TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM 1991
5.2.4 Liberdade de reunião
José Luiz Quadros de Magalhães
Segundo Pontes de Miranda, “a primeira e mais simples das liberdades corporativas é a liberdade de reunião. Vem logo após a liberdade geral de ir, ficar e vir. O único elemento novo é a convergência de pessoas”.68
Para Biscaretti di Ruffia,69 deve-se entender por reunião “o agrupamento temporário e voluntário de várias pessoas em determinado lugar, segundo acordo preventivo e com um fim preestabelecido”, diferenciando-se das aglomerações ocorridas por qualquer fato repentino e ocasional. Pontes de Miranda excluir também do enunciado da liberdade de reunião os “visitantes ou convidados de uma festa, o auditório de concertos ou conferências, o conjunto de espectadores de teatros, cinemas, circos, etc., o aglomerado dos que se acham em mercados, ou feiras, ou bolsas; o ajuntamento por força de ordem legal, como o dos que têm de ser conscritos para o serviço do Exército ou da Marinha”,70 por faltar em todos estes casos a intenção dos indivíduos em se reunir.
A Constituição de 1988 estabelece, no seu art. 5º, inciso XVI, a liberdade de reunião. Embora seja um direito que tem a sua manifestação externa coletiva, protege principalmente a liberdade individual. O que a Constituição visa, nesse caso, é proteger a liberdade que cada pessoa tem de decidir se vai ou não participar de uma reunião pública pacífica e sem armas. Está, portanto, a liberdade de reunião dentro da idéia dos direitos individuais, como direitos que regulam condutas individuais, que só cabem ao indivíduo decidir e cujo único limite é o direito do outro. O limite da liberdade da reunião é o direito de uma outra pessoa ou de um grupo de pessoas, ou o que se pode chamar de interesse público: só pode intervir o Estado nesse direito quando a reunião deixar de ser pacífica ou, na doutrina dos direitos individuais, quando o direito de uma ou várias pessoas for violado pelo exercício impróprio daquela liberdade.
A nossa Constituição não mais concede à autoridade a possibilidade de designar locais para a realização de reuniões: poderá ser qualquer local aberto ao público, exigindo-se apenas que seja feito um prévio aviso à autoridade competente para que esta tome as providências necessárias para a proteção das pessoas que irão realizar o comício, a passeata, a reivindicação, o ato público, além de poder evitar que uma reunião seja marcada para o mesmo local onde outra já fora marcada. Entenda-se reunião toda forma de manifestação pública com os mais variados fins, sempre lícitos e pacíficos, não sendo necessário que seja estática, permaneça em apenas um lugar, mas podendo se movimentar, como no caso das chamadas passeatas.
A reunião pública, como direito individual fundamental, é meio de manifestação do pensamento e do exercício da liberdade de expressão, e não pode ser utilizada com finalidades contrárias aos Direitos Humanos. Dessa forma, uma reunião pública que vise à divulgação de teses racistas é ilegal, pois os participantes de tal manifestação pública cometem crime previsto na Constituição, punido com pena de reclusão nos termos da lei.
A liberdade de reunião está assim prevista na Constituição:
“Art.5º..............................................................................................
XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião, anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.
A liberdade da reunião na Constituição Norte-Americana aparece ao lado de outros direitos individuais fundamentais, como a liberdade de religião, de palavra, de imprensa e de petição, na Emenda n. 1:
“O Congresso não fará lei relativa ao estabelecimento de religião ou proibindo o livre exercício esta; ou restringindo a liberdade do palavra ou de imprensa; ou o direito de povo de reunir-se pacificamente, e de dirigir petições ao Governo para reparação de seus agravos.”
Podemos, pois, afirmar que nos Estados Unidos “prevaleceu também a idéia de serem permitidas reuniões públicas, desde, é claro, que esses encontros fossem realizados pacificamente. Não obstante inexistir tal preceito no texto original da Constituição Estadunidense, vem ele consignado no entanto, na cláusula da Primeira Emenda.”71
A Constituição Soviética estabelecia a liberdade de reunião, também ao lado de outros Direitos Individuais, como a liberdade de expressão e de imprensa:
“Art. 50. .................................................................................................
De acordo com os interesses do povo e a fim de fortalecer e desenvolver o Regime Socialista, são garantidas aos cidadãos da URSS as liberdades de expressão, de imprensa, de reunião, de realização de comícios, desfiles e manifestações de rua.
O exercício das liberdades políticas é garantido pela concessão aos trabalhadores e às suas organizações de edifícios públicos, ruas e praças, pela ampla difusão da informação e pela publicidade de utilização da imprensa, da televisão e do rádio.”72
O art. 50 estabelece a liberdade de reunião desde que esta seja realizada ‘de acordo com os interesses do povo e a fim de fortalecer e desenvolver o regime socialista”. Essa redação permite, pois, que se venha a limitar ou proibir manifestações públicas que sejam contrárias ao regime instituído.
De forma semelhante, a Constituição da República Democrática Alemã (Alemanha Oriental), estabelecia, no art. 28:
“Art.28..................................................................................................
1 – todos os cidadãos têm o direito de reunião pacificamente, contando que respeitem os princípios e os objetivos da Constituição.
2 – Para permitir o livre exercício deste direito, a República Democrática Alemã garante as suas condições materiais, mediante a utilização das salas de reunião, ruas, praças, tipografias e meios de comunicação.”
Limita-se o direito de reunião, pois este deve respeitar as princípios e objetivos da Constituição.
A Constituição de Portugal não estabelece limites para a liberdade de reunião além daquele que determina que esta seja pacífica. Não há no texto restrições no que diz respeito aos objetivos da reunião pública.
“Art. 45. (Direito de reunião e de manifestação)
1 – Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo que em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização.
2 – A todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação.”
Diversamente da Constituição do Brasil, de Portugal e dos Estads Unidos, a Constituição da Espanha faz algumas restrições à liberdade de reunião admitindo mesmo a proibição desta “quando existirem fundadas razões de alteração de ordem pública, com perigo para pessoas ou bens”, conforme o seu art. 21:
“Art.21..................................................................................................
1 – É reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas e o seu exercício não carecerá de autorização prévia.
2 – Tratando-se de reuniões em lugares públicos e de manifestações, será delas feita comunicação prévia à autoridade, que só poderá proibir quando existirem fundadas razões de alteração de ordem pública, com perigo para pessoas ou bens.”
A Constituição da Itália faz as mesmas restrições que a da Espa-nha, no seu art. 17:
“Os cidadãos têm direito de se reunir pacificamente e sem armas.
Para reuniões, mesmo em lugar aberto ao público, não é necessária prévia comunicação.
Das reuniões em lugar público deve ser dado prévio conhecimento às autoridades, que podem impedi-las somente por comprovados motivos de segurança ou de incolumidade pública”.
5.2.5 Liberdade de associação
A liberdade de associação tem uma natureza diversa da liberdade de reunião. Enquanto esta última deve ser entendida como um “agrupamento temporário e voluntário de várias pessoas em um determinado lugar, segundo acordo preventivo e com fim preestabelecido”, a liberdade de associação “é o direito de várias pessoas de organizar-se com um vínculo recíproco e duradouro para alcançar um fim comum”.73
A liberdade de associação está no art. 5º, incisos XVI a XXI, da Constituição de 1988.
A Carta brasileira começa por declarar a liberdade de associação estabelecendo limite para este direito individual: como a proibição de associações que tenham fins ilícitos (é o caso do exemplo acima citado, de uma associação que tenha por finalidade congregar racistas e pregar falsa superioridade de uma “raça” (!?) sobre a outra), ou de associação de caráter paramilitar.
A liberdade de associação está melhor caracterizada nos incisos XVIII e XIX, quando a Constituição determina que as associações não dependem de autorização para serem criadas, assim como as cooperativas na forma da lei, vedando-se a interferência estatal em seu funcionamento; mas as associações só podem ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se ainda o trânsito em julgado da decisão para que seja compulsoriamente dissolvida.
O inciso XX do art. 5º caracteriza muito bem a associação no plano do direitos individuais fundamentais, como aquele que protege a liberdade individual de opção, ao determinar que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado.
Finalmente, o inciso XXI dispõe sobre a legitimidade das associações de representar judicial e extrajudicialmente os seus associados, concedendo com isso a possibilidade de defesa não apenas de seus direitos, como ocorria, mas também de direitos dos associados.
“A liberdade constitucional de associação compreende não só o direito de o homem associar-se a outros homens, criando uma entidade, que é a associação, como também o direito de aderir a uma associação já criada”.74
A liberdade de associação profissional e sindical é regida pelo art. 8º, incisos I a VIII, e parágrafo único, e é importante mecanismo de defesa, reivindicação e garantia dos direitos sociais do trabalhador, a serem estudados no capítulo destinado a este grupo de direito.
A liberdade de associação política, no tocante aos partidos políticos, é regida pelo art. 17, incisos I a IV e §§ 1º a 4º. Esse dispositivo restaura a liberdade partidária no Brasil, sendo que o § 2º devolve aos partidos políticos o caráter de associação de personalidade jurídica de direito privado, que funciona como meio importante de exercício dos direitos políticos, o que será estudado oportunamente.
O texto constitucional dos EUA não trata da liberdade de associação especificamente.
A Constituição da URSS, limitando essa liberdade aos objetivos da construção do comunismo, estabelecia no art. 51:
“De acordo com os objetivos da construção do comunismo, os cidadãos da URSS têm o direito de constituir organizações sociais que contribuam para o desenvolvimento da sua atividade política e das suas iniciativas e para a satisfação dos seus mais variados interesses.
São garantidas às organizações sociais as condições necessárias ao bom cumprimento dos seus objetivos estatutários”.75
Com relação à associação política com finalidade de criação de partidos políticos, o art. 6º coloca o Partido Comunista da União Soviética como “a força dirigente e orientadora da sociedade soviética, o núcleo do seu sistema político e de todas as organizações estaduais e sociais”.76
A Constituição da antiga Alemanha Oriental limitava o direito de associação aos objetivos e princípios da Constituição:
“Art. 29. Os cidadãos da República Democrática Alemã têm o direito de se associar com o objetivo de defender, pela sua ação comum, no seio de partidos políticos, de organizações sociais, de associações e de coletividades, os seus interesses em conformidade com os princípios e objetivos da Constituição”.77
O art. 3º estabelece que a Frente Nacional da República Democrática Alemã, formada por partidos políticos e organizações de massa, é a organização que “exprime a aliança de todas as forças populares”, com vista ao progresso da sociedade socialista.
A Carta Portuguesa trata da liberdade de associação da seguinte forma:
“Art.46.................................................................................................
1 – Os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respectivos fins não sejam contrários à lei penal.
2 – As associações perseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas atividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial.
3 – Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação nem coagido por qualquer meio a permanecer nela.
4 – Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizado ou paramilitares, nem organizações que perfilem a ideologia fascista”.
Observa-se que o texto de Portugal, além de proibir as associações com fins bélicos, proíbe expressamente os de ideologia fascista.
A Constituição da Espanha não faz referência a nenhum tipo de ideologia que possa impedir a associação, proibindo somente as de caráter paramilitar e as associações secretas, além, é claro, das que tenham fins ilícitos.
“Art.22.................................................................................................
1 – É reconhecido o direito de associação.
2 – São ilegais as associações que prossigam fins ou utilizem meios tipificados como delitos.
3 – As associações constituídas ao abrigo deste artigo deverão inscrever-se num registro, unicamente para efeito de publicidade.
4 – As associações apenas poderão ser dissolvidas ou ter as suas atividades suspensas em virtude de decisão judicial fundamentada.
5 – São proibidas as associações secretas e as associações de caráter paramilitar”.
No mesmo sentido estabelece a Constituição da Itália, de forma sintética e objetiva.
“Art.18.................................................................................................
Os cidadãos têm direito de se juntar livremente, sem autorização, para fins que não são proibidos cada indivíduo pela lei penal.
São proibidas as associações secretas e as que perseguem, mesmo indiretamente, escopos políticos, mediante organizações de caráter militar.”
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