sábado, 14 de maio de 2011

355- Direitos Humanos 35 - Direitos Econômicos

Capítulo 4


DIREITOS ECONÔMICOS

José Luiz Quadros de Magalhães



1 CONCEITO



Para alguns autores, o conceito de Direito Econômico nasceu na década de 20:



“Os novos fenômenos que se manifestam após a Primeira Guerra Mundial, como as socializações, a reforma agrária, o controle de preços, o controle de câmbios, o sistema de contratos coletivos de trabalho, são naturalmente, disciplinados pelo Direito. Se estabelece assim um conjunto de normas cuja sistematização apresentava inúmeras dificuldades. Observou-se que todas estas disposições tiveram características semelhantes, referindo-se a disciplina de situações econômicas. Seu lugar no sistema jurídico, entretanto, não estava definido. Assim surgiu espontaneamente a denominação de ‘Direito Econômico’ para agrupar estas normas sob uma disciplina.”1



No Dicionário de Direito Econômico, encontramos a seguinte definição:



“Direito Econômico – Ramo de Direito que tem a tarefa específica de regulamentar a atividade econômica. Enquanto outros ramos podem e, habitualmente, cuidam de regular atos e fatos mais ou menos relacionados com aquela atividade, o Direito Econômico a considera como seu conteúdo específico. Alguns querem tomá-lo apenas como um ramo do Direito Público, deixando a atividade econômica contratual e privada a ramos especializados, como o Direito Comercial, Trabalhista, etc. Outros, entretanto, o têm como um direito de síntese, regulamentando atividade econômica quer no setor público quer no privado, mas tomando-a no aspecto que não se confunde nem se choca com os ramos do Direito Público, como o administrativo nem com os do Direito Privado acima mencionados.”2



Nos ensinamentos do Prof. Washington Peluso Albino de Souza, o Direito Econômico



“é o ramo de Direito, composto por um conjunto de normas de conteúdo econômico e que tem por objeto regulamentar as medidas de política econômica referentes às relações e interesses individuais e coletivos, harmonizando-as – pelo princípio da ‘economicidade’ – com a ideologia adotada na ordem jurídica”.3



Podemos recolher dessa conceituação os seguintes dados:



a) em primeiro lugar, constatamos ser o Direito Econômico um ramo do Direito;

b) este ramo do Direito é composto por normas que tenham um conteúdo econômico;

c) o objeto do Direito Econômico é o de regulamentar as medidas de política econômica que se referem a relações e interesses individuais e coletivos;

d) tais medidas de política econômica referentes a relações e interesses individuais e coletivos devem estar harmonizadas com a ideologia constitucionalmente adotada, através do princípio da “economicidade”.



Convém esclarecer dois pontos importantes para mais fácil compreensão do conceito de Direito Econômico: no que diz respeito às normas de conteúdo econômico e ao princípio da economicidade.



“A razão de apresentar ‘conteúdo econômico’ não basta para caracterizar a norma como componente do Direito Econômico. Nem mesmo o fato de considerarmos que este ramo de Direito tenha obrigatoriamente conteúdo econômico bastaria para oferecer uma posição específica, a partir desta particularidade. O modo de tratar esse conteúdo econômico – aplicando-lhe normas próprias, destacando-lhes regras igualmente próprias e que estão comprometidas com a regulamentação jurídica da ‘política econômica’, condicionando-a aos princípios ideológicos constitucionalmente adotados, este sim, é o seu traço diferencial.”4



Com relação ao princípio da economicidade, também vamos recorrer aos ensinamentos do Prof. Washington Albino. A primeira indagação que poderá surgir é quanto ao motivo do emprego desse termo, uma vez que o vocábulo econômico é o normalmente utilizado. Nas ordens jurídico-econômicas modernas, encontramos elementos ideológicos que aparentemente são conflitantes entre si, produto das contradições do liberalismo e que não poderia manter os seus princípios básicos sem recorrer a princípios de outros sistemas econômicos como, por exemplo, a intervenção estatal.

Para explicar e superar esses elementos conflitantes, deve-se recorrer ao conceito cultural de valor, não se ficando preso ao sentido econômico de valor que, em uma sociedade capitalista, está diretamente ligada à idéia de lucro. Este conceito de valor, presente nele o sentido da medida, deve levar em conta valores de natureza diferente – estética, religiosa, moral, política ou econômica. Esta idéia traz em si sugestão de vantagem, que não se limita a ser material, patrimonial; mas se afirma pela necessidade atendida, seja essa necessidade de que natureza for.

“Esta vantagem assim libertada do sentido primitivo de rentabilidade econômica, de lucro materialmente traduzido, é o substrato do que vamos chamar de economicidade.”5 Portanto, o termo “economicidade” tem um aspecto mais abrangente e bastante diferente do termo “econômico”, este já bastante comprometido com uma determinada ideologia.

Para melhor concluir essa explicação sobre o conceito de economicidade, citaremos dois trechos da obra Direito Econômico, do Prof. Washington Albino:



“Prosseguimos no emprego do termo economicidade, em busca de razões para não tomar como contradições fundamentais os dispositivos constitucionais que, após consagrarem todos os princípios da ideologia capitalista, adotaram outros, contrários ao conceito de lucro e limitando ou impedindo este, sob justificativa de interesse social.

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Assim, preferimos empregar o termo economicidade, como significando uma linha de maior vantagem nas decisões da política econômica, visto que estamos em um ramo do Direito que se aplica a regulamentar as medidas dessa política econômica. E, ainda, no mesmo sentido, para que tais medidas não se percam em conceito que, embora referente ao justo, se mostra impregnado das mesmas imperfeições e indefinições (tais como os princípios de Justiça, Bons Costumes, Boa-Fé, razões de Estado e tantas outras), é que lhe atribuímos a função de ajustamento das medidas de política econômica, aos princípios ideológicos adotados na Constituição. Assim, economicamente justo, segundo o princípio da economicidade introduzido neste conceito, é o que se põe em prática por medidas de política econômica, visando realizar o que a sua soberania democrática tenha definido na Constituição, como o fundamento dos princípios ideológicos que a inspiram.”6



No início deste trabalho abordamos a questão do conflito de normas. Vimos a diferença entre regras, princípios, valores e normas. Que os valores presentes na sociedade permitem construir conceitualmente os princípios que, portanto, mudam quando mudam os valores. Por sua vez, os princípios informam o correto entendimento e aplicação das regras.

Para melhor compreensão podemos dizer que:



a) Valores: presentes na sociedade e mutáveis com o tempo. Variáveis de acordo com o tempo e o espaço (nações diferentes, costumes e valores diferentes).

b) Princípios: são normas que só ganham concretude diante do caso concreto e que se aplicam a um maior número de casos. Podemos dividi-los ainda em princípios fundamentais e setoriais no nosso texto constitucional, que tem, portanto, graus de abrangência ou aplicabilidade maior ou menor. Para Robert Alexy os



“princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus, e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais mas também jurídica. [...] De outro lado, as regras são normas que só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve-se fazer exatamente o que ela exige, nem mais nem menos. Portanto, as regras contêm determinações no âmbito do fático e juridicamente possível.”7



c) As regras se aplicam a situações determinadas, específicas. O grau de amplitude é, portanto, restrito, e não amplo como os princípios. Segundo Marcelo Gallupo, cujo trabalho recomendamos que seja lido, para compreensão da diferença entre princípios e regras,

“a grande questão acerca dos princípios é, na perspectiva de Alexy, acerca dos conflitos entre os mesmos. Porque, aparentemente, os princípios parecem se aplicar a todas as situações. Mas isto somente prima facie, pois pode ser que no caso concreto um princípio deixe de ser aplicado par se dar curso a outro, já que eles não são normas definitivas: é a questão da tensão entre princípios.”8



d) A ideologia constitucionalmente adotada é a síntese, produto da leitura sistêmica de todo o texto constitucional. É o valor constitucional maior que, obviamente, se baseia em valores históricos mutáveis na sociedade.

e) O princípio da economicidade é justamente a busca da realização desse valor diante de casos concretos, quando devemos efetuar sempre a leitura sistêmica que permita encontrar a solução constitucionalmente justa para o caso; aí então poderemos aplicar princípios em determinados casos que podem não ser aplicados em outros. O objetivo deve ser a aplicação da lei constitucionalmente adequada, ou, em outras palavras, a criação da norma aplicável ao caso concreto que corresponda à ideologia constitucionalmente adotada. Ao compreendermos esta noção, podemos não só falar de uma lei inconstitucional, mas pode ocorrer que uma lei constitucional possa ter uma aplicação inconstitucional.

f) Estes mecanismos nos permitem construir uma aplicação constitucionalmente adequada da lei, e logo das políticas econômicas, quando no plano do direito econômico, que, como vimos, é inseparável de todo o ordenamento jurídico compreendido como sistema único.

g) Isso nos faz refletir ainda sobre as permanentes inconstitucionalidades dos planos econômicos no Brasil, e a sujeição ideológica do Direito aos falsos imperativos “matemáticos” da Economia, como se esta tivesse verdades matemáticas que o Direito não pode contrariar, o que é falso e perigoso, pois estabelece a ditadura da economia sobre o Direito e, portanto, sobre a justiça. A Economia é uma ciência social que, sistematicamente, vem se transformando em ciência exata, o que pode ser facilmente constatado pelos currículos dos cursos de Economia, o que é distorção ideológica provocada pelo modelo neoliberal. É sem dúvida, mentirosa a declaração de um Ministro de Estado responsável pela política econômica de que o único caminho do Brasil é este ou aquele. O Direito Econômico existe justamente para contrariar esses falsos imperativos.

h) Finalmente, quero citar novamente a opinião de Robert Alexy sobre conflitos de princípios:



“Quando dois princípios entram em colisão [...] um dos dois princípios tem que ceder ante o outro. Mas isto não significa declarar inválido o princípio que não teve curso, nem que haja de ser introduzir no princípio que não teve curso uma cláusula de exceção. Ao contrário, o que acontece é que sob certas circunstâncias, um dos princípios precede ao outro. Sob outras condições, a questão da precedência pode ser solucionada de forma inversa.” 9



Como observa Gallupo,10 isso significa que o conflito de regras se dá na dimensão de validade, ou seja, não podem existir duas regras contraditórias válidas. Já o conflito de princípios será resolvido na dimensão do peso, ou seja, haverá uma hierarquização em função do caso e não uma hierarquização absoluta ou permanente.

Já na conceituação do Direito Econômico, encontramos importantes pontos de contato com os Direitos Humanos (quando utilizamos essa expressão, queremos nos referir à idéia de indivisibilidade destes direitos, e como já referido anteriormente, aqui estudados na perspectiva do Direito Constitucional). É importante atentar que nos referimos à conceituação do Prof. Washington Peluso Albino de Souza. Outras conceituações serão encontradas, porém não correspondem à nossa compreensão do que seja o Direito Econômico.

Dentre os autores estrangeiros podemos citar, por exemplo, Hjedemann, para quem o Direito Econômico é um ordenamento jurídico fundamentado especificamente sobre considerações de natureza econômica, representando o “espírito do direito em um momento histórico”. Hug, Kiraly, Alhorio e Champeau, dizem ser o direito da empresa, visão completamente diversa da que adotamos, por igualar o Direito Econômico ao Direito Comercial. Soprano afirma ser o direito da produção e do trabalho, levando o Direito Econômico a uma confusão como Direito do Trabalho. Jeantet afirma ser o direito da intervenção do Estado, o que também não é correto, uma vez que o não-intervencionismo estatal que caracteriza o liberalismo é também uma medida de política econômica adotada pelo Estado, sendo, portanto, também objeto do Direito Econômico.11

Mais próximo do conceito adotado, encontramos Radbruch, que afirma ser o Direito Econômico “o direito regulador da economia mista, tendo por fim compor os interesses gerais protegidos pelo Estado, de um lado, e os interesses privados de outro”.12

Voltando ao conceito de Direito Econômico analisado, podemos encontrar conexões importantes e essenciais para os Direitos Humanos. Quando se afirma ser o Direito Econômico “ramo do Direito, composto por conjunto de normas de conteúdo econômico e que tem por objeto regulamentar as medidas de política econômica referentes às relações e interesses individuais e coletivos, harmonizando-as – pelo princípio da economicidade – com a ideologia adotada na ordem jurídica”,13 podemos destacar alguns pontos de contato com os Direitos Humanos: a política econômica, a ideologia adotada e o princípio da economicidade.





CITAÇÕES:



1 COTTELY, Esteban. Teoría del derecho económico. Buenos Aires: Frigerio Artes Gráficas, 1971, p. 21-22.

2 DICIONÁRIO de direito econômico. Cadernos de Direito Econômico. FDUFMG, ano I, nov. 1969.

3 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito econômico. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 3.

4 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito econômico, cit., p. 11.

5 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito econômico, cit., p. 28-29.

6 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito econômico, cit., p. 30-32.

7 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1993, p. 86-87.

8 GALLUPO, Marcelo. Os princípios jurídicos e a solução de seus conflitos. Revista da Faculdade Mineira de Direito da PUC/Minas, v. 1, n. 2, p. 134-142, 2º sem. 1998.

9 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales, cit., p. 89.

10 GALLUPO, Marcelo. Os princípios jurídicos e a solução de seus conflitos. Revista da Faculdade Mineira de Direito da PUC/Minas, v. 1, n. 2, p. 138, 2º sem. 1998.

11 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico. Belo Horizonte: Fundação Brasileira de Direito Econômico, 1977, p. 11-12.

12 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico, cit., p. 12.

13 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito econômico, cit., p. 3.

Um comentário:

  1. Que isso, Professor?!
    Cadê a "linha de economicidade constitucionalmente adotada"???
    Sem isso não há direito econômico que se preze.

    Saudades do Prof. Washington. Ele soletrando e explicando o próprio nome (aula 2, turno da noite) já valia o curso.
    Gallupo, Alexy???
    Quem são esses babacas, professor?
    Lembra daquela feia que era assistente do Prof. Washington, se não me falha a memória era Ana Maria, Ana Tereza, uma coisa assim? Teve o desprazer de ter aula com "aquilo"?
    Lembro que aquela energúmena me pôs pra fora de sala um dia. Tava vendo um livro de fotos do ballet Bolshoi.
    Ela achou um absurdo.
    Eu também.

    Radbruch, a melhor desse besta é: "Não um direito penal melhor. Mas alguma coisa melhor do que o direito penal."
    Durante décadas pensei que a citação fosse do Heleno Cláudio Fragoso.
    Abração.

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