quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

1053- Responsabilidades: Pinheirinho - Coluna do professor José Luiz Quadros de Magalhães

Responsabilidades: Pinheirinho

José Luiz Quadros de Magalhães

            Quando ocorre algum episódio que nos desagrada costumamos, sempre, procurar os culpados. Poderíamos falar em culpa em uma perspectiva do direito penal ou da psicologia, ou psicanálise (alias, estes conceitos deveriam se consultar e dialogar permanentemente), mas quero falar aqui de “responsabilidade”. Todos nós temos responsabilidades sobre nossos atos e não podemos nos esconder atrás de justificativas, as mais variadas.
            Vejamos: Podemos começar a rede de responsabilidades com os possíveis mandantes do episódio de Pinheirinho: comecemos pela Juíza. A Juíza e o Judiciário paulista não podem se esconder atrás de justificativas jurídicas (legais) para explicar o inexplicável. Temos lido declarações no sentido de que a Juíza não poderia fazer outra coisa senão aplicar a lei. Ora, sabemos todos, há muito tempo, e a Juíza deveria saber desde a Faculdade de Direito, que o ordenamento jurídico é um sistema integral, coerente, e que tem uma finalidade estabelecida pela Constituição. Existem direitos fundamentais previstos na Constituição que são hierarquicamente superiores a todas as regras infraconstitucionais. Não é possível aplicar uma regra infraconstitucional contra a Constituição. O direito a moradia é um direito fundamental, é um direito de dignidade, assim como o direito a integridade física e moral. Poderiam dizer alguns: mas, e o direito de propriedade? A propriedade é um direito que encontra limites em sua função social, e isto é uma conquista do inicio do século passado. O direito à propriedade (como outros direitos) só é garantido àqueles que o exercem, e que, portanto, cumprem a função social. O direito de propriedade não pode prevalecer sobre a vida, a liberdade, a dignidade, a moradia, a integridade física e moral de seis mil pessoas. A Juíza e o Judiciário paulista não podem se esconder sob a justificativa do desconhecimento do Direito e da Teoria do Direito.
            Nesta rede de responsabilidade alguns assumem com clareza sua posição pelos seus atos, apesar de negar os seus claros atos e intenções com discursos políticos vazios. Talvez entre estas pessoas estejam o Prefeito, o Governador, o Comandante da Polícia Militar de São Paulo entre outros responsáveis. Estas pessoas optaram por um pensamento e conduta elitistas, de direita, representam interesses de seus amigos; parentes; de sua classe social ou da classe social que aspiram; de quem financia suas campanhas. Para estas pessoas, mergulhadas em teorias conservadoras, os pobres são outra categoria de pessoas. Embora não possam assumir claramente sua postura, estas pessoas estão defendendo seus interesses (que não são os interesses do povo), se escondem atrás de falsas declarações de intenções políticas que são facilmente desconstruídas pelos seus atos e escolhas. Diferente de outras posturas estas pessoas podem enganar os outros mas não se enganam. Se isto não comprometesse seus cargos estas pessoas poderiam até assumir publicamente a opção pelos ricos (muitas vezes fazem mas a maioria não quer perceber).
            Na rede de responsabilidades chegamos aos que executam ordens ilegais, os policiais desde o coronel até o policial; o motorista do trator que jogou abaixo as casas; o guarda municipal. Estes são responsáveis também pela barbárie ocorrida em Pinheirinhos. Estas pessoas se escondem sobre sua condição de subordinados: estão cumprindo ordens. Ora, ordens ilegais e inconstitucionais não se cumprem. Estas pessoas são também responsáveis, muito responsáveis, e o mais grave é que, se estas pessoas fossem solidárias, se elas não estivessem pensando só no seu medo, não aceitassem a autojustificativa de ser um peão que cumpre ordens, os conservadores; os que desconsideram os pobres como pessoas; os acumuladores; os egoístas; os ditadores; os equivocados; os mandantes, não teriam jamais vez. Se há opressão, violência, injustiça é porque mandados obedecem ordens imorais, ilegais e inconstitucionais. Estas pessoas que agem contra elas mesmas, contra as pessoas que elas amam são também responsáveis, e enquanto estas pessoas não forem capazes de enxergar o absurdo de suas ações, enquanto estas pessoas não assumirem a responsabilidade de seus atos, continuaremos a ter ditadores, opressores, corruptos, genocidas, e outras coisas deste tipo.
            Podemos nos ajudar na busca da revelação dos mecanismos ideológicos que levam as pessoas a agirem contra elas mesmas; mas que este processo de desocultamento, de revelação, sirva para que ninguém se esconda mais sob a justificativa de cumprimento de ordens; da ignorância da Constituição; para que ninguém negue suas responsabilidades pelos atos que praticam na vida. Sim, do Governador e da Juíza, até o operador do trator e do soldado que disparou a bala (de borracha ou não) são todos responsáveis. Qual é a nossa responsabilidade?

4 comentários:

  1. Magnífico texto, professor.
    Dá gosto da gente ser alfabetizado numa hora dessas.
    Uma reflexão pessoal faço:
    PAULISTA? NEM FILHA!!!
    Um abraço,

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  2. Como disse 1 comentarista, temos que chamar Pedro Alvares, para descobrir outra vez o Brasil.

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  3. Fiquei engrandecida, como ser humano, ao acessar um texto com tanto discernimento. Ele é vasto, amplo e nos cobra uma maior participação no contexto social e político. Parabéns, José Luiz! Georgina Albuquerque

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  4. Texto mto bom! Vai de encontro às nossas consciências. Marcos Lázaro

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