sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

964- PODER MUNICIPAL 16 - Federação de Municípios

PARA CITAR: MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Poder Municipal, paradigmas para o estado constitucional brasileiro, Belo Horizotne, Editora Del Rey, 1997, pp.115-127.

12. UM NOVO MUNICÍPIO – FEDERAÇÃO DE MUNICÍPIOS OU MINIATURIZAÇÃO DOS ESTADOS-MEMBROS

A Constituição democrática não se vincula, necessaria­mente, à municipalização do poder ou a uma federação de Muni­cípios. A idéia central que defendemos é a de uma Constituição na qual estejam assegurados os princípios e os processos de uma democracia plena, baseada nos princípios universais de direitos humanos, e na qual o Estado esteja apto a assegurar as transfor­mações que sejam apontadas de maneira democrática pela popu­lação, respeitados os referidos princípios.
Outra ideia fundamental, que acreditamos permitirá a per­manência da Constituição e da democracia em processos constan­tes de mudança desejáveis e permitidos, desde que respeitados os processos democráticos e os princípios constitucionais, será a des­constitucionalização da ordem econômica e, logo, como conse­qüência, a necessária desconstitucionalização da propriedade pri­vada, pois a desconstitucionalização da intervenção do Estado na ordem econômica com a permanência da garantia da propriedade privada significa um mero retomo às Constituições liberais.
A partir dessas reflexões, podemos chegar a duas conclu­sões, que seriam indicativos de melhoria e aprofundamento do processo democrático: a primeira, a necessidade de se repensar os direitos humanos na sua perspectiva constitucional, inicial­mente, chegando-se à conclusão inevitável de que não há efetiva democracia sem educação e liberdade de informação e obvia­mente o direito à vida e a saúde, que nesta perspectiva deixam de ser políticas governamentais, para serem geridas por autonomias constitucionais; e a segunda, a necessidade de se descentralizar o quanto mais o poder conferido aos Municípios, que receberão mais competências e uma nova organização, com a adoção do sistema diretorial, a criação de um ombudsman municipal e a criação de autarquias especiais desvinculadas do Executivo mu­nicipal para gerir saúde e educação.
Com essas indicações nos encontramos então no desafio de pensar uma nova federação e o grave problema da criação e extinção de Municípios com vários processos de desmembramentos em todo o País.
A Constituição atual estabelece um sistema de criação e extinção de Municípios e de Estados-Membros que tem possibi­litado uma explosão de novos Municípios em todo o País, parte deles sem capacidade econômica de sobrevivência.
O modelo atual estabelece, no art. 18 da Constituição, que os Estados poderão ser desmembrados, incorporados entre si ou subdivididos, enquanto os Municípios poderão ser desmembra­dos, incorporados ou fundidos, o que é o mesmo que incorpora­ção entre si.
Entende-se por desmembramento o processo de separação da parte do território de um Estado ou Município para a formação de outro. Neste processo é importante notar que o Estado ou Município que dá origem a um novo ente federado, permanece com a mesma estrutura política e organizacional. Dessa forma foram criados os Estados de Mato Grosso do Sul, Tocantins a partir do Mato Grosso e Goiás. Desta mesma forma são criados vários Municípios em todo o país.
A fusão ou incorporação entre si é outro mecanismo pre­visto constitucionalmente, tanto para os Municípios como para os Estados. A fusão consiste na união de dois Estados ou Municí­pios que desaparecem para dar origem a um novo Estado ou Município, no novo território ampliado, desaparecendo os entes políticos anteriormente existentes com toda a sua estrutura organizacional.
A fusão de Estados e Municípios não é um mecanismo utilizado, pois reflete a distorção dos mecanismos da criação de Estados e Municípios, utilizados para satisfazer interesses de grupos de poder local, o que não é o objetivo do texto constitu­cional. Por esse motivo, são inúmeros os desmembramentos de Municípios e quase nenhum processo de fusão.
A subdivisão é um processo de criação de Estados-Mem­bro e não de Municípios. A subdivisão implica o desaparecimen­to do ente federado original para criação de dois ou mais entes com nova estrutura organizacional.
De outra forma, a incorporação de um “Estado” a outro só pode ocorrer na esfera municipal. A incorporação consiste na absorção de um Município por outro, desaparecendo o Municí­pio incorporado, que cede seu território ao Município incorporador, que permanece com sua estrutura organizacional de acordo com a sua Lei Orgânica Municipal, ou, como preferimos deno­minar, Constituição Municipal.
Esse modelo também não é muito utilizado, pois a tendência tem sido a miniaturização de Municípios que coexistem com gran­des centros urbanos, as metrópoles, cuja péssima qualidade de vida pede imediata desconcentração, que ocorrerá com políticas econômicas que permitam a dispero do investimento e o desevolvimento equilibrado de todo o território. Isto só pode ocorrer com planejamento econômico estatal, pois o privado não trabalha com esse tipo de lógica, uma vez que é movido unicamente pelo lucro egoísta que permite sua sobrevivência.
Mais uma vez, a ausência do interesse público e do planeja­mento, na atuação do Estado no domínio econômico, tem proporcio­nado o crescimento econômico desordenado e desequilibrado.
Não se pode afirmar, em nenhum momento, que a lógica pública tenha levado a esse modelo, pois ela nunca existiu. O que tem sido prática comum no Estado brasileiro é a utilização priva­da do Estado e dos recursos públicos, que conduzem, de forma errada, o direcionamento do desenvolvimento econômico.
Exemplo recente dessa lógica pública distorcida e da total falta de planejamento macrorregional é a guerra do ICMS, que no ano de 1995 consistiu na concorrência livre entre Estados da federação, que ofereciam vantagens tributárias com alíquotas mais baixas de ICMS, para atrair investimentos.
Numa federação descaracterizada, em que a centraliza­ção tem sido regra, no momento em que a União deveria atuar com competência de sua exclusiva responsabilidade, como é a de estabelecer políticas econômicas e sociais que permitam desenvolvimento equilibrado de todo o território da federa­ção, esta é omissa. (LEMBRAMOS QUE ESTE LIVRO FOI ESCRITO EM 1996)
Não há planejamento de desenvolvimento nacional, regio­nal ou municipal, princípio básico para o desenvolvimento de qualquer política econômica, seja privada ou pública. O Estado não tem planejado, mas improvisado.
Dentro da proposta de municipalização do poder, a federa­ção brasileira pode ter novos caminhos, e estes devem ser construídos por meio da experiência diária que permita, pelas modificações na estrutura constitucional, o estabelecimento efe­tivo de um poder municipal assentado sobre novas bases, que resgatem efetivamente a integridade territorial do Município, construída sobre uma identidade econômica, cultural, histórica e de identidade de perspectiva de construção de um futuro comum. Logo, o atual modelo de repartição territorial tem que ser refor­çado e, a partir de então, reestruturado, assim como dificultadas quaisquer tentativas de modificação territorial da base socioeconômica e cultural do Município.
Nessa perspectiva, surge um questionamento: uma federa­ção de Municípios ou a miniaturização dos Estados-Membros?
A Constituição brasileira determina expressamente que a criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios deverá preservar a continuidade e a unidade histórico-cultural do ambiente urbano. Impõe, ainda, a necessidade de lei complemen­tar estadual e a necessária consulta prévia por plebiscito, no qual se ouvirão as populações diretamente interessadas. Mesmo com estas exigências os Micromunicípios se proliferam com incrível velocidade em todo o País.
A observância da continuidade histórico-cultural do ambi­ente urbano tomou-se exigência meramente formal que em nada obstaculiza essa proliferação desnecessária.
O modelo de valorização do poder em um espaço territorial menor está vinculado à idéia de espaço econômico, cultural e político que fundamenta a unidade Municipal, e sua viabilidade econômica deve ser fator primeiro a ser observado na recomposição dos Municípios brasileiros, possibilitando a cons­trução de uma nova federação onde os Municípios cumpram o papel mais importante de construção de uma democracia, e de uma cidadania plena a ser exercida pela população.
A permanência do atual modelo de criação de Municípios e de sua modificação territorial inviabiliza qualquer projeto de organização político-constitucional que permita o aumento do poder desses.
Vários autores brasileiros combatem a idéia de uma fede­ração de Municípios, ou, mais precisamente, discordam do texto constitucional, quando este estabelece uma federação de Municí­pios ao lado de uma federação de Estados vinculados, constituci­onalmente, à União.
Dentre esses autores podemos destacar o Professor José Nilo de Castro, que dentre vários trabalhos sobre o Direito Municipal, tem como obra de destaque o seu Direito Municipal Positi­vo[1]" .Outro autor que combate a iia é o Professor José Afonso da Silva.
Normalmente as objeções levantadas se referem à inexistência de representação dos Municípios no Senado Federal, à impossibilidade de intervenção federal nos Municípios dentre outras, nenhuma delas suficientes para se contrapor à inovação constitucional que concedeu poderes constituintes municipais de terceiro grau, com a capacidade de auto-organização de seus poderes legislativos e executivos e autogovemo, o que caracteri­za a autonomia política típica de uma federação.
Temos uma federação em três níveis, e o seu terceiro nível, os Municípios se vinculam aos Estados-Membros em de­terminadas circunstâncias, como no caso de intervenção e repre­sentação no parlamento da União, mas constituem-se espaços políticos autônomos em relação a União e os Estados, com com­petências próprias que devem ser ampliadas.
Para melhor ilustrar as argumentações dos que se negam a aceitar a inovação do texto brasileiro, pode-se citar a crítica do Professor José Afonso da Silva no seu livro Curso de Direito Constitucional Positivo[2], onde se perceberá pela leitura que em nenhum momento o autor consegue abalar a iia de auto­nomia política inerente à forma federal de Estado. Aliás, novos conceitos surgem no mundo contemporâneo, como a renovada federação russa que combina elementos de Estado Federal com regiões autônomas e municípios com importância federal que veremos mais adiante[3].
Percebe-se que, embora enumerando rias razões, nenhu­ma é suficiente para abalar a única característica capaz de descaracterizar o Município como ente federado, que é a autonomia política conferida constitucionalmente quando da criação, na Constituição Federal, de um Poder Constituinte Decorrente Mu­nicipal de terceiro grau e com todas as características desse poder, inclusive sua temporariedade, ou existência pelo tempo necessário para elaboração da Constituição Municipal (Lei Orgâ­nica dos Municípios) e a criação por esta Constituição Municipal de um Poder Constituinte Derivado Municipal de emenda à Constituição do Município.
Sustentando posição de entendimento do Município como ente federado, está o Professor Hely Lopes Meirelles[4] e o IBAM, através do seu presidente na época da Constituinte, que em pronunciamento perante a Subcomissão dos Municípios e Regiões , na reunião de 22 de abri de 1987 propôs a inclusão expressa do Município como parte integrante da federação[5].
No mundo, novas experiências de organização do territó­rio estatal são realizadas e exemplo interessante é mostrado pela recente Constituição da Rússia, adotada mediante votação de todo o povo, em 12 de dezembro de 1993. Encontramos no art. 5° a definição da forma do Estado:
Art.5º..........................................................................................................................
1. A Federação da Rússia é composta de Repúblicas, Territórios (Kraj), Regiões (Oblest), Cidades de importância federal, de uma Região autônoma e de Circunscrições autônomas (Okrug), que são sujeitos da Federação Russa, tendo direitos iguais.
2. A República (Estado) tem sua Constituição e legislação. O Território, a Região, a Cidade de importância federal, a Região autônoma e a Circunscrição autônoma têm seus estatutos e suas legislações.
3. O ordenamento federal da Federação da Rússia se ba­seia na integridade estatal, na unidade de sistema de poder estatal, na delimitação das matérias da competência e dos poderes dos órgãos do poder estatal da Federação da Rússia na igualdade de direitos e na autodeterminação dos povos da Federação Russa.
4. Nas relações como órgãos federais do poder estatal todos os sujeitos da Federação da Rússia têm paridade de direitos[6]”.

A Constituição da Federação Russa de 1993 estabelece um novo conceito de federação, garantindo direitos iguais para todos os entes federados com características e dimensões diferentes.

O art. 66 dispõe, no seu item 2, que o status do Território,da Região, da Cidade de importância federal, da Região Autônoma e da Circunscrição autônoma é estabelecido pela Constituição Federal e pelo estatuto dos respectivos entes.[7]

Há uma combinação de elementos de Estado regional e autonômico dentro de uma federação, que cria figuras novas, num complexo sistema de organização territorial e distribuição de competências que reflete a diversidade cultural no extenso território da federação.

Isso demonstra os caminhos seguidos pelos Estados no mundo comtemporâneo: soluções específicas de organização que se adapte à realidade de cada Estado; e a descentralização política como solução também econômica, social e administrativa.

A Bélgica caminhou no mesmo sentido de descentralização,evoluindo de Estado Unitário para Estado Federal, na emenda Constitucional de 10 de maio de 1993 e depois pela revisão integral de 12 de fevereiro de 1994. Hoje a Bélgica é um Estado Federal formado por Comunidades e Regiões, que têm como seus órgãos principais os Conselhos e o Governo[8].

            German Bidart Campos, refletindo sobre a mesma temática observa:
peculariedades nacionales - ha asumido expresión en 10 que Pedro J. Frías apoda el estado federo-regional (como es el caso de España), y otra parte de Ia doctrina el estado autonómico. También Italia puede enrolarse en esta tipología. El marcado sergo municipalista que se advierte en el derecho comparado y en el derecho provincial argentino pennite asimismo rembrar al municipio autónomo como la base primária de la estructura federal em aquellos estados que la adoptan, y como una forma de descentralización          política elementar en los estados unitarios.Todas estas estructuras de descentralización política, des­de las más tennes hasta las mas avanzadas, son en primer lugar una forma de organización estatal que relaciona al poder con el territorio, y que desconcentra al primero en beneficios de zonas, regiones, localidades, etc.Pero en conjucación, y solamente cuando se trata de esta­dos democráticos, merecen colacionarse a la vez como técnicas de libertad, en la medida en que dentro del mismo estado reproducen, de alguma manera lo que en la relación de estado y sociedad hemos visto como principio de subsidiariedad: aqui se trata de transformar y reconvertir este principio en solucion pratica dentro de las estranas mismas de la comunidad política descentrali­zada, para preferir as competencias de las comunidades políticas menores cuando, con similar eficacia, pueden ejercelas en vez de la comunidad política maior.[9] "
Adotando posição realista no que conceme à organização do Estado, fugindo das amarras de classificações fechadas que não correspondem à realidade, conclui Bidart Campos:
"En una, no se trata de que la ciencia política confeccione recetas y modelos puramente teóricos para ser asumidos indiscriminadamente; pero si se trata de formas que responden a la justicia cuando las condicionan las circunstancias y cuando las hacen posibiles com técnicasd de distribuición y control del poder” [10]

Voltando ao questionamento colocado neste tópico, podemos apontar na verdade não para dois, mas para três modelos de federação novos.
No modelo de federação, conforme previsto no art.18 da Constituição, é possível sua construção com a alteração de vários dispositivos constitucionais vigentes, especialmente  os referentes à distribuição de competências, o Título III, e o seu Capítulo IV, pois ali está definido o sistema de governo do Município, que entendemos deve ser diretorial.
Dependendo, portanto, do grau de modificação que se pretende implementar na atual estrutura federal é necessária e permitida pelo texto constitucional, que admite emendas que aperfeiçoem a forma federal.
O art. 60 § 4º,estabelece limitações materiais ao poder de emenda e, consequentemente, ao poder de revisão, se entendermos que outra revisão poderá ocorrer, o que entretanto não nos parece possível, pois o dispositivo que a previa, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, cumpriu seus efeitos e desapareceu.
Seu inciso I estabelece que não poderá ser objeto de deliberação emendas tendentes a abolir a forma federativa de Estado. A ideia de federação, como já mencionada neste trabalho implica descentralização. A proibição estabelecida no inciso I, logo, só pode referir-se a emendas que tendem a abolir a federação concentrando o poder no lugar de descentralizar. Não há vedação de emendas que procurem aperfeiçoar ou aprofundar a forma federativa brasileira, não sendo vedada a supressão do texto constitucional de definições dos sistemas de governo dos municí­pios, ou mesmo de sua alteração para um outro sistema que, embora não coincidente com o sistema da União ou mesmo dos Estados, permita o melhor funcionamento da democracia na me­nor esfera estatal, logo, onde o poder deve ser mais forte e democrático.
Outro caminho que apontamos no questionamento feito leva a alterações substanciais da Constituição escrita e, conseqüen­temente, de toda a estrutura organizacional em nível estadual e municipal no Brasil, uma verdadeira revolução nas bases do poder local. Uma federação de Municípios implica o desapareci­mento dos Estados-Membros enquanto entes federados, que pas­sariam a ser apenas regiões administrativas, com funções de coordenação de políticas de investimentos em infra-estrutura, para permitir a organização socioeconômica da federação e o desenvolvimento de políticas macroeconômicas e de políticas de desenvolvimento regional e de regiões metropolitanas. Problema de difícil solução seria o da representação dos Municípios na federação, diante da extensão do nosso país e o enorme número de Municípios existentes, mesmo que a atual divisão desses fosse repensada. A representação unitária seria impossível e talvez tivesse que ser feita através de seus representantes escolhidos em regiões de desenvolvimento, criadas a partir de interesses econô­micos, políticos comuns e identidade cultural.
Por implicar a modificação de toda estrutura municipal existente, o que teoricamente pode parecer como necessário e urgente, esta ideia pode estar na verdade muito distante da sua real possibilidade de implementação. O que nos faz retomar à idéia de simples modificação nas competências, conforme estão divididas na Constituição, reforçando muito o Poder Municipal e transformando o seu sistema de governo ou talvez simplesmente deixando que o Município mesmo decida em sua Constituição qual sistema melhor se adapta à sua cultura e história.
Não colocamos aqui a defesa do Poder Municipal como uma reação à federação, mas sim como a própria essência do federalismo já adotado pela Constituição de 1988, que inclui os Municípios como entes federados.
A terceira opção que elencamos é a que chamamos de miniaturização dos Estados-Membros, ente federal que irá concentrar todo o Poder efetivo de decisão de modelos sócio econômicos no seu espaço territorial. É importante lembrar que nos referimos a modelos socioeconômicos enquanto modelos de re­partição econômica e de propriedade, portanto políticas socio­econômicas municipais, ou estaduais não ignorando o papel fun­damental que só poderá ser exercido pela União de coordenação e destinação das políticas estatais macroeconômicas de investi­mento público e privado. Queremos dizer com isto que, por exemplo, a instalação de uma fábrica de automóveis em uma região não será decidida por uma guerra fiscal de Municípios ou de Estados-Membros, mas será fruto de macropolítica de desen­volvimento equilibrado do território nacional.
A miniaturização dos Estados-Membros não implicaria mexer com toda estrutura organizacional dos Municípios, mas sim estabelecer uma grande política de desmembramento de Estados-Membros, conferindo a estes novos Estados um limite territorial muito menor, que seria definido a partir de pressupos­tos econômicos, culturais, políticos e sociais.
A grande dimensão dos Estados brasileiros se deve à dimen­são do País, maior do que os Estados Unidos da América do Norte, se não contarmos o território do Estado do Alaska, que foi adquiri­do dos russos, pelos americanos, lembrando que a divisão federal norte-americana conta com 50 Estados, quase o dobro do Brasil.
Outros países que adotam o sistema federal têm Estados com as dimensões muito menores, como a Alemanha, ou ainda a Suíça, onde a federação conta com Estados, ou Cantões, que adotam o sistema de governo diretorial, e têm dimensão territorial muito menor.
Ao criarmos qualquer teoria sobre o Estado, temos, para não cometer os repetidos erros do passado, que trabalhar sobre a realidade do País. Logo, não queremos comparar o que não pode ser comparado, por diversos motivos: dimensão territorial, histó­ria, cultura, tradição, etc.
            Ao mesmo tempo, não queremos nos resignar a um nada fazer, ou a um conformismo de uma eterna repetição do óbvio, que mesmo assim não é cumprido. Acreditamos que a solução dos incontáveis problemas do Estado contemporâneo e do ser humano, neste final de século, o está na mudança do sistema econômico, ou no estabelecimento de modelos sociais e econômi­cos milagrosos capazes de resolver todos os problemas - mesmo à custa de milhões de vidas - mas sim na mudança do ser humano, por intermédio da comunicão, do diálogo permanente entre dife­rentes pensamentos e diferentes culturas, fruto da relatividade dos nossos tempos. Temos de pensar um modelo organizacional da sociedade que permita essa comunicação permanente.
O modelo constitucional de organização do Estado e da sociedade deve permitir que o processo democrático, legitimador das mudanças permanentes, efetive-se de forma eficaz: e este é o objetivo das reflexões aqui desenvolvidas. Por esse motivo, cor­remos o risco de tentar construir uma reflexão que permita o início desse processo de reorganização estatal, possibilitando o exercício da democracia participativa de constante mutação. Até hoje, a estrutura estatal tem existido para conservar, reagir ou, no máximo realizar mudanças controladas dentro de determinada fórmula socioeconômica, num exercício de poder mistificado pertencente ao grupo no poder. Se quisermos construir uma democracia efetiva, esse modelo organizacional do Estado deve ser mudado.
Dos caminhos que aqui discutimos, talvez o mais realista para o Brasil seja o primeiro. Lembramos, entretanto, que não temos a pretensão de estabelecer uma fórmula que apresente respostas para a infinita variação de problemas que podem apare­cer com a sua implementação. Esse modelo é apenas um ponto de partida para reflexão, e a pretensão do cientista hoje não pode ir além disso, num mundo em que nos certificamos, diariamente, de suas infinitas possibilidades.
São várias as formas de organização do Município em todo o mundo, estudo que pela sua extensão e complexidade está por merecer um tratado que supere as obras existentes que analisam apenas certos aspectos de forma estanque, o que não nos oferece real panorama da realidade. O Município no Brasil orga­nizou-se a partir da experiência portuguesa que simplesmente foi transportada para o Brasil - Colônia.
Com a fraca presença do Estado português no vasto terri­tório da Colônia, o poder local privado tomou a estrutura do Estado no Município, trazendo desde então a grave confuo entre espaço público e espaço privado. Interesses públicos e privados misturam-se com grave distorção, que reflete, de. maneira forte até nossos dias, quando o grande desafio e desprivatizar o Estado, criando efetivamente um espaço público muito importante, uma consciência da coisa pública[11].
Trabalho de leitura obrigatória para melhor compreensão do modelo proposto, e mesmo para sua crítica e aperfeiçoamen­to, é o artigo do Professor Washington Peluso Albino de Souza ­O planejamento regional no federalismo brasileiro -, publicado pela Revista Brasileira de Estudos Políticos[12].
É grande a contribuição que os portugueses podem dar, principalmente pela identidade cultural e histórica, na organiza­ção municipal. Livro que deve, também, ser lido, para visão mais precisa do tema, é o do Professor Ricardo Leite Pinto - Referen­do Local e Descentralização Política (contributo para o estudo do referendo local no constitucionalismo português) -, publicado pela Livraria Almedina, Coimbra[13].
Nesse livro desenvolve-se, de forma objetiva e clara, a análise do novo Estado unitário regional ou poderíamos dizer Estado regional autonômico português. Discussões importantes para o nosso trabalho, como o poder local no Estado português, descentralização local, descentralização regional e descentraliza­ção política, e ainda a relação descentralização local e democrati­zação, são ali desenvolvidas.
As ideias aqui tratadas não surgiram do nada, não são meras divagações teóricas, mas decorrem de experiências con­cretas, que pretendem ser matéria de discussão que permita a procura de modelos que possibilitem a construção de espaços de comunicação para o desenvolvimento do processo democrático, e isto só poderá ocorrer no espaço menor de poder local, onde a democracia possa ser exercida de forma direta e participativa
É necessário aproximar as teorias de organização do Esta­do de nossa realidade diária no Município. Nesse sentido enten­demos que uma Constituição, que mais do que ditar regras em sentido restrito, consagre princípios e assegure processos legitimadores das transformações socioeconômicas por intermé­dio do poder local, será instrumento útil para o aprofundamento do Estado democrático. Por isto não apontamos apenas mais um modelo, no meio de muitos, mas sim procuramos neste trabalho estabelecer discussões pontuais sobre a organização do Estado e da Constituição, no sentido de chegarmos a um caminho amplo de participação, garantido constitucionalmente, onde os detalhes do seu funcionamento serão estabelecidos segundo critérios de­cididos no próprio Município, de forma democrática, segundo as tradições e a cultura local, respeitados os princípios universais de direitos humanos.


[1] CASTRO, José Nilo de. Direito municipal brasileiro. Belo Horizonte: De Rey, 1992
[2] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. o Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 408-409
[3] COSTlTUZIONE STRANIERE CONTEMPORANE. Le Costituzioni di Sette Stati de Recente Ristruturazione., Testi sce1ti e commentati a cura de Paolo Biccaretti di Ruffía. Milano: Giuffre, 1996, v. 2, p. 255-288
[4] MElRLLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 4. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 17.
[5] Diário da Assembléia Nacional Constituinte/Suplemento n. 62, p. 25.
[6] COSTlTUZIONE Satraniere Contemporane, cit., p. 256.
[7] Op.cit.,p.266
[8] Op.cit., p.134
[9] CAMPOS, German Bidart. Teoría del Estado - Los temas de la ciencia política. Buenos Aires: Ediar, 1991, p. 97-98.
[10] CAMPOS,Germam Bidart. Teoría del Estado,p.98
[11] VENÂNCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio eco­nômico. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1968
[12] SOUZA, Washington Peluso Albino de. O planejamento regional no federalismo brasileiro. Revista Brasileira de Estudos Políticos, UFMG.

[13] PINTO, Ricardo Leite. Referendo local e descentralização política (contributo para o estudo do referendo local no constitucionalismo português). Coimbra: Almedina.

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