segunda-feira, 2 de maio de 2011

318- Direitos Humanos 10 - Igualdade Jurídica

TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM 1991


5.1 IGUALDADE JURÍDICA

José Luiz Quadros de Magalhães

Segundo Duverger, o liberalismo político que teve sua origem na Reforma Protestante, proclamando o livre exame de consciência, e no método de Descartes, que nega qualquer princípio a priori, está “inteiramente resumido no art. 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: “Os homens permanecem livres e iguais em direitos. As palavras liberdade e igualdade expressam o essencial da ideologia liberal”.41 As liberdades fundamentais já foram estudadas, e vimos que, embora sendo o fundamento do liberalismo, permaneceram no constitucionalismo social, e são mesmo encontradas em Constituições chamadas socialistas, onde, apesar de existir a referência aos direitos e às liberdades fundamentais, estes estão sempre submetidos aos interesses do Estado e da sociedade.

A igualdade jurídica é a afirmação de que todas as pessoas devem ser iguais perante a lei, independentemente de sexo, raça, credo religioso, convicção política ou filosófica, ou qualquer outra diferenciação que se queira ou se possa estabelecer. Da mesma forma que as declarações de direitos afirmam que os homens nascem livres, também afirmam que estes nascem iguais em direitos. Esta igualdade é a base sólida sobre a qual se sustentarão as liberdades individuais. Não haverá jamais a liberdade onde não haja a igualdade. Nas sociedades antigas, a liberdade era um privilégio. Os escravos estavam privados de todos os direitos, e mesmo entre os cidadãos, homens livres, existiam diferentes graus de liberdade. Era assim na Roma antiga entre os patrícios e os plebeus. Na Idade Média, a liberdade de ir e vir era negada aos servos; o direito de caça e pesca era reservado, até a revolução, aos senhores feudais. Dessa forma, a liberdade constitui um “direito de superioridade”.42 A liberdade sem a igualdade vai sempre constituir um direito de poucos privilegiados, inclusive de maneira grave no Estado Liberal.

Hauriou,43 estudando a liberdade como produto da desigualdade, e identificando nela um “direito de superioridade”, afirma que ainda hoje, analisando “profundamente a natureza íntima dos direitos individuais, sua qualidade de direitos de superioridade do homem sobre as coisas e os animais, o direito da família representa o direito de superioridade dos pais sobre os filhos e mesmo em alguns lugares, do homem sobre a mulher”.44

Entretanto, assim como os direitos de liberdade aparecem em certo momento como “filhos” da desigualdade, eles irão aparecer também como “filhos” da igualdade, e, a partir daí, mesmo aquelas liberdades fundamentais que surgiram como fruto da desigualdade deixarão de ser um privilégio de alguns, passando a pertencer a todos os indivíduos, independentemente de sua condição social, sua raça (!?), sua consciência política, filosófica ou religiosa. A igualdade a partir do pensamento de Rosseau e dos filósofos do século XVIII será inseparável da liberdade, pois será a condição fundamental para a realização desta.

A Constituição Federal de 1988 estabelece no caput do art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

É importante notar a imprecisão da redação desse dispositivo, quando assegura somente aos brasileiros e estrangeiros residentes no País os direitos individuais. A lei muitas vezes encontra palavras dispensáveis, o que é o caso do termo residentes. É claro que esses direitos são garantidos a todas as pessoas que se encontram no território brasileiro. É necessário esquecer regra antiga e incorreta que afirmava que não há palavras inúteis na lei. Não só elas existem, como ocorrem com muita freqüência, como no dispositivo citado.

O princípio da igualdade jurídica é, como vimos, o alicerce dos direitos individuais, que os transforma de direitos de privilegiados em direitos de todos os seres humanos; entretanto, a igualdade jurídica não fundamenta só os direitos individuais, mas todos os direitos humanos.

A nossa Constituição se refere à igualdade jurídica ainda no art. 3º, inciso IV, quando determina como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil “promover o bem a todos, sem preconceito de origem, raça (!?), sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

No inciso I do art. 5º é garantida a igualdade de homens e mulheres em direitos e obrigações. A discriminação por motivo de raça (!?) encontra punição no inciso XLII do mesmo artigo, que dispõe: “A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescindível, sujeito a pena de reclusão nos termos da lei.”

No capítulo dos direitos sociais, a igualdade jurídica está disposta nos incisos XXX, XXXI e XXXII do art. 7º, que determinam:

“XXX – proibição de diferença de salários de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;”

“XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiências;”

“XXXII – proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos”.

É também a igualdade a base dos direitos políticos quando o art. 14 da Constituição Federal determina que a “soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”.

Com relação à igualdade jurídica, é importante recordar as palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

“O princípio da isonomia oferece na sua aplicação à vida inúmeras e sérias dificuldades. De fato, conduziria a inomináveis injustiças se importasse em tratamento igual aos que se acham em desigualdade de situações. A justiça que proclama tratamento igual para os iguais pressupõe tratamento desigual dos desiguais. Ora, a necessidade de desigualar os homens em certos momentos para estabelecer no plano do fundamental a sua igualdade cria problemas delicados que nem sempre a razão humana resolve adequadamente.

[...]

O legislador há de estabelecer tratamento desigual para situações desiguais, mas se tratar desigualmente situações que não são desiguais, o que sucede quando beneficia desarrazoadamente determinadas categorias, incide em inconstitucionalidade.”45

Na Constituição dos Estados Unidos, a igualdade de direitos entre os sexos é encontrada de maneira expressa somente na proposta de Emenda Constitucional n. 27. Foi aprovada resolução pelo Congresso, em 22 de março de 1972, no sentido de submeter a proposta de Emenda de Direitos Iguais aos Estados-Membros para ratificação.46

A redação da Emenda é a seguinte:

"Art.

Seção 1 – Igualdade de direitos segundo a lei não será negada nem cerceada pelos Estados Unidos ou por qualquer Estado da União por motivo de sexo.

Seção 2 – O Congresso terá poder para aplicar e fazer respeitar, mediante legislação apropriada, o disposto neste artigo.

Seção 3 – Esta Emenda entrará em vigor dois anos após a data de sua ratificação”.47

No próprio relatório que acompanhou a Resolução afirma-se, em certo momento, que “essas características discriminatórias do nosso sistema legal poderiam ser eliminadas sem emendar a Constituição se a Corte Suprema concedesse às mulheres, em última instância, o benefício pleno da cláusula de igual proteção”.48

Essa emenda deveria ser aprovada por 3/4 dos Legislativos dos Estados no prazo do sete anos, a contar da data de sua apresentação pelo Congresso. Em janeiro de 1977, 35 Estados haviam ratificado a emenda, três a menos do que a maioria de 3/4 necessários antes do prazo final de março de 1979. Entretanto, dois Estados votaram a rescisão da aprovação anterior, e a proposta de emenda “atolou-se nas trincheiras dos legislativos sulistas e rurais”.49

A Constituição da URSS trata da igualdade de direitos dos cidadãos no Título II (O Estado e o Indivíduo), Capítulo VI (Cidadania da URSS – Igualdade de Direitos dos Cidadãos), art. 33 e 34 afirma existir uma só cidadania para toda a União; o art. 34 fala de igualdade perante a lei, e tem a seguinte redação:

“Os cidadãos da URSS são iguais perante a lei, independentemente da sua origem, situação social e econômica, raça e nacionalidade, sexo, grau de instrução, língua, atitude para com a religião, gênero e natureza da sua ocupação, lugar de residência e outras circunstâncias.

A igualdade de direitos dos cidadãos da URSS é assegurada em todos os domínios da vida econômica, política, social e cultural”.50

O art. 35 garante a igualdade de direitos e de possibilidade para o homem e para a mulher, e o art. 36, a igualdade de direitos para os cidadãos de raças e nacionalidades diferentes.

A Constituição de Portugal estabelece o princípio da igualdade no art. 13:

“(Princípio da Igualdade)

1 – Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2 – Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação econômica ou condição social”.

A Constituição da Espanha dispõe no art. 15 do Capítulo II, relativo aos Direitos e Liberdades, o seguinte:

“Os Espanhóis são iguais perante a lei, sem que possa prevalecer qualquer discriminação em razão de nascimento, raça, sexo, religião, opinião ou qualquer outra condição ou circunstância pessoal ou social.”

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