TJMG Regulamenta Registro de União Homoafetiva
Alexandre Bahia[1]
Recentemente o Tribunal de Justiça de Minas Gerais trouxe regulamento para os Cartórios do Estado sobre a forma como realizar Registro de Uniões Estáveis entre homem e mulher e entre pessoas do mesmo sexo. É o Provimento n. 223/CCG/2011, publicado no DJe. De 15/12/2011.
Uma primeira observação sobre o Provimento é que ele vem regulamentar tanto uniões estáveis “heteroafetivas” quanto “homoafetivas”. Essa é uma questão interessante uma vez que as primeiras já contam com disposições normativas expressas desde a Constituição de 1988 (CR/88) e Código Civil de 2002 (CC/02), mas somente agora o Tribunal entendeu por redigir orientações aos Cartórios sobre como proceder às mesmas.
A grande novidade, claro, está no fato do Provimento abranger também relações homoafetivas e isso se deu, como os “Consideranda” do Documento atestam, em função do que decidiu o STF ao julgar a ADPF132 e a ADI4277, em maio de 2011, quando o Tribunal Excelso entendeu que, onde as leis civis dispõem sobre “união estável” (notadamente os arts. 1723 a 1727 do CC/02), dever-se-ia entender uniões tanto entre pessoas de sexos diferentes como de mesmo sexo, atendidos os demais requisitos, como o próprio Provimento dispõe no parágrafo único do art. 1º: “ Para os fins dos atos tratados neste Provimento, considera-se como união estável aquela formada pelo homem e pela mulher, bem como a mantida por pessoas do mesmo sexo, desde que configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
O TJMG ainda justifica a edição do ato tendo em vista “as inúmeras consultas apresentadas (...) revelando a necessidade de regulamentação e uniformização dos atos notariais e de registro”. Isso é muito interessante, uma vez que uniões estáveis são, por natureza, mais informais, não há necessidade de qualquer registro para que possa a vir a ser reconhecida posteriormente (diferente do que ocorre com o casamento, que apenas existe se possuir registro); contudo, o registro das uniões estáveis torna mais certo e fácil a comprovação (de direitos, bens e deveres) frente a futuros questionamentos, tanto entre os conviventes quanto frente a terceiros, o que tem levado ao aumento pela busca desse procedimento.
Forma do Registro:
Cumpridos os requisitos do citado art. 1º, os interessados poderão formalizar sua união através de “Escritura Pública Declaratória de União Estável” (art. 2º)[2], feita perante qualquer Cartório de Registro de Registro de Títulos e Documentos (do domicílio dos requerentes – art. 8º do Provimento) e obedecendo os requisitos do art. 215 do CC/02,[3] que dispõem sobre Escrituras Públicas em geral. Os requerentes apresentarão documentos pessoais: Identidade, CPF, Certidão de Nascimento ou de Divórcio (em qualquer caso, expedida há no máximo 90 dias) e documentos comprobatórios de bens/direitos se for o caso (arts. 3º e 4º do Provimento). Cópia autenticada destes documentos será arquivada no Cartório.
Para caracterização de união estável, como dito, está o telos de “constituição de família” (art. 1723, CC/02 e parágrafo único, art. 1º do Provimento), tal objetivo deve constar expressamente da Escritura como declaração de vontade dos requerentes. Eles também devem declarar que não possuem impedimentos para o casamento (art. 1.521, CC/02), uma vez que, como sabemos, só se considera legítima a união estável capaz de ser convertida em casamento (como decorrência do que prevê o art. 226, §3º da CR/88).
Em regime união estável vale como regra geral a “comunhão parcial de bens” (art. 1725, CC/02). Contudo, podem os requerentes, no momento de lavrar a Escritura dispor de forma diferente, discriminando, como lembra o art. 6º do Provimento, “sobre a existência de bens comuns [que serão partilhados quando do término da união] e de bens particulares de cada um dos conviventes [que não serão objeto de partilha] – por isso a mencionada necessidade de apresentação de documentos probatórios de propriedade de bens.
Constará como declaração geral que os requerentes fazem uma ressalva quanto a “eventuais erros, omissões ou direitos de terceiros” (art. 7º), de forma a manter a boa-fé dos Declarantes e sua disposição de não querer ferir direitos alheios.
Mencionamos que o registro de uniões estáveis trás facilidades aos declarantes; o art. 9º do Provimento lembra que, uma vez feita a escritura, os conviventes poderão: I – registrar a escritura na matrícula de imóvel dos convivente e registrar imóvel como bem de família (lei 8009/90).
Considerações Finais
O disposto nesta normativa é muito interessante em vários aspectos; chamamos a atenção, para finalizar, sobre 2:
Em primeiro lugar, em boa hora o TJMG edita normativa que consagra o avanço jurisprudencial consolidado em 2011; sabemos de inúmeros casos em que pessoas que viveram anos em uniões homoafetivas (anos estes afastados de suas famílias, porque estas não os aceitavam) se viram em situação difícil quando um dos companheiros vem a falecer – justamente aquele em nome do qual estava a maior parte dos bens – e o sobrevivente fica “sem nada” até que (ou se) consegue, judicialmente, obter o que sempre lhe foi de direito. Nesse sentido, o Provimento traz importante contribuição.
Em segundo lugar, o Provimento parece deixar claro que, reconhecida a união estável, pode a mesma ser convertida em casamento, inclusive a união homoafetiva. Lembramos que, após a decisão do STF reconhecendo como válidas (juridicamente) as uniões homoafetivas, seguiram-se ao longo de 2011 vários pedidos de “conversão de união estável (homoafetiva) em casamento”, alguns foram aceitos (via Cartórios ou judicialmente), outros não.
Some-se a isso que no final daquele ano o Superior Tribunal de Justiça proferiu importante decisão em que considerou possível dita conversão[4], e o número de casos semelhantes tem se multiplicado. Isso facilitará que vários casais homoafetivos possam não apenas formalizar uniões estáveis, mas também requerer, se assim o desejarem, a conversão das mesmas em casamento, garantindo-lhes isonomia frente aos demais casais, com todos os direitos, deveres e reconhecimento próprios do [1] Mestre e Doutor pela UFMG. Professor Adjunto da UFOP e da FDSM. Professor do Programa de Mestrado em Direito da FDSM. Advogado do escritório CRON – Advocacia, Av. Prudente de Morais, 287, sl. 1401. Belo Horizonte (MG). www.oncadvocacia.com.br..
[2] É bom lembrar que o Provimento, no art. 11 proíbe o uso de “Ata Notarial” nesses casos, substituindo a Escritura Pública (ver lei 8935/94, art. 7º). É que se trata de documentos públicos diferentes, principalmente porque a escritura pública contem “declaração de vontade”, enquanto que a Ata Notarial apenas testifica “fatos presenciados pelo Notário”.
[3] Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.
§ 1o Salvo quando exigidos por lei outros requisitos, a escritura pública deve conter:
I - data e local de sua realização;
II - reconhecimento da identidade e capacidade das partes e de quantos hajam comparecido ao ato, por si, como representantes, intervenientes ou testemunhas;
III - nome, nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência das partes e demais comparecentes, com a indicação, quando necessário, do regime de bens do casamento, nome do outro cônjuge e filiação;
IV - manifestação clara da vontade das partes e dos intervenientes;
V - referência ao cumprimento das exigências legais e fiscais inerentes à legitimidade do ato;
VI - declaração de ter sido lida na presença das partes e demais comparecentes, ou de que todos a leram;
VII - assinatura das partes e dos demais comparecentes, bem como a do tabelião ou seu substituto legal, encerrando o ato.
§ 2o Se algum comparecente não puder ou não souber escrever, outra pessoa capaz assinará por ele, a seu rogo.
§ 3o A escritura será redigida na língua nacional.
§ 4o Se qualquer dos comparecentes não souber a língua nacional e o tabelião não entender o idioma em que se expressa, deverá comparecer tradutor público para servir de intérprete, ou, não o havendo na localidade, outra pessoa capaz que, a juízo do tabelião, tenha idoneidade e conhecimento bastantes.
§ 5o Se algum dos comparecentes não for conhecido do tabelião, nem puder identificar-se por documento, deverão participar do ato pelo menos duas testemunhas que o conheçam e atestem sua identidade.
[4] REsp. n. 1.183.378 – RS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão.
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