domingo, 1 de janeiro de 2012

954- PODER MUNICIPAL 14 - Autonomia Universitária

PARA CITAR: MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Poder Municipal, paradigmas para o estado constitucional brasileiro, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 1997, pp. 109-112.

11.1 A autonomia das universidades
O tema é tratado com precisão e clareza no livro da Profes­sora Nina Ranieri, Autonomia Universitária, publicado pela Edusp, ao qual remetemos o leitor para conhecimento do tema de forma aprofundada.[1] O livro faz uma análise histórica da evolução da autonomia das universidades, estuda o conceito de auto­nomia, levanta toda a legislão brasileira sobre o assunto, interpretando a Constituição brasileira de 1988 e conclui pela autoaplicabilidades do art. 207, com o que concordamos.
A proposta de regulamentação da autonomia das universi­dades por lei orgânica das universidades, feita pelo Colégio de Procuradores-Gerais das IFES, parte do pressuposto de que a autonomia das universidades, assim como a autonomia conferida ao Ministério Público, necessariamente desvincula essas institui­ções do governo, assim como de qualquer dos Poderes da União, neste caso específico, ou dos Estados e Municípios, 'se nesta esfera se construir a autonomia universitária.
A desvinculação do governo é obvia, pois, ao considerar­mos as autonomias constitucionais das Universidades e do Minis­tério Público, como de garantia do exercício e de continuidade do processo democrático, tais instituições, cada uma cumprindo a sua função específica, devem ter liberdade de organização e de gestão, principalmente de gestão financeira, para garantir efeti­vamente a democracia contra intervenções indevidas de gover­nos autoritários, que ganham na América Latina, hoje, contornos bem mais sofisticados que anteriormente, porque construídos sobre uma aparente capa democrática de eleições periódicas.
Dessa forma, o Ministério Público deve, com autonomia, fiscalizar o respeito e o cumprimento das leis e da Constituição pelos Estados e seus vários órgãos da administração direta, indi­reta e fundacional, fiscalizando também a atuação e o respeito ao ordenamento jurídico por parte dos Poderes Judiciário e Legisla­tivo. Estas são as atuais funções constitucionais desse importante órgão, que na Constituição de 1988 transformou-se em um guardião da cidadania, deixando de ter definitivamente aquela feição de órgão que advoga pelo governo. Essa função nem mesmo a Advocacia Geral da União pode ter, pois sua função constitucional é defender os interesses do Estado, observando o ordenamento constitucional vigente, não podendo ser utilizada para prejudicar os cidadãos em nome de interesses governamen­tais, pois não são os advogados da União, advogados dos gover­nantes. A utilização do processo como mecanismo de simples retardamento do acesso das pessoas ao seu direito, deve ser ação repelida com veemência pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público, com punição dos responsáveis.
Dentro do mesmo conceito de garantia democrática, mas obviamente nas suas funções específicas, as universidades recebe­ram da Constituição de 1988 autonomia financeira, administrativa e didático-científica, sendo este dispositivo vigente e aplicável.
Entretanto, na prática não vem sendo respeitado pelo go­verno, através do seu Ministério da Educação e do Desporto, e o Ministério de Administração e Reforma do Estado, que na gestão do Ministro Bresser Pereira, no ano de 1995, cometeu as mais variadas ilegalidades, utilizando sistemas centralizados de com­putação, o já mencionado SIAPE, para controlar e cortar direitos dos servidores das universidades. Fatos importantes, que aponta­ram para a utilização da máquina estatal de forma autoritária, ocorreram naquele ano como já mencionado, onde o governo, simplesmente, ignorou claro dispositivo constitucional, como o da autonomia universitária.
Esses fatos mostram a grande distância que separa a Cons­tituição escrita do Brasil, da sua Constituição real.
Por momentos podemos visualizar vários textos constitu­cionais no Brasil. Convivendo, lado a lado, temos a Constituição para o governo, que, distante do Texto de 1988, permite ações governamentais constantemente não democráticas, a Constituição para o Poder Judiciário que muitas vezes prorroga uma importante interpretação constitucional para o momento adequado, fazendo uni processo de mutação do Texto, que por vezes atende ao inte­resse público e por vezes ao interesse do governo, e uma dura Constituição real para a maior parte da população que, ao contrário do que prescreve o Texto escrito e interpretado pelos juristas, não tem direito à saúde, à educação, ao trabalho, à justa remuneração e a outros direitos elencados pelo constitucionalismo atual.
Por esse motivo, as universidades federais, além de defen­derem publicamente a autoaplicabilidade do art. 207, diante da impossibilidade fática do exercício de sua autonomia, passaram a trabalhar projeto de autonomia por meio de uma lei complementar, que a exemplo do Ministério Público estabeleceria as bases do funcionamento dessas instituições numa lei orgânica das univer­sidades.
Entendendo serem as universidades brasileiras as pri­meiras instituições atingidas quando da restrição à democra­cia ou à evolução do seu permanente processo, elas querem assegurar o seu importante papel de garantidoras da produção de saber plural.
A proposta de lei orgânica é importante para ilustrar e fundamentar a idéia que ora advogamos, não apenas para as universidades federais, mas para todo o ensino público de pri­meiro, segundo e terceiro graus, na União, nos Estados e nos Municípios, geridos por autonomias constitucionais que os desvinculem do governo.
Isto porque o ensino e a educação pública são básicos e essenciais para a democracia. São direitos que não podem estar vinculados à vontade de governantes e a políticas que os valorize ou desvalorize, e muito menos a promessas de cunho meramente eleitoral. Não se pode prometer que no governo, em certo momen­to, será permitido respirar ou comer, assim como não se pode prometer que no mesmo governo será oferecida educação ou saúde. Educação e saúde não podem mais ser políticas de governos, mas sim políticas estatais autogeridas por autonomias desvinculadas do governo e controladas diretamente pela população, que usufrui dos seus serviços públicos, através da figura de um ombudsman, ou um novo ouvidor, órgão com capacidade de postular a mudança de composição e de gestão das referidas autonomias.
A proposta de regulamentação da autonomia das universidades, sugere a criação de um órgão congregador das Instituições Federais de Ensino Superior, que irá coordenar as políticas educacionais, a repartição do recurso global recebido para o ensino superior entre as IFES, recurso global recebido que deverá estar vinculado à garantia de um valor mínimo estabelecido em relação à receita da União, uma vez que o funcionamento do ensino superior, básico que é para a democracia, não pode estar sujeito às negociações políticas no parlamento sem nenhuma garantia.
Quanto à organização do funcionamento das universida­des, esta será feita por seus próprios regimentos internos e estatu­tos, que independerão de aprovação do MEC para serem aceitos como normas jurídicas válidas. É bom ressaltar que os limites de normatização do regimento e do estatuto das Instituições de Ensino Superior são os dispositivos da Constituição Federal, suas regras e princípios, não podendo nenhuma norma universi­tária conter dispositivos que contrariem os princípios democráti­cos que a instituição representa.
Esse modelo que se constrói na realidade brasileira, sustentado por mandamento constitucional, pode ser o ponto de partida para a construção de toda uma realidade educacional autônoma em todas as esferas da federação, controladas pelo Ministério Público, pela população, por intermédio das ouvidorias, e nas suas contas, pela população com o remédio processual da ação popular e através dos Tribunais de Contas com estrutura que lhes garanta a necessária autonomia em rela­ção os poderes e órgãos que fiscaliza.


[1] 58 RANIERI, Nina. Autonomia universitária. São Paulo: Edusp, 1994; SOU­ZA, Paulo Renato de. Autonomia universitária - Iniciativa e Debate. São Paulo: Campinas, 1989; FERNANDEZ, Tomás Ramon. La autonomia universitária: ambite y limites. Madrid: Civitas, 1982; DURHAM, Eunice Ribeiro. Os desafios da autonomia universitária. São Paulo: Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior da USP, Documento de Trabalho n. 2189; ESCRIBANO, Francisco de Borja Lopez-Jurado. La autonomía de las universidades como derecho fundamental: la construción del Tribunal Constitucional. Madrid: Civitas, 1991; DURHAM, Eunice Ribeiro. Os desafios da autonomia universitária. São Paulo: Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior da USP, 1989.

Nenhum comentário:

Postar um comentário