quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

974- PODER MUNICIPAL 18 - Referendo e Plebiscito


PARA CITAR: MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Poder municipal, paradigmas para o estado constitucional brasileiro, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 1997, pp.130-134.

12.2 Referendo e plebiscito 

O plebiscito e o referendo são mecanismos de democracia direta, em que a população opina sobre determinada questão. Esses mecanismos de participação popular podem diferenciar-se na doutrina. No direito brasileiro, na vigência da Constituição de 1988, pela oportunidade em que ocorrem e pela complexidade de um e de outro mecanismo, são necesrias práticas e reflexões sobre a conveniência desses institutos, nas formas democráticas participativas. Importante, entretanto, ressaltar que não há uniformidade nos textos constitucionais como na doutrina, inclusive quanto à utilização dessas expressões.
No ordenamento constitucional vigente, o plebiscito tem o sentido de submeter à apreciação direta da vontade popular determi­nada questão simples, não se chegando ao detalhamento de sua normatização, uma vez que o plebiscito precede uma decio impor­tante ou a elaboração de uma lei ou a reforma da Constituição.
Em 1993 o Brasil teve o seu primeiro e até agora único plebiscito na vigência da Constituição de 1988, quando se sub­meteu à vontade popular a escolha sobre forma de governo, se monarquia ou república, e o sistema de governo, se parlamenta­rismo ou presidencialismo, com a vitória dos dois últimos, man­tendo-se, por isso, a forma e o sistema já preexistentes.
Note-se que, neste caso, perguntou-se a população apenas se esta desejava um ou outro sistema e forma de governo, não sendo definidos ou submetidos à apreciação popular os mecanis­mos de funcionamento de um e de outro. O plebiscito vincula os atos posteriores, deixando, entretanto, os legisladores ou mesmo o chefe de governo, quando for o caso, livres para decidir como será regulamentada ou implementada a decisão que se tomou no plebis­cito. Dessa forma, se a opção do povo fosse pelo sistema parla­mentar, os constituintes derivados estariam obrigados a alterar a Constituição para adoção do sistema parlamentar, não existindo, entretanto, vinculação sobre os detalhes do funcionamento desse sistema, devendo ser mantido, obviamente, apenas seus mecanis­mos básicos de queda do gabinete e dissolução do parlamento .
O referendo, ao contrário do plebiscito, consiste na submis­são de um texto de lei à apreciação popular, que irá ou não aprovar integral ou parcialmente um texto de lei, uma Constituição ou uma medida normativa qualquer, que, para entrar em vigor, dependerá da aprovação da maioria dos votantes no referendo.
O questionamento que se coloca num referendo é, portan­to, muito mais complexo que o de um plebiscito, que consiste num sim ou não a uma idéia genérica.
O referendo depende da apreciação, por parte da popula­ção, de um texto integral de uma Constituição, ou de uma lei, devendo por isso existir uma análise detida e cautelosa do Texto, exigindo, nos dois casos, mas de forma ainda mais relevante no segundo caso, uma população bem informada e educada, possu­indo o grau de informação e de formação necessários para a compreensão do texto e suas conseqüências.
O plebiscito e o referendo exigem uma população cidadã, portadora de direitos, que são pressupostos básicos para qualquer democracia, como o direito à saúde e à educação. Além desses direitos, é necessário o sentimento de se sentir cidadão, ou seja, de se integrar como parte de uma comunidade e se interessar pela sua construção e permanente evolução. Esse sentimento não se constrói facilmente e o espaço onde ele pode se desenvolver mais facilmente é o Município. O Município é o espaço da cidadania, devido à proximidade daqueles que necessitam das soluções concretas de seus problemas.
O perigo desses mecanismos diretos de democracia, é sempre, sua utilização em uma população desinformada ou incor­retamente informada. O plebiscito, por exemplo, foi mecanismo de legitimação de governos autoritários em vários países, sendo exemplos históricos a ascensão de Napoleão ao poder solitário, a ascensão de Hitler ao poder e o longo período de ditadura de Stroessner, no Paraguai, mais recentemente.
Nesse sentido Pinto Ferreira alerta para o uso do plebisci­to, como legitimador de regimes autoritários:
"Como exemplo de incitação ao autoritarismo, citam-se os plebiscitos da era napoleônica, que foram realizados por três vezes: em 1800, buscando apoio público para a retifi­cação de uma nova Constituição, em 1802, a fim de confe­rir a Napoleão o título de Consul Vitalício; em 1804, para o efeito de confirmar Napoleão no título de Imperador dos franceses. São de mencionar os plebiscitos de Hitler, no início de seu governo que lhe eram favoráveis, aniquilan­do a democracia e endeusando o nazismo"[1].
Bernard de Chantebout observa o papel desses mecanimos de democracia semidireta na França, referindo-se à Repúbli­ca plebiscitária francesa de 1962 a 1969, período marcado, desde seu início até o seu fim, por dois referendos e, no meio desse período, por uma eleição presidencial de dezembro de 1965. Esse período é caracterizado por massacrante preponderância da insti­tuição presidencial: o Chefe de Estado toma as decisões, em nome do governo, impondo-se ao Parlamento que deixa de ter valor. Quanto ao povo, este está ao lado do Presidente, nesta República plebiscitária, em parte cúmplice, em parte enganado, até o repentino despertar de maio de 1968[2].
Juan Ferrando Badia alerta para a transformação do ple­biscito, de um instrumento democrático em um mecanismo de exercício autoritário, dos poderes falsamente legitimados:
"En Suíza Ia palabras plebiscito y referéndum son sinónimos; em Francia, se llama plebiscito al voto sobre un hombre, referéndum, al voto sobre un problema. Desde Napoleón, el plebiscito ha sido uno de los medios para emascarar un gobierno personal bajo una aparencia de­mocrática, pues el referéndum puede facilmente convertise en plebiscito si el pueblo escoje Ia función en función del hombre que se dirige a él. Al permitise pasar por encima del Parlamento para consul­tar directamente a Ia nación, el referéndum suministrar al jefe del Estado (o de gobierno) el medio de hacer popular y desviar el régimes hacia el gobierno personal[3].
A democracia plebiscitaria não oficial, legitimadora de medidas autoritárias, é algo de novo nos Estados atuais. Os governos se amparam em pesquisas de opinião, permanentemen­te realizadas e divulgadas quando do seu interesse, para legitimar suas ações nos mais variados campos.
A imprensa também utiliza tais mecanismos de pesquisa de opinião pública, induzindo ou pressionando govemos, por intermédio da população, a determinadas posições.
Esta é a grande distorção de um mecanismo democrático, que serve a interesses que não são os interesses públicos, legiti­mando prática através da grande farsa da democracia plebiscitaria.
No Brasil de 1996, onde o desemprego, a violência urbana e rural são crescentes, num ambiente de insegurança que beira o caos social, muitas medidas inconstitucionais e ofensivas aos direitos básicos do ser humano poderão ser legitimadas por uma pseudodemocracia plebiscitária não oficial, por meio de questio­namentos direcionados em indagações de institutos de pesquisa de opinião, que hoje proliferam em todo o mundo, influenciando resultado de eleições e justificando, por seus percentuais, medi­das autoritárias de governos. No Brasil, essa pratica é notória e está nos noticiários da televisão com muita constância. A televi­são é um veículo de comunicação que influencia muito mais os sentidos e sentimentos do que a razão, pois não permite e não concede tempo para discussão e reflexão da importância, em razão número e da velocidade de informações oferecidas, que já vêm pensadas, prontas para simplesmente serem reproduzidas ao telespectador.
O plebiscito a que referimos, entretanto, por ocorrer na esfera municipal, influindo diretamente em questões que afetarão imediatamente, e de forma sensível a população do local. Acom­panhado de toda mudança estrutural do Estado e da Sociedade, como os mecanismos de controle social dos meios de comunica­ção social e a criação de espaços de desenvolvimento da cidada­nia, pode efetivamente, neste caso específico, tomar-se em im­portante mecanismo de democratização do poder local.  


[1]  PINTO FERREIRA. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 300
[2] CHANTEBOUT, Bemard. Droit constitutionnel et science politique. 7. ed., Paris: Armand Colin, 1986, p. 510.
[3] BADIA, Juan Ferrando. Estructura interna de la Constitución. Valencia: Tirant le Blanch, 1988, p. 510.

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