terça-feira, 17 de janeiro de 2012

1013- PODER MUNICIPAL 29 - Princípios constitucionais e interpretação constitucional

PARA CITAR: MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Poder Municipal, paradigmas para o estado constitucional brasileiro, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 1997, pp.184-190


7. PRINCÍPOS CONSTITUCIONAIS E INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

            Ideia recorrente neste trabalho se refere à importância de uma Constituição democrática, que se baseie em princípios que permitam uma constante evolução interpretativa, condicionada pelos princípios universais de direitos humanos, processos e procedimentos democráticos constitucionalmente' previstos, e pela livre expressão da vontade consciente dos cidadãos.
            Concluímos até o momento que a estrutura constitucional ideal para a Construção do Estado democrático será a de uma Constituição escrita, rígida, principiológica, sintética, codificada e desvinculada de qualquer modelo social e econômico, por isso ortodoxa nos seus princípios, valores e regras procedimentais assecuratórias da democracia participativa.       Vimos, também, a importância da existência de meca­nismos eficazes de controle da constitucionalidade, uma vez que esses mecanismos serão responsáveis pela supremacia da Constituição, acrescentando que o nosso sistema deve ainda evoluir para formas de controle direto por parte dos cidadãos, titulares do poder estatal, e portanto os verdadei­ros guardiães da Constituição.
            Devemos agora definir o significado e importância dos princípios e seu papel na interpretação constitucional, para que de posse desses dados teóricos possamos analisar as mudunças aqui propostas que podem ocorrer apenas por processos de inter­pretação; as que necessitam dos processos formais de reforma através de emenda a Constituição e, concluindo, a necessidade da elaboração de uma nova Constituição, que poderia então preen­cher os requisitos formais acima enumerados, corno também consagrar as mudanças sugeridas, no que diz respeito à estrutura do Estado democrático e, principalmente, à desconstitucionalização do modelo econômico.        .
            No decorrer do trabalho, cada aspecto da estrutura do Estado democrático e da Constituição democtica, foi acompa­nhado de referencias sobre a possibilidade de implantação das modificações ali sugeridas, através da hermenêutica constitucio­nal ou através do processo de reforma constitucional com o funcionamento do poder constituinte derivado, pertencente ao Congresso Nacional. Entretanto, o resultado do trabalho sugere a criação de um novo sistema constitucional, o que percebemos só poderá ocorrer com a elaboração de uma nova Constituição.
            A interpretação constitucional pode nos permitir leitura sistêmica do texto, estabelecendo, através dos mecanismos já vistos e estudados, quando nos referimos ao prinpio da economicidade, urna Constituição que consagra a indivisibilida­de dos direitos fundamentais, uma hierarquização de princípios aplicáveis e variáveis de acordo com a situação concreta, e a partir daí a construção de um conceito mais amplo de cidadania e de democracia, ultrapassando a idéia restrita da democracia como a simples consagração do direito do voto, para chegar-se a idéia de democracia enquanto processo em constante evolução, que permita a criação de cidadãos através da inclusão dos indiví­duos e que possibilite, conseqüentemente, sua participação na construção do seu próprio futuro, fora de urna perspectiva assis­tencialista, meramente clientelista, do Estado social.
            Como se vê, através da correta interpretação do texto de 1988, confrontado com a realidade social e econômica vivida pode-se revolucionar o sistema constitucional, saindo de uma equivocada leitura assistencial e clientelista do texto, para a construção de Constituição democrática, participativa, dialógica e que permita a construção e reconstrução permanente de consensos democráticos provisórios. 
A partir daí, podemos concluir que a garantia constitucional oferecida à propriedade privada, condicionada que está à sua função social, e aos valores e prinpios maiores da Constituição, implica uma garantia da propriedade individual, desde que o confronte com os objeti­vos constitucionais, o que destrói a idéia da propriedade privada dos meios de produção como direito inatingível, e a economia capitalista como garantia constitucional. Devemos observar que, nos seus prinpios fundamentais, a Constituição estabelece, como objetivo do Estado, a justiça social, a democracia plural na perspectiva dos direitos humanos, o que implica a democracia política, econômica e social, assim como a redução das desigual­dades sociais e regionais e a eliminação da pobreza.
            A interpretação sistêmica pode nos levar a construir uma interpretação completamente nova do texto constitucional, res­saltando os aspectos essenciais democráticos que garantem a visão de uma Constituição enquanto processo que legitimaria todas as mudanças que a sociedade requer.
            Difícil é este caminho de mutação do texto constitucional, uma vez que parte do Judiciário ainda lê a legislação infraconsti­tucional distante dos seus princípios, o que corresponde na reali­dade a situações como a prisão de lideres rurais que querem trabalhar, comer, morar, estudar, não havendo punição para ban­queiros e administradores públicos e privados que desviam ile­galmente recursos.
            Se o processo de mutação constitucional pode permitir esse rompimento com a leitura neoliberal da Constituição, não permite, entretanto, a transformação da estrutura do Estado neste trabalho sugerida, assim como a própria estrutura constitucional proposta.
            Para a reforma da estrutura do Estado é exigida a atuação do poder de reforma por meio de emendas, onde então se poderia estabelecer uma federação com um Poder Municipal fortalecido, modificando-se o sistema de governo em nível federal, estadual e municipal, e criando óros de controle social e participação da sociedade civil, que muitas vezes independeriam de alteração constitucional, podendo ocorrer por simples leis municipais, es­taduais e federais, o que implicaria na revisão da distribuição de competências e redução radical do texto constitucional, retiran­do-se dele as referencias a organização dos Estados e Municípios, o que em uma federação não deve estar no texto constitucio­nal federal mas deve ser competência de cada ente federado.
            Também a adoção do modelo de Constituição sugerido pode ocorrer através de emendas, na maioria dos casos supressivas. Entretanto, resta saber se este enorme de reforma e todas as incontáveis discussões judiciais que ocorreram a partir dela não tomariam insuportável a estabilidade do Estado e da Sociedade. Por esse motivo, uma nova Constituinte que consagre de forma clara um novo Estado democrático é sem dúvida o caminho mais adequado, pois como poder inicial e soberano, estariam afastadas as milhares de ações judiciais, dei­xando que o jogo de forças sociais desempenhassem o seu papel no estabelecimento e afirmação do novo Estado democrático.
7.1 Princípios constitucionais
            Já tivemos oportunidade de classificar as regras presentes na Constituição, dividindo-as em:
            a) regras em sentido restrito, que regulam situação especí­fica, tendo grau de abrangência menor em relação as outras regras. Ex: taxa de juros de 12% ao ano.
            b) regras expressas em sentido amplo (princípios), que se aplicam a diversas situações, direcionando e condicionando a aplicação das regras constitucionais em sentido restrito e as di­versas normas infraconstitucionais.
            Esses princípios constitucionais muitas vezes se comple­mentarão e em algumas situações se chocarão, conflito este que será solucionado através da ideologia constitucionalmente adota­da, como princípio maior, ou valor maior que possibilitará elimi­nar os antagonismos do texto constitucional, aplicando o princí­pio da economicidade, que, baseado neste valor, irá apontar qual princípio será aplicado ao caso concreto.
            Exemplo desses princípios será a função social da proprie­dade, a igualdade jurídica, a soberania, o interesse social, dentre muitos outros.
            c) regras deduzidas em sentido amplo são os princípios elaborados a partir da aplicação do texto constitucional a deter­minadas situações específicas, princípios estes que evoluem e se modificam com situações históricas diferentes, sendo o produto do processo de mutação constitucional que advém da interpreta­ção sistêmica da Constituição inserida em determinada realidade social, política e econômica.
            Esses princípios deduzidos surgem muitas vezes a partir do confronto de duas ou mais regras expressas em sentido amplo, ou entre estas e as regras expressas em sentido restrito.
            O Professor Washington Albino enumera alguns princípios deduzidos, quando da análise da ordem econômica constitucio­nal, referindo ao princípio ou como prefere o autor, regra do equilíbrio, regra da primazia da realidade econômica, dentre outras[1].  
            Para melhor compreensão podemos citar a regra da prima­zia da realidade econômica, que determina que ao se aplicar as normas constitucionais referentes a ordem econômica não se pode ignorar os dados da realidade econômica. Essa regra surge da aplicação das regras de direito econômico presentes nas Cons­tituições que muitas vezes, para ter eficácia, têm que ser adotadas através de políticas públicas que não permitem sua implementa­ção imediata, mais gradativa, pois, se implementadas imediata­mente, podem acarretar o comprometimento de vários outros princípios constitucionais.
            A primazia da realidade econômica pode ser deduzida a partir da obrigatoriedade de um salário mínimo capaz de atender às necessidades do trabalhador e de sua família, com educação, saúde, habitação, vestuário, lazer, alimentação, etc. O cumpri­mento dessa regra em sentido restrito não pode se dar apenas com uma lei que venha aumentar o valor do salário, pois' isto traria conseqüências muitas vezes piores, mas deve ser entendida como norma de aplicação combinada com políticas públicas referentes à saúde e à educação pública gratuita e de qualidade, ao lazer da população em geral, políticas econômicas referente ao setor produtivo, direcionando a produção de bens de consumo que se destinem a maioria da população, etc;
            d) finalmente a ideologia constitucionalmente adotada, já estudada anteriormente, é entendida como o conjunto de regras e princípios integrados de forma sistêmica apontando um valor síntese capaz de indicar a direção interpretativa diante de situa­ções fáticas, em que os princípios pareçam ser antagônicos.
            O Professor Ivo Dantas, em livro intitulado Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional, faz estudo sobre o significado da expressão "princípios", citando vários autores e concluindo:
"Para nós, princípios são categoria lógica e, tanto quanto possível, universal, muito embora não possamos esquecer que, antes de tudo, quando incorporados a um sistema jurídico-constitucional-positivo, refletem a própria estru­tura ideológica do Estado, como tal, representativa dos valores consagrados por uma determinada sociedade."[2]
            Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ao tratar do tema, reali­za algumas ponderações, nas quais explica:
"Os juristas empregam o termo 'princípio' em três senti­dos de alcance diferente. Num primeiro, seriam 'supernor­mas', ou seja, normas (gerais ou generalíssimas) que ex­primem valores e que, por isso, são ponto de referência, modelo, para regras que as desdobram. No segundo, seri­am standards, que se imporiam para o estabelecimento de normas específicas - ou seja, as disposições que preordenem o conteúdo da regra legal. No último, seriam generalizações, obtidas por indução a partir das normas vigentes sobre determinada ou determinadas matérias. Nos dois primeiros sentidos, pois, o termo tem uma conotação prescritiva; no derradeiro, a conotação é descri­tiva: trata-se de uma abstração por indução[3]
            A classificação adotada por nós neste trabalho sugere uma visão um pouco semelhante dos princípios constitucionais, res­saltando, entretanto, que nos mantemos apenas no nível da nor­ma constitucional, entendendo que os princípios jurídicos são na sua essência fundamentais, porque ponto de partida de interpre­tação e elaboração de todo ordenamento jurídico.
            Uma importante questão deve ser respondida neste mo­mento, pois irá ajudar a compreender a nossa perspectiva de princípios constitucionais e o importante papel que desempe­nham na interpretação, evolução e mutação da Constituição e na elaboração e interpretação do ordenamento jurídico infraconsti­tucional: qual é a hierarquia existente entre princípios expressos, princípios deduzidos, regras em sentido restrito e a ideologia constitucionalmente adotada?


[1] SOUZA,Washington Peluso Albino de. Direito econômico.Op. Cit.
[2] DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995, p. 59; CANOTILHO, J. J. Gomes. MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Edi­tora, 1991; CAMPOS, German Bidart. El derecho de Ia Constitución y su fuerza normativa. Buenos Aires: Ediar, 1995. 
[3] PECES BARBA, Gregório. Los valores superiores. Madrid: Tecnos, 1986; FERREIRA FILHO, Manoe1 Gonçalves. Direito constitucional do trabalho - Estudos em homenagem ao Prof. Amauri Mascaro do Nasci­mento. São Paulo: LTr, 1991, v. I, p. 73-74.

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