.

7 CAMPOS, German J. Bidart. Los derechos del hombre (Filosofía, constitucionalización, internacionalización), cit., p. 125-126.

8 VIDAL NETO, Pedro. Estado de direito (Direitos individuais e direitos sociais). São Paulo: LTr. 1979, p. 15.

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