terça-feira, 17 de maio de 2011

364- Direitos Humanos 39 - Direito do Consumidor

6.4 DIREITO DO CONSUMIDOR




JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES



Não é objetivo deste trabalho o estudo da legislação infraconstitucional referente aos vários direitos que compõem os Direitos Humanos, o que o tornaria demasiado extenso. Por isso não será objeto e análise detalhada o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11/9/90). Queremos apenas demonstrar o direito do consumidor como direito econômico fundamental.

O direito do consumidor envolve a interferência do Estado em problemas ligados à qualidade do produto, à relação de consumo, ao preço, aos contratos de fornecimento de produtos e serviços, à publicidade, dentre outras questões.

Os direitos dos consumidores podem ser, nos termos da Lei n. 8.078/90, art. 81, incisos I, II e III, direitos difusos, direitos coletivos e direitos individuais. Portanto, os direitos dos consumidores, que classificamos como Direito Econômico Fundamental, pelas suas características mais marcantes, podem ser direitos que tenham como núcleo a proteção de interesses difusos, coletivos (de grupo, categoria ou classe de pessoas) ou individuais; estes últimos, embora sejam direitos individuais, decorrem de normas de intervenção na ordem econômica. Tendo essa intervenção como característica marcante desses direitos, classificamos também os direitos individuais do consumidor como norma de Direito Econômico, e não entre os Direitos Individuais Fundamentais clássicos, relativos à liberdade, à igualdade, à vida, à segurança, à propriedade. O emprego adequado de expressões é um grande problema para a classificação dos Direitos Humanos, não havendo, como já abordamos na Introdução, nenhuma uniformidade doutrinária.

Os direitos individuais do consumidor não se encaixam na teoria dos direitos individuais clássicos, como direitos contra o Estado, regulando condutas individuais. Daí não considerarmos correta a previsão dos direitos individuais do consumidor entre os Direitos Individuais Fundamentais do art. 5º. Como já vimos pelas características deste direito e pela própria redação do inciso XXXII do art. 5º, que determina uma prestação positiva do Estado no sentido de promover a proteção do consumidor, a localização correta desse direito será no campo do Direito Econômico. O simples fato de se falar em interesse individual protegido não significa ser este interesse o núcleo de um Direito Individual Fundamental clássico, que estudamos como grupo que compõe os Direitos Humanos.

A necessidade da proteção do consumidor surge da expansão na economia com vultosos empreendimentos industriais, comerciais ou de prestação de serviços, comandada por maciça e atraente publicidade, criando novos hábitos, despertando ou mantendo o interesse da coletividade, que assimila e adere à mensagem. Como escreve Carlos Alberto Bittar, com muita propriedade, os consumidores, na ânsia de prover exigências pessoais ou familiares,



“têm sua vontade desprezada ou obscurecida pela capacidade de imposição de contratação e, mesmo, de regras para a sua celebração, de que dispõem as grandes empresas, face à força de seu poder de negociação, decorrente de suas condições econômicas, técnicas e políticas. A vontade individual fica comprimida; evidencia-se um descompasso entre a vontade real e a declaração emitida, limitando-se esta à aceitação pura e simples, em bloco, do negócio (contrato de simples adesão)”.37



Essa desigualdade entre consumidor e empresários traz a ocorrência de inúmeras práticas comerciais lesivas, resultantes de um sistema econômico competitivo, que nem sempre respeita os valores éticos, causando danos os mais diversos ao consumidor, conforme o caso, à vida, à saúde, à privacidade, a interesses econômicos ou a outros bens.

As práticas lesivas são exemplificadas por Carlos Alberto Bittar como:



“o condicionamento do fornecimento de um produto à aquisição de outro; a inobservância de normas técnicas na produção; deflagração da publicidade enganosa (apregoação de qualidades inexistentes, ou de propriedades ilusórias do produto ou do serviço); ausência ou insuficiência de informações aos consumidores ou, ainda, divulgação indevida de informações (depreciativa de ação do consumidor); inclusão das cláusulas contratuais abusivas (como as de perda de numerário; exoneração de responsabilidade; excesso de garantias e outras); colocação no mercado de produtos ou de serviços viciados (como os casos de diferença de qualidade e de quantidade; de ausência de componente essencial e outros).”38



Para coibir estas e outras práticas, o Código do Consumidor (Lei n. 8.078/90) prevê sanções administrativas para as infrações das suas normas, como multa; apreensão do produto; inutilização do produto; cassação do registro do produto; proibição da fabricação; suspensão do fornecimento; suspensão temporária da atividade; revogação da concessão ou permissão de uso; cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; interdição total ou parcial, de estabelecimento de obra ou de atividade; intervenção administrativa; imposição de contrapropaganda (art. 56, incisos I a XII).

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que regulamenta o inciso XXXII do art. 5º e o inciso V do art. 170 da Constituição Federal, e o art. 48 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição brasileira, ainda prevê infrações penais, considerando crime contra as relações de consumo: a omissão de dizeres ou sinais ostensivos sobre nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade; a falta de comunicação à autoridade e aos consumidores da nocividade ou periculosidade de produtos, cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado; a execução de serviço de alto grau de periculosidade, contrariando determinações da autoridade competente; fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços; fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva; fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber, ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança; deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade; empregar, na reparação de produtos, peças ou componentes de reposição usados, sem autorização do consumidor; utilizar na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, que exponha o consumidor, injustificadamente a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer; impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros que sabe ou deveria saber inexata; e, finalmente, deixar de entregar ao consumidor o termo de garantia adequadamente preenchido e com especificações claras de seu conteúdo (arts. 61 a 74 da Lei n. 8.078/90).

A pena varia de um mês a dois anos de detenção além da multa, existindo a previsão de circunstâncias agravantes no art. 76, incisos I a V, da Lei n. 8.078/90:



“Consumidor é aquele que não dispõe de controle sobre os bens de produção e, por conseguinte, deve submeter-se ao poder de seus titulares. ‘É aquele que se encontra numa situação de usar ou consumir, estabelecendo-se, por isso, uma relação atual ou potencial, fáctica sem dúvida, porém a que se deve dar uma valoração jurídica, a fim de protegê-lo, quer evitando, quer reparando os danos sofridos”, superando, desta forma, a “noção de adquirente para alcançar, na sua amplitude, todos os que se encontram numa posição de consumir.”39



Acrescenta Paulo Affonso Leme Machado que “a defesa do consumidor será eficaz na ação civil pública, notadamente, através da ação objetivando o cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer”.40

Com relação à ação civil pública como meio processual para defesa do direito do consumidor, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural, a Constituição brasileira de 1988 determina, no art. 129, inciso III, ser função institucional do Ministério Público a promoção do inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, o que inclui os direitos dos consumidores.

Sobre o assunto, Edis Milaré entende ser a ação civil pública, por excelência, ação do Ministério Público:



“Aliás, até recentemente o Ministério Público praticamente detinha o monopólio da ação destinada à tutela jurisdicional dos valores supra-individuais, em face da proibição constante do art. 6º do Código de Processo Civil, vedando a defesa do direito alheio em nome próprio. A Lei n. 7.347/87 rompeu esta barreira, dando legitimidade ativa também às pessoas jurídicas estatais, autárquicas e paraestatais, assim como às associações, para propor a ação civil pública destinada a reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, histórico e paisagístico (art. 1º), protegendo assim alguns interesses difusos da sociedade.”41

No Direito Constitucional Comparado, apenas as Constituições mais modernas contêm o Direito do Consumidor. São exemplos a da Esapnha e a de Portugal. A primeira, sancionada em 27 de dezembro de 1978 e publicada no dia 29 seguinte, assegura o Direito do Consumidor no Capítulo III (princípios diretivos de política social e econômica) do Título I (Dos Direitos e Deveres Fundamentais), art. 51, que tem a seguinte redação:



“Art. 51...................................................................................................

1 – Os Poderes Públicos garantirão a defesa dos consumidores e utentes e protegerão, por meio de processos eficazes, a sua segurança, a sua saúde e os seus legítimos interesses econômicos.

2 – Os Poderes Públicos promoverão a informação e a educação dos consumidores e utentes, fomentarão as suas organizações e ouvirão essas organizações nas questões que os possam afetar, nos termos a estabelecer pela lei.

3 – No âmbito do disposto nos números anteriores, a lei regulará o comércio interior e o regime de autorização de produtos comerciais.”



Esse preceito constitucional, em sua redação definitiva, corresponde à emenda formulada pela Senadora G. Begné que, como escreve Oscar de Juan Asenjo, situa o texto constitucional espanhol na linha dos documentos internacionais de proteção ao consumidor, observando que,



“segundo as explicações dadas pela promotora do texto, o parágrafo primeiro contém os direitos substanciais, e o segundo, os instrumentais. As organizações de consumidores são, pois, um dos instrumentos de defesa do consumidor; atuarão no setor público como representantes do consumidor e poderão promover quaisquer medidas que reforcem seu poder: cooperativas de consumo, controle da qualidade dos produtos, etc.”42



A Constituição da República portuguesa, com o texto após a revisão constitucional de 1989, prevê o Direito do Consumidor no artigo 60. Antes desta revisão encontrava-se o Direito do Consumidor no art. 110, no Título VI, destinado exclusivamente ao comércio e à proteção do consumidor. Guilherme d’Oliveira Marins lembra que, na ordem jurídica portuguesa,



“os diplomas sobre concorrência e sobre infrações contra a economia nacional e a saúde pública têm na primeira linha das suas preocupações a defesa dos direitos dos consumidores – cuja defesa se tornou absolutamente indispensável nas sociedades contemporâneas, tornadas naquilo que os anglo-saxônicos designam como acquisitive societies”.43



O art. 60 da Constituição de Portugal dispõe:



“Art. 60. .................................................................................................

(Direito dos Consumidores)

1 – Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à proteção da saúde, da segurança e dos seus interesses econômicos, bem como à reparação de danos.

2 – A publicidade é disciplinada por lei, sendo proibidas todas as formas de publicidade oculta, indireta ou dolosa.

3 – A associação de consumidores e as cooperativas de consumo têm direito, nos termos da lei, ao apoio do Estado e a ser ouvidas sobre as questões que digam respeito à defesa dos consumidores.”



Nas Constituições dos países de “Socialismo de Estado” ou, como alguns autores se referem, “Socialismo Real”, não se justificam muitas das disposições relativas ao Direito do Consumidor, uma vez que não há sociedade de consumo capitalista – os meios de produção pertencem ao Estado ou à sociedade ou ainda ao coletivo de trabalhadores, não havendo a concorrência, a propaganda enganosa, e controle direto sobre os bens colocados à venda é exercido pelo Estado. Dessa forma, não existe na Constituição Cubana previsão deste direito, ressaltando-se que o seu texto prevê nos arts. 22 e 23 a propriedade privada apenas sobre os rendimentos e economias procedentes do próprio trabalho, sobre a moradia que se possua a justo título de domínio e demais bens e objetos que servem para a satisfação das necessidades materiais e culturais da pessoa, como ainda a propriedade das organizações políticas, sociais e de massas sobre bens destinados ao cumprimento de seus fins.



CITAÇÕES:



37 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor (Código de Defesa do Consumidor). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 1-2.

38 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do Consumidor (Código de Defesa do Consumidor), cit., p. 3; SOUZA, Rui Barbosa de. Código dos Direitos do Consumidor. Porto Alegre: Rígel, 1990; NASCIMENTO, Tupinambá Miguel de Castro do. Comentários ao Código do Consumidor – Lei n. 8.078 de 11/11/90. 1. ed., Rio de Janeiro: Aide, 1991.

39 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Ação civil pública (ambiente, consumidor e patrimônio cultural) e tombamento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 13.

40 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Ação civil pública (ambiente, consumidor e patrimônio cultural) e tombamento, cit., p. 13.

41 MILARÉ, Edis. A ação civil pública na nova ordem constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 10-11.

42 ASENJO, Oscar de Juan. La Constitución económica española. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1984, p. 111.

43 MARTINS, Guilherme d’Oliveira. Lições sobre a Constituição econômica portuguesa. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito, 1983/1984, v. 1, p. 202.

Nenhum comentário:

Postar um comentário