terça-feira, 24 de maio de 2011

396- República! - Coluna do professor José Luiz Quadros de Magalhães

República!


por José Luiz Quadros de Magalhães



O que é uma Republica?

No passado, a palavra República significou uma forma de governo contraposta à Monarquia. Desta forma, a República seria uma forma de governo do povo, na qual este participaria diretamente ou por meio de representantes, enquanto na Monarquia, haveria o governo de um só, fundado nos privilégios hereditários e numa fundamentação artificial do poder do soberano na vontade divina.

A idéia de República se contrapondo à Monarquia, como sendo uma forma de estado no qual o governo (unipessoal e/ou colegiado) é escolhido pelo povo, refere-se a um conceito moderno. Importante lembrar que o significado da palavra república mudou muito no decorrer da história.

Na antiguidade romana república significava a coisa do povo; a coisa pública; o bem comum; comunidade; conceito originário da cultura grega (uma das acepções do termo Politeia). É, portanto, um sentido que se afasta da tipologia das formas de governo. Não era, portanto, uma contraposição à Monarquia. Monarquia era naquele momento um princípio de governo. Assim, a Monarquia seria uma forma de governar, da mesma forma como a Aristocracia e a Democracia o eram. Cícero, por exemplo, contrapunha a República aos governos injustos. A República seria a conformidade com a lei e com o interesse público pelo qual uma comunidade afirma sua justiça.

Este significado dado por Cícero permaneceu até a Revolução Francesa em 1789. Exaltou-se na Idade Média a ideia de “Res publica christiana”, em que se procurou mostrar a unidade da sociedade cristã na coordenação dos poderes universais da Igreja e do Império, que trariam e manteriam a justiça e a paz ao mundo.

Na modernidade o termo se seculariza, afastando-se dos significados religiosos. Entretanto, é mantido o significado construído por Cícero na antiguidade. Bodin utilizava o termo República para designar a Monarquia, a Aristocracia e a Democracia quando estas viviam sob um estado de direito, contrapondo-se República aos regimes violentos, sem lei ou anárquicos. Este é um significado que permanece até Kant, filósofo que faz ressaltar como a “constituição” dá forma à República. Com Kant, a República se torna um autêntico ideal da razão prática. É o consenso jurídico de Cícero se concretizando na Constituição moderna. O mito da República está estreitamente ligado, no século XVIII, à exaltação do pequeno estado, o único que comporta a democracia direta, a forma legítima de democracia para alguns. Rousseau se inspirou nesta idéia de República em Genebra, nos seus escritos.

O sentido de República mudou completamente após a revolução norte-americana. Para os norte-americanos John Adams e Alexander Hamilton, República volta a ser uma oposição à Monarquia, em que há a separação de poderes e uma democracia representativa controlada pela constituição e de cunho elitista. República passa significar, então, uma democracia liberal (1). Sabemos da enorme dificuldade em juntar estas duas palavras: liberalismo e democracia. O constitucionalismo liberal rejeitava a democracia e a constituição moderna só se democratizou por força dos movimentos operário do século XIX. Logo devemos compreender neste momento o que se poderia chamar de uma “democracia liberal”: um regime onde homens brancos e proprietários podiam votar e se candidatar.

A partir das revoluções socialistas e o constitucionalismo socialista com a União Soviética, os estados socialistas da Europa oriental, China, sudeste asiático, África e Cuba, foi consagrada a República socialista. O objetivo desta República é a instituição de um estado completamente novo que criaria as condições necessárias para a implantação do comunismo, sistema social e econômico no qual haveria a liberdade plena em uma sociedade sem hierarquia, sem estado e governo, sem patrões e empregados. Uma verdadeira República.

Convém lembrarmos a relação entre autoritarismo e república. Vários regimes políticos de direita e de esquerda se fundaram sobre práticas e idéias autoritárias. Estes sistemas são repúblicas nominais, uma vez que, como visto, a idéia de República sempre se vinculou à origem popular da legitimação do poder.

Hoje, a idéia de coisa pública e de igualdade continua presente no conceito de República. A República é um espaço no qual não há privilégios hereditários ou qualquer outro. República, portanto, é um espaço de igualdade perante a lei. Ser republicano é reconhecer a coisa pública, os bens públicos, o patrimônio histórico, artístico e cultural como pertencente igualmente a cada pessoa e a todas as pessoas simultaneamente. Em uma República não se admitem privilégios de nenhuma espécie, seja por razão de sobrenome, de riqueza, de conhecimento, cargo, posição profissional ou qualquer outra diferenciação.

Em uma República, a pessoa é reconhecida como portadora de direitos iguais, seja qual for sua posição. Uma ilustração interessante da idéia republicana na contemporaneidade está na não aceitação de entradas especiais, “carteiradas”, filas furadas, salas especiais ou espaços reservados para quem use terno e gravata, ou prisão especial para quem tem curso superior. Uma coisa é tratar de forma diferente situações diferentes, buscando a igualdade, outra coisa é agravar a diferença injustamente, com a criação de privilégios.

Falar-se, então, em República no Brasil vai além de uma simples idéia de uma forma de governo do povo, isto é, reiterado pelo conceito de Estado Democrático e Social de Direito. República, além do povo no poder, significa dizer que este povo no poder não pode aceitar ou criar privilégios de nenhuma natureza. Cada um, mesmo que seja minoria, mesmo que seja o único, tem direitos iguais perante a lei. Tem direito de ser reconhecido como integrante da República e, portanto, como construtor do caminho coletivo da vontade estatal.
[1]       BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 10. ed. Brasília:

Editora Unb, Brasilia 1997.



Um comentário:

  1. Ótimo texto professor, que os brasileiros sejam verdadeiros republicanos!

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