PARA CITAR: MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Poder Municipal, paradigmas para o estado constitucional brasileiro, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 1997, pp. 169-171.
2. CONSTITUIÇÃO RÍGIDA OU FLEXÍVEL?
Outra classificação utilizada, com freqüência, é a divisão das Constituições em rígidas e flexíveis[1].
As Constituições rígidas são aquelas que necessitam de um processo formal que dificulte a alteração de seu texto, estabelecendo mecanismos parlamentares específicos; quorum para a aprovação com maiorias especiais; competência restrita para propor a sua alteração; além de limites temporais, circunstanciais e materiais para o funcionamento do poder de reforma.
A Constituição de 1988 segue a tradição dos textos brasileiros, que adotam o modelo de Constituições rígidas, com exceção da Constituição de 1824, que continha dispositivos que só poderiam ser alterados por meio de processos mais complexos, ao lado de dispositivos que poderiam ser modificados por intermédio de quorum de lei infraconstitucional, caracterizando uma Constituição semi-rígida, ou seja, parte rígida, parte flexível.
Os elementos principais que caracterizam a rigidez da Constituição de 1988 são:
a) a existência de quorum de 3/5 para a alteração do texto por meio de emenda à Constituição, em dois turnos de votação em cada Casa Legislativa.
b) a proposta de emenda só poderá partir de 1/3 dos membros da Câmara de Deputados ou Senado, do Presidente da República ou de mais da metade das Assembléias Legislativas, que encaminharão a proposta aprovada por maioria relativa de seus membros.
c) a existência de limites materiais, estabelecidos pelo art. 60, § 4°, I a IV, que proíbem emendas tendentes a abolir a forma federal, a democracia, os direitos individuais e suas garantias, e a separação de Poderes.
d) a existência de limites circunstanciais, consubstanciados na proibição do funcionamento do poder constituinte derivado - o poder de reforma -, durante a vigência do estado de sítio, estado de defesa e intervenção federal.
Além da reforma constitucional por meio de emendas, que visa a alterações pontuais do texto, por intermédio de emendas supressivas, aditivas ou modificativas, a Constituição de 1988 previu, ainda, o poder de reforma por revisão do texto, o que implica a alteração de todo o texto, obviamente sem comprometer ou modificar os princípios constitucionais, que constituem o fundamento da Constituição, visto que o poder de reforma, enquanto poder constituinte derivado, de segundo grau e subordinado, não pode alterar a obra do seu criador, que é o poder constituinte originário, este sim, soberano e inicial, portanto, de primeiro grau[2].
Tendo sido previsto no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o poder revisional foi flexibilizado, no que diz respeito ao processo legislativo, estabelecendo-se quorum de maioria absoluta em votação unicameral para a aprovação do projeto de revisão. Entretanto, em contrapartida, além dos limites materiais e circunstanciais já mencionados, sofreu esse poder de reforma por intermédio de revisão, limite temporal de cinco anos, podendo ser exercido apenas uma vez, pelo Congresso, com poderes constituintes derivados de revisão, pois, com a implementação do texto provisório o dispositivo transitório desaparece.
As cláusulas pétreas no texto ou as cláusulas imodificáveis são elementos importantes no estabelecimento da rigidez do texto, uma vez que estas cláusulas não poderão ser modificadas, nem mesmo através dos processos de reforma. Além das cláusulas pétreas expressamente enumeradas na Constituição, não pode um poder constituinte derivado (o poder de reforma), alterar a estrutura fundamental da Constituição, comprometendo os seus princípios fundamentais[3].
As Constituições flexíveis perderam importância, pois não respondem à necessidade de supremacia e segurança que o texto constitucional deve oferecer aos cidadãos, em relação aos seus direitos fundamentais e à organização do Estado.
Ao contrário das Constituições rígidas, as Constituições flexíveis podem ser alteradas por procedimentos simplificados, perdendo com isto o caráter de supremacia que devem ter. Torna-se difícil falar em controle de constitucionalidade, elemento fundamental na caracterização da supremacia constitucional, uma vez que, pelo mesmo processo que se elabora uma lei, pode-se alterar o texto constitucional.
Os textos flexíveis se mostraram inadequados para permitir a garantia que a Constituição deve oferecer enquanto norma suprema, que se impõe como limite à atuação dos poderes, sejam públicos ou privados.
A Constituição democrática deve combinar texto sintético, que permita processos de mutação democrática, com garantias eficazes de rigidez constitucional e controle de constitucionalidade, para possibilitar os processos e mecanismos de exercício de democracia nela estabelecidos, assim como estabelecer como cláusulas pétreas os princípios universais de direitos humanos nela consagrados.
[1] BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. A teoria das constituições. rígidas, São Paulo: José Bushatsky, 1980; VEGA, Pedro de. La reforma constitucional. Madrid: Tecnos, 1995; VERDÚ, Pablo Lucas. Curso de derecho político. Constitución de 1978 y transformación política social espanola. Madrid: Tecnos, 1984, v. 4.
[2] DANTAS, Ivo. Poder constituinte e revolução. Rio de Janeiro: Rio Sociedade Cultural, 1978; ACCIOLI, Wilson. Instituições de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1979; MALUF, Sahid. Direito constitucional, 15. ed., São Paulo: Sugestões Literárias, 1983; SIEYES, Emanuel Joseph. A constituição burguesa (Qui est-ce que le tiers Etat?) Trad. de Norma Azevedo. Rio de Janeiro: Liber Juris.
[3] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral do poder constituinte, Separata do n. 52 da Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, 1981; HAURIOU, André. Droit contitutionnel et institutions politiques. Paris: Montchrestien, 1978.
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