segunda-feira, 2 de maio de 2011

317- Direitos Humanos 9

TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM 1991.


5 OS DIREITOS INDIVIDUAIS EM DIVERSAS CONSTITUIÇÕES

José Luiz Quadros de Magalhães

Os direitos individuais são encontrados em Constituições de quase todos os países do mundo. Analisaremos a seguir os diversos direitos individuais fundamentais em textos com características variadas. Partiremos sempre da análise da Constituição brasileira de 5 de outubro de 1988, que marca a redemocratização do País, trazendo um grande leque de direitos individuais, políticos, sociais e econômicos, ampliando as garantias processuais através de novos mecanismos como o mandado de injunção e a ação de inconstitucionalidade por omissão, agora a amparar também os direitos sociais, e não apenas os individuais como antes.

O segundo texto constitucional a ser estudado será o dos Estados Unidos da América, com mais de 200 anos de existência (1787). Os direitos individuais são encontrados nas dez primeiras Emendas, acrescidas posteriormente ao texto original de 1787. Como poderemos notar no decorrer do trabalho, o texto é excessivamente sintético, e não contém em princípio uma declaração de direitos. A Constituição norte-americana nem sempre pode servir de exemplo para o constitucionalismo brasileiro. Embora seja grande a sua influência no Direito Constitucional brasileiro à partir de 1891. O sistema constitucional e jurídico norte-americano, apesar de assentar-se em Constituição escrita, apóia-se na construção do Direito pelos Tribunais, num sofisticado sistema de precedentes judiciais. Não se pode querer fazer comparações com relação à duração e à extensão da Constituição norte-americana e a brasileira, que sempre levam a equívoco. É comum ouvirmos dizer que a Constituição norte-americana é pequena, o que é incorreto. Se o texto é sintético, a Constituição (entendida no sentido material ) talvez só seja menor que a Constituição inglesa.

Da mesma forma é errado afirmar que os Estados Unidos tiveram apenas uma Constituição, pois se a entendermos como a leitura (a interpretação) que se faz do texto em um determinado momento histórico, alguns autores afirmam que os Estados Unidos, sobre um texto constitucional (Constituição formal), conheceram pelos menos sete Constituições diferentes, ou sete leituras diferentes sobre o mesmo texto (Constituição material).

Para melhor visualizarmos essa questão devemos buscar o entendimento do que seja valor, princípio, regra e norma. Lembrando a existência de diversos conceitos diferentes dessas expressões, adotaremos aqui os seguintes: os valores estão presentes na sociedade, tendo delimitação temporal e espacial (histórica), e informam a construção conceitual dos princípios, que se aplicam a diversas situações diferentes e que mudam quando mudam os valores na sociedade. A regras se referem a situações específicas, o grau de abrangência, portanto, é delimitado e sua aplicação deve ser sempre de acordo (sempre informada) pelos princípios. A norma é construída sobre uma situação fática concreta, sendo descoberta pelo intérprete aplicador do Direito, através de uma leitura sistêmica dos princípios e regras, inseridos em uma determinada situação histórica, social e econômica, específica.

Os princípios constitucionais são, portanto mutáveis e construídos conceitualmente a partir dos valores presentes em uma sociedade. Mudando-se os valores, muda a construção conceitual dos princípios. Dessa forma, um princípio é construído historicamente, tendo, portanto, uma localização espacial e temporal. A idéia de liberdade ocidental, por exemplo, e diferente da oriental, assim como a idéia de liberdade no século XVIII é diferente da idéia de liberdade no final do século XX. Assim, por sobre um mesmo enunciado de princípios da Constituição nos EUA (por exemplo: “Todos os homens nascem livres e iguais em direitos”) encontramos leituras diferentes informadas por mudanças de valores na sociedade norte-americana. Este mesmo princípio pode ser lido em 1787, entendido que os iguais são homens (as mulheres não) anglo-saxões, brancos. Posteriormente, com a mudança dos valores na sociedade, esse mesmo enunciado passa a ser lido como homens brancos e negros, que são iguais mas devem viver separados; mais tarde, com novas mudanças de valores sociais, temos a superação da noção de separados mas iguais; construção atual: “todos” são entendidos como homens, mulheres, de qualquer origem étnica, que devem viver juntos sem qualquer discriminação (ou como muitas vezes a lei fala: discriminação em relação à raça, ou cor o que, entretanto, não existe, pois a raça é uma só, e, com relação à cor, não existem pessoas brancas ou pretas ou vermelhas ou amarelas, talvez marrom-claras ou escuras, bege ou, quem sabe, até verdes. No mínimo, esta classificação é ridícula e superficial.)

Não se conhece, pois, a Constituição de nenhum país, e especialmente a dos Estados Unidos e Inglaterra, pela leitura do seu texto. O nosso objetivo neste livro, ao mencionarmos alguns textos constitucionais, é dar a conhecer a Constituição no sentido formal, incentivando o leitor a buscar um conhecimento aprofundado de outras Constituições. Não se trata, pois, de um estudo de Direito comparado, mas de legislação comparada. É apenas uma comparação inicial.

A forma pela qual se distribuem os artigos da Constituição norte-americana é completamente diferente de todas as outras examinadas, e nem por isso é menos eficaz. Portanto, se a Constituição dos EUA tem mais de 200 anos, isto se explica pelo sistema jurídico do Common Law. Afinal, entre os textos constitucionais ingleses encontraremos a Magna Carta, datada de 1215. E da mesma forma, se a Constituição só sofreu até hoje 26 emendas, é porque a necessidade de se incluirem outras é suprida pelas decisões da Suprema Corte Norte-Americana, conforme relataremos sobre a 27ª Emenda, quando do estudo da Igualdade jurídica, no próximo item.

O terceiro e o quarto exemplo utilizados mostram um outro sistema jurídico e um outro tipo de Constituição. São as Constituições dos países do chamado socialismo real, hoje existente em poucos Estados do mundo. Citamos, em primeiro lugar, a Constituição soviética, não mais existente, mas uma referência histórica importante para a compreensão do paradigma socialista. Nela encontramos todos os direitos individuais fundamentais, entretanto, de forma restrita; os direitos sociais e os interesses do Estado Socialista são colocados acima dos direitos individuais. O Direito e a Constituição soviéticos representam muito mais um instrumento para as realização dos propósitos do Estado e a construção o homem socialista, preparando-o para viver, no futuro, em uma sociedade comunista, ou seja, sem Estado, sem hierarquia, sem dinheiro, sem qualquer forma de opressão do homem sobre o homem. O Estado Socialista seria, portanto, uma fase de transição para a sociedade comunista. Incorreto é falar-se em Estado comunista, que nunca existiu nem poderia existir, pois o comunismo é o fim do Estado e a construção de uma sociedade totalmente livre.

Pelo mesmo motivo citaremos a Constituição da não mais existente Alemanha Oriental, que foi incorporada pela Alemanha Ocidental, criando-se a Alemanha unificada sob a égide da Constituição da antiga Alemanha Ocidental.

Finalmente, citaremos as Constituições de Portugal, da Espanha e, por vezes, da Itália. As duas primeiras, por serem exemplo de Constituições sociais analíticas, que permitem uma eficaz proteção da pessoa humana não só no campo dos direitos individuais fundamentais aqui estudados, mas também em relação aos direitos sociais, econômicos e culturais. A Constituição italiana é exemplo de uma Constituição do pós-Segunda Guerra, menos extensa que as duas primeiras, mas tecnicamente perfeita, mantendo desde 1947 seu texto quase intacto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário