segunda-feira, 2 de maio de 2011

315- Direitos Humanos 7 - Direitos individuais e direitos políticos.

3 DIREITOS INDIVIDUAIS E DIREITOS POLÍTICOS

JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES


Numa perspectiva liberal, considerando os grupos de direitos fundamentais tratados de maneira estanque, encontramos na doutrina a diferenciação dos direitos individuais e dos direitos políticos, que pode ser utilizada na teoria da indivisibilidade com finalidade didática, mas tendo sempre presente a idéia de que não há liberdades individuais e políticas sem direitos sociais e econômicos.

Dessa forma, os direitos individuais, conforme nos ensina Esmein, já receberam por parte da teoria constitucional diversas qualificações. Foram chamados por múltiplas vezes de direitos civis e mesmo de direitos públicos ou sociais, terminologia esta muito adotada na França. Esmein, no entanto, se preocupa em estabelecer uma diferenciação entre os direitos individuais e os direitos políticos. Estes representam “a participação dos cidadãos no governo, na administração, na justiça (pela instituição do júri)”.26 Não há simplesmente uma oposição de termos, mas uma clara distinção de conseqüências jurídicas. Os direitos políticos pertencem somente aos cidadãos, conforme estabelece a Constituição, e não a todos os indivíduos, independentemente de idade ou de capacidade. De outra forma, os direitos individuais pertencem a todos os indivíduos indiscriminadamente.27 Isso pode ser verdade para alguns destes direitos individuais, como, por exemplo, as liberdades individuais stricto sensu, a liberdade de consciência filosófica, religiosa e política. Entretanto, para outros direitos individuais, a regulamentação legal deve criar um certo número de incapacidades. Isso provém de duas causas: ou estes direitos podem realmente constituir uma verdadeira ação política e significar uma participação indireta no Poder Público, como, por exemplo, a liberdade de imprensa, a liberdade de reunião, a liberdade de associação e mesmo a liberdade de ensino, “pela qual se formam os futuros cidadãos”;28 “ou trata-se de proteger o indivíduo, ainda incapaz de fato contra os danos que ele poderia fazer a si mesmo, pelo abuso do seu direitos individuais”. Dessa forma, temos que a liberdade de escolha do trabalho é algumas vezes restrita para as crianças e as mulheres.29

A distinção entre os direitos individuais e os direitos políticos é muito clara, exceto, quando se trata do caso especial do direito de petição, quando deixa de ser tão clara. Surge, por vezes, a dúvida de se saber em qual dos dois grupos dos direitos fundamentais em estudo devemos classificá-lo. O direito de petição terá duas aplicações bem distintas: pode ser empregado para resguardar um interesse particular, e nesse sentido o indivíduo peticiona a qualquer órgão do Executivo ou do Legislativo para se ressarcir de um seu direito lesionado; ou poderá também ser utilizado visando a uma medida de interesse geral: para propor, por exemplo, uma nova lei, ou a reforma de uma lei antiga. Nesse momento, o peticionário “se faz o conselheiro e auxiliar do legislador. Existem sob o mesmo nome e sob a mesma forma dois direitos que, na realidade, parecem distintos e diferentes: o primeiro é incontestavelmente um direito individual, tocante aos interesses individuais; mas o segundo parece um direito político, constituindo uma participação por mais discreta que ela seja, na proposição de leis”.30

Assim, podemos estabelecer uma diferença entre estas duas aplicações distintas do direito de petição, classificando como direito individual aquele direito de representação por meio de petição, que será um meio de se exercer um direito de representação contra qualquer autoridade pública, assegurado a todos os indivíduos, na defesa de interesses individuais lesados.

André Hauriou31 parte do pressuposto básico de que as liberdades políticas são para os cidadãos o direito de “participar no governo do Estado e mesmo de fornecer governantes”, enquanto os direitos individuais são “as diversas faculdades que permitem a estes cidadãos ou indivíduos de realizar com independência e eficácia seu destino pessoal, num contexto de uma sociedade organizada”.32 À primeira vista estas duas liberdades fundamentais parecem estar em planos completamente diferentes, pois, enquanto a liberdade política se apresenta com um aspecto coletivo, (trata-se de uma “participação no governo da coletividade nacional”), as liberdades individuais, ao contrário, parecem ter “fins particulares, pessoais, limitados ao indivíduo”.33

Após estabelecer essas diferenciações básicas, Hauriou estabelece também laços estreitos entre as liberdades fundamentais, que nos ajudam a localizá-las em dois grupos de direitos distintos, porém não estanques. Segundo ele, esses laços serão de ordem histórica, lógica e política.

Do ponto de vista histórico, podemos afirmar que os diversos movimentos constitucionais portavam sempre duas reivindicações fundamentais: a liberdade política e as liberdades individuais. Foi assim na Inglaterra, através do movimento que culminou com a Carta Magna de 15 de junho de 1215; nos Estados Unidos, na Declaração de Direitos do Estado da Virgínia, em 12 de junho de 1776, encontramos as liberdades individuais misturadas com o direito dos cidadãos de participar no governo; na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, encontraremos o direito do cidadão de participar pessoalmente ou através de representante na elaboração das leis.34

Pela lógica, as liberdades políticas e as liberdades individuais têm ligações claras. A liberdade, em si mesma, consiste essencialmente em um poder de decisão. As diversas liberdades individuais correspondem a esta verdade: a liberdade de consciência consiste no poder de decidir entre as diversas opiniões, crenças e religiões; a liberdade de locomoção consiste em poder decidir o lugar de sua residência ou de seus deslocamentos; e assim sucessivamente vamos encontrar este poder de decisão nas liberdades individuais. Da mesma forma, a liberdade política é um poder de decisão, pois é esta, essencialmente, a participação no poder de decidir que é próprio aos órgãos governamentais.35

Enfim, politicamente, esses dois tipos de liberdades se garantem mutuamente.36 Em outras palavras, isso significa que, se os cidadãos participam diretamente do poder estatal votando ou sendo votado, obviamente a sua participação deverá ser sempre no sentido de se garantir e realizar os direitos fundamentais, e entre eles os direitos individuais. Da mesma forma, os direitos ou liberdades individuais defendem eficazmente as liberdades políticas, pois a liberdade de expressão, de consciência, de reunião, de cátedra podem socorrer as liberdades políticas, no momento em que estas se acharem ameaçadas.

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