terça-feira, 17 de janeiro de 2012

1015- PODER MUNICIPAL 31 - Principios universais de Direitos Humanos

PARA CITAR: MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Poder Municipal, paradigmas para o estado constitucional brasileiro, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 1997, pp.196-200.

8. PRINCÍPIOS UNIVERSAIS DE DIREITOS HUMANOS
            Temos utilizado desde o início deste trabalho a expressão princípios universais de direitos humanos. É necessário, pois, ex­plicar o significado dessa expressão, que para nós deverá represen­tar todo o conteúdo principiológico constante do texto federal.
            Já estudamos a expressão "princípios constitucionais", sendo que propusemos ainda classificação que contemple os princípios (regras em sentido amplo, ou com grau de abrangência maior) fundamentais, setoriais e os deduzidos da Constituição. As Constituições têm diferentes prinpios e oferece tratamentos variados aos grupos e direitos fundamentais da pessoa humana.
            Esses direitos fundamentais e os seus princípios basilares serão variáveis de acordo com o texto constitucional. Dessa forma, uma Constituição liberal se limitará a declarar os direitos individuais e os direitos políticos, sendo que, dentro do referen­cial teórico da época, os direitos humanos se reduziam, numa perspectiva constitucional, a este conteúdo, dentro de uma pers­pectiva teórica que consagrava o abstencionismo estatal e consi­derava como garantia constitucional a simples inserção de princí­pios do Direito, no texto constitucional.
            De outra forma, as Constituições sociais e as socialistas ampliam este leque de direitos fundamentais, oferecendo varia­dos modelos adotados por diferentes países. Não se pode dizer, lendo as Constituições socialistas e as Constituições sociais­liberais (ou sociais assistencialistas, ou neoliberais), que estas obedecem a um modelo rígido, imutável de Estado para Estado.
            Tanto os textos socialistas como os sociais, estes com maior intensidade, têm variações que correspondem às situações históri­cas específicas de cada país, sendo que essas variações ocorrem na forma de organização política do Estado, mas principalmente no tratamento dos direitos fundamentais e a relação entre os seus grupos de direitos, refletindo nos princípios constitucionais[1].
            Fica claro que os princípios constitucionais não o exata­mente iguais, mesmo quando o tipo de Constituição adotada é o mesmo. Ocorrerá quase sempre influências nacionais específi­cas, que serão marcantes na construção dos princípios de direitos humanos numa perspectiva constitucional, influências estas que terão origens em sistemas econômicos, culturas, histórias dife­rentes, assim como outros elementos, que nos indicarão com certeza a impossibilidade de se procurar um sistema constitucio­nal único de direitos humanos. Aliás, mais do que a impossibili­dade, é a constatação de que esta diversidade deverá ser mantida como elemento de riqueza que permite a evolução do ser humano dentro de uma diversidade que incentiva e promove essa evolção desejada, afastando a massificação medíocre de grandes mercados transformadores dos humanos em "em seres consumi­dores de matérias inúteis", em que a perspectiva de ser se trans­forma num ter sem limites.
            Esse sistema constitucional de direitos humanos deve con­viver com um sistema global. É o que podemos chamar da perspectiva internacionalista dos direitos humanos[2]. É importan­te salientar que essa perspectiva internacionalista poderá subdi­vidir-se em dois novos enfoques: o enfoque regional multinacio­nal, em que as coincidências entre valores serão mais extensas e logo o número de princípios será maior, e um enfoque universa­lista, no qual se encontra o desafio maior dos direitos humanos hoje, que é o de estabelecer princípios e valores comuns, assim como direitos decorrentes desses princípios, que sejam aceitos por todos os povos e culturas do Planeta Terra.
            Aliás, poderíamos dizer que essa perspectiva universalista é a dimensão correta oposta dos direitos humanos construídos sobre valores locais. O universal é construído sobre as parcelas da menor dimensão espacial sobre a qual irá se estabelecer prin­cípios humanos. Assim, conclui-se que o primeiro princípio humano universal está na liberdade de ser humano integralmente, o que implica ser efetivamente livre para construir o seu futuro em comunidade. Obviamente que não iremos construir essa ideia de liberdade na insuficiente noção liberal, neoliberal ou mesmo socialista em um primeiro momento, pois liberdade de ser huma­no implica ser humano de acordo com valores da comunidade em que se vive, seja local, seja universal. As duas dimensões deve­rão estar sempre juntas.
            Os direitos humanos universais e os princípios universais de direitos humanos são aqueles que podem ser aceitos por todas as culturas, não se chocando com o que tem de essencial a cada princípio encontrado em cada comunidade do Planeta. Isto não quer dizer que os princípios universais não serão contraditórios a determinados princípios e regras de culturas e comunidades es­pecíficas. Isso ocorrerá com freqüência e significará a superação desses princípios e regras locais pelo que existe de essencial em uma cultura planetária. Em outras palavras, a superação de regras e princípios locais ocorrerá através daquele dado que existe de humano ou de universal em cada cultura do Planeta, ou mesmo em cada comunidade, pois não é possível a permanência de qualquer comunidade, mesmo por um espaço de tempo curto, se esta não tiver valores de autopreservação, o que implica vida, núcleo fundamental de humanidade, que poderá ser ampliado pelos princípios universais.
            Dado fundamental deve ser ressaltado quando falamos em direitos e princípios universais: felizmente, a diversidade ainda existe e dessa forma os direitos humanos não devem ser, por tudo que já dissemos até agora, a supremacia de valores de uma cultura sobre as outras, ou de um modelo de sociedade sobre os outros. A diversidade é sua essência, e o núcleo comum compar­tilhado por todas as culturas será o seu real conteúdo mutável.
            Dessa maneira, os direitos universais serão aqueles que podem ser aceitos por todos os povos, em todos as comunidades de pessoas do Planeta. É importante lembrar que utilizamos a palavra "pode” enquanto possibilidade real de qualquer cultura humana, e não utilizamos as expressões "devem" ou "serão" aceitos, o que seria inadequado ou falso, no atual momento histórico.
          É necessário, neste momento, identificarmos quais os princípios deverão estar contidos na Constituição democrática: a) os princípios universais conforme foram enunciados neste tópico; b) os princípios e direitos universais declarados pela Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e os princí­pios decorrentes dessa Declaração; c) ou os princípios de direitos humanos consagrados nas declarações internacionais em uma perspectiva regional?
            Neste momento, e dentro do que já foi discutido até aqui, poderíamos dizer que nenhum destes. Primeiramente, é necessário esclarecer que, até aqui, vimos afirmando que o texto constitucio­nal deve-se limitar a conter princípios que sejam universais, dentro da perspectiva que se insere no item "a" acima e explicada nesse tópico. Com isto queríamos dizer que os também considerados direitos humanos, que são os direitos socioeconômicos, não deve­riam estar contidos no texto constitucional federal, mas deveriam ser deixados para as leis infraconstitucionais e as Constituições Municipais. Podemos extrair desta afirmativa o seguinte:
a) a tese se constrói pensando a realidade do Estado brasi­leiro, sua dimensão e organização territorial;
b) os direitos socioeconômicos não seriam suprimidos do ordenamento jurídico brasileiro, mas regulamentados por normas infraconstitucionais nos seus aspectos gerais de convivência de modelos alternativos locais, de planejamento e investimentos privados e públicos no território da União, e pelas Constituições Municipais no que se refere à regulamentação da forma de pro­priedade e do modelo local de repartição econômica;
c) pela complexidade de se estabelecer nacionalmente princípios que devem ser construídos no espaço internacional, ressalvados os aspectos acima enunciados, nada impede, muito pelo contrário, que a Constituição consagre princípios nacionais ou regionais de direitos culturais específicos, desde que mantida a total autonomia da população para a construção do seu modelo de organização social e econômica.
d) a declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, bem como os princípios dela decorrentes, é um texto de enorme importância histórica, principalmente para o Ocidente, mas deve ser vista dentro no seu contexto histórico de vitória de um mode­lo que despontava sua supremacia universal após a Segunda Guerra Mundial. Ao dispor sobre questões sociais e econômicas específicas, a Declaração se restringe a um contexto social, polí­tico e econômico específico do pós-guerra, que será supera­do, e como tal deve ser entendido.  Assim, concluímos que a Constituição democtica,que pensamos, deve se aproximar de um texto que reduza seus princípios àqueles considerados universais, somados a princípios regionais, desde que não inibidores da evolução de modelos locais, principalmente no que diz respeito ao estabelecimento de mode­los socioeconômicos pré-fabricados pelos conglomerados econô­micos mundiais.[3]


[1] ARAGÃO, Selma Regina. Direitos humanos - Do mundo antigo no Brasil de todos. Rio de Janeiro: Forense, 1990. GOFFREDO, Gustavo et aI. Direitos humanos em debate necessário. São Paulo: Brasileira, 1989; RUZ, Fidel Castro et aI. Cuba de los derechos humanos. Habana, Cuba: Editorial de Ciencias Sociales, 1990; NIKKEN, Pedro et ai. Agenda para ia consolidación de ia democracia en America Latina. San José, Costa Rica: Instituto Interamericano de Derechos Humanos - CAPEL, 1990; CAMPOS, German J. Bidart. Constitución y derechos humanos. Buenos Aires: Ec1iar, 1991; LLORENTE, Francisco Rubio. La forma deI poder (Estudios sobre Ia Constitución). Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993; MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos' humanos na ordem jurídica interna.
[2] MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito constitucional internacional.Rio de Janeiro: Renovar, 1994; MELLO, Celso D. de Albuquerque. A revisão do direito constitucional na Constituição de 1988. Revista Ciencias Sociais. Universidade Gama Filho, ano 1, p. 75-89. novembro, 1995; TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos no final do século XX. Arquivos do Ministério da Justi­ça, ano 48, n. 185, p. 73-85, jan/jun., 1995

[3] PEREIRA, Antônio Celso Alves. Direito internacional e desenvolvimento econômico. Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, n. I, v. 1, p. 32-63.

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