PARA CITAR: MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Poder Municipal, paradigmas para o estado constitucional brasileiro, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 1997, pp.184-190
7. PRINCÍPOS CONSTITUCIONAIS E INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
Ideia recorrente neste trabalho se refere à importância de uma Constituição democrática, que se baseie em princípios que permitam uma constante evolução interpretativa, condicionada pelos princípios universais de direitos humanos, processos e procedimentos democráticos constitucionalmente' previstos, e pela livre expressão da vontade consciente dos cidadãos.
Concluímos até o momento que a estrutura constitucional ideal para a Construção do Estado democrático será a de uma Constituição escrita, rígida, principiológica, sintética, codificada e desvinculada de qualquer modelo social e econômico, por isso ortodoxa nos seus princípios, valores e regras procedimentais assecuratórias da democracia participativa. Vimos, também, a importância da existência de mecanismos eficazes de controle da constitucionalidade, uma vez que esses mecanismos serão responsáveis pela supremacia da Constituição, acrescentando que o nosso sistema deve ainda evoluir para formas de controle direto por parte dos cidadãos, titulares do poder estatal, e portanto os verdadeiros guardiães da Constituição.
Devemos agora definir o significado e importância dos princípios e seu papel na interpretação constitucional, para que de posse desses dados teóricos possamos analisar as mudunças aqui propostas que podem ocorrer apenas por processos de interpretação; as que necessitam dos processos formais de reforma através de emenda a Constituição e, concluindo, a necessidade da elaboração de uma nova Constituição, que poderia então preencher os requisitos formais acima enumerados, corno também consagrar as mudanças sugeridas, no que diz respeito à estrutura do Estado democrático e, principalmente, à desconstitucionalização do modelo econômico. .
No decorrer do trabalho, cada aspecto da estrutura do Estado democrático e da Constituição democrática, foi acompanhado de referencias sobre a possibilidade de implantação das modificações ali sugeridas, através da hermenêutica constitucional ou através do processo de reforma constitucional com o funcionamento do poder constituinte derivado, pertencente ao Congresso Nacional. Entretanto, o resultado do trabalho sugere a criação de um novo sistema constitucional, o que percebemos só poderá ocorrer com a elaboração de uma nova Constituição.
A interpretação constitucional pode nos permitir leitura sistêmica do texto, estabelecendo, através dos mecanismos já vistos e estudados, quando nos referimos ao princípio da economicidade, urna Constituição que consagra a indivisibilidade dos direitos fundamentais, uma hierarquização de princípios aplicáveis e variáveis de acordo com a situação concreta, e a partir daí a construção de um conceito mais amplo de cidadania e de democracia, ultrapassando a idéia restrita da democracia como a simples consagração do direito do voto, para chegar-se a idéia de democracia enquanto processo em constante evolução, que permita a criação de cidadãos através da inclusão dos indivíduos e que possibilite, conseqüentemente, sua participação na construção do seu próprio futuro, fora de urna perspectiva assistencialista, meramente clientelista, do Estado social.
Como se vê, através da correta interpretação do texto de 1988, confrontado com a realidade social e econômica vivida pode-se revolucionar o sistema constitucional, saindo de uma equivocada leitura assistencial e clientelista do texto, para a construção de Constituição democrática, participativa, dialógica e que permita a construção e reconstrução permanente de consensos democráticos provisórios.
A partir daí, podemos concluir que a garantia constitucional oferecida à propriedade privada, condicionada que está à sua função social, e aos valores e princípios maiores da Constituição, implica uma garantia da propriedade individual, desde que não confronte com os objetivos constitucionais, o que destrói a idéia da propriedade privada dos meios de produção como direito inatingível, e a economia capitalista como garantia constitucional. Devemos observar que, nos seus princípios fundamentais, a Constituição estabelece, como objetivo do Estado, a justiça social, a democracia plural na perspectiva dos direitos humanos, o que implica a democracia política, econômica e social, assim como a redução das desigualdades sociais e regionais e a eliminação da pobreza.
A partir daí, podemos concluir que a garantia constitucional oferecida à propriedade privada, condicionada que está à sua função social, e aos valores e princípios maiores da Constituição, implica uma garantia da propriedade individual, desde que não confronte com os objetivos constitucionais, o que destrói a idéia da propriedade privada dos meios de produção como direito inatingível, e a economia capitalista como garantia constitucional. Devemos observar que, nos seus princípios fundamentais, a Constituição estabelece, como objetivo do Estado, a justiça social, a democracia plural na perspectiva dos direitos humanos, o que implica a democracia política, econômica e social, assim como a redução das desigualdades sociais e regionais e a eliminação da pobreza.
A interpretação sistêmica pode nos levar a construir uma interpretação completamente nova do texto constitucional, ressaltando os aspectos essenciais democráticos que garantem a visão de uma Constituição enquanto processo que legitimaria todas as mudanças que a sociedade requer.
Difícil é este caminho de mutação do texto constitucional, uma vez que parte do Judiciário ainda lê a legislação infraconstitucional distante dos seus princípios, o que corresponde na realidade a situações como a prisão de lideres rurais que querem trabalhar, comer, morar, estudar, não havendo punição para banqueiros e administradores públicos e privados que desviam ilegalmente recursos.
Se o processo de mutação constitucional pode permitir esse rompimento com a leitura neoliberal da Constituição, não permite, entretanto, a transformação da estrutura do Estado neste trabalho sugerida, assim como a própria estrutura constitucional proposta.
Para a reforma da estrutura do Estado é exigida a atuação do poder de reforma por meio de emendas, onde então se poderia estabelecer uma federação com um Poder Municipal fortalecido, modificando-se o sistema de governo em nível federal, estadual e municipal, e criando órgãos de controle social e participação da sociedade civil, que muitas vezes independeriam de alteração constitucional, podendo ocorrer por simples leis municipais, estaduais e federais, o que implicaria na revisão da distribuição de competências e redução radical do texto constitucional, retirando-se dele as referencias a organização dos Estados e Municípios, o que em uma federação não deve estar no texto constitucional federal mas deve ser competência de cada ente federado.
Também a adoção do modelo de Constituição sugerido pode ocorrer através de emendas, na maioria dos casos supressivas. Entretanto, resta saber se este enorme de reforma e todas as incontáveis discussões judiciais que ocorreram a partir dela não tomariam insuportável a estabilidade do Estado e da Sociedade. Por esse motivo, uma nova Constituinte que consagre de forma clara um novo Estado democrático é sem dúvida o caminho mais adequado, pois como poder inicial e soberano, estariam afastadas as milhares de ações judiciais, deixando que o jogo de forças sociais desempenhassem o seu papel no estabelecimento e afirmação do novo Estado democrático.
7.1 Princípios constitucionais
Já tivemos oportunidade de classificar as regras presentes na Constituição, dividindo-as em:
a) regras em sentido restrito, que regulam situação específica, tendo grau de abrangência menor em relação as outras regras. Ex: taxa de juros de 12% ao ano.
b) regras expressas em sentido amplo (princípios), que se aplicam a diversas situações, direcionando e condicionando a aplicação das regras constitucionais em sentido restrito e as diversas normas infraconstitucionais.
Esses princípios constitucionais muitas vezes se complementarão e em algumas situações se chocarão, conflito este que será solucionado através da ideologia constitucionalmente adotada, como princípio maior, ou valor maior que possibilitará eliminar os antagonismos do texto constitucional, aplicando o princípio da economicidade, que, baseado neste valor, irá apontar qual princípio será aplicado ao caso concreto.
Exemplo desses princípios será a função social da propriedade, a igualdade jurídica, a soberania, o interesse social, dentre muitos outros.
c) regras deduzidas em sentido amplo são os princípios elaborados a partir da aplicação do texto constitucional a determinadas situações específicas, princípios estes que evoluem e se modificam com situações históricas diferentes, sendo o produto do processo de mutação constitucional que advém da interpretação sistêmica da Constituição inserida em determinada realidade social, política e econômica.
Esses princípios deduzidos surgem muitas vezes a partir do confronto de duas ou mais regras expressas em sentido amplo, ou entre estas e as regras expressas em sentido restrito.
O Professor Washington Albino enumera alguns princípios deduzidos, quando da análise da ordem econômica constitucional, referindo ao princípio ou como prefere o autor, regra do equilíbrio, regra da primazia da realidade econômica, dentre outras[1].
Para melhor compreensão podemos citar a regra da primazia da realidade econômica, que determina que ao se aplicar as normas constitucionais referentes a ordem econômica não se pode ignorar os dados da realidade econômica. Essa regra surge da aplicação das regras de direito econômico presentes nas Constituições que muitas vezes, para ter eficácia, têm que ser adotadas através de políticas públicas que não permitem sua implementação imediata, mais gradativa, pois, se implementadas imediatamente, podem acarretar o comprometimento de vários outros princípios constitucionais.
A primazia da realidade econômica pode ser deduzida a partir da obrigatoriedade de um salário mínimo capaz de atender às necessidades do trabalhador e de sua família, com educação, saúde, habitação, vestuário, lazer, alimentação, etc. O cumprimento dessa regra em sentido restrito não pode se dar apenas com uma lei que venha aumentar o valor do salário, pois' isto traria conseqüências muitas vezes piores, mas deve ser entendida como norma de aplicação combinada com políticas públicas referentes à saúde e à educação pública gratuita e de qualidade, ao lazer da população em geral, políticas econômicas referente ao setor produtivo, direcionando a produção de bens de consumo que se destinem a maioria da população, etc;
d) finalmente a ideologia constitucionalmente adotada, já estudada anteriormente, é entendida como o conjunto de regras e princípios integrados de forma sistêmica apontando um valor síntese capaz de indicar a direção interpretativa diante de situações fáticas, em que os princípios pareçam ser antagônicos.
O Professor Ivo Dantas, em livro intitulado Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional, faz estudo sobre o significado da expressão "princípios", citando vários autores e concluindo:
"Para nós, princípios são categoria lógica e, tanto quanto possível, universal, muito embora não possamos esquecer que, antes de tudo, quando incorporados a um sistema jurídico-constitucional-positivo, refletem a própria estrutura ideológica do Estado, como tal, representativa dos valores consagrados por uma determinada sociedade."[2]
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ao tratar do tema, realiza algumas ponderações, nas quais explica:
"Os juristas empregam o termo 'princípio' em três sentidos de alcance diferente. Num primeiro, seriam 'supernormas', ou seja, normas (gerais ou generalíssimas) que exprimem valores e que, por isso, são ponto de referência, modelo, para regras que as desdobram. No segundo, seriam standards, que se imporiam para o estabelecimento de normas específicas - ou seja, as disposições que preordenem o conteúdo da regra legal. No último, seriam generalizações, obtidas por indução a partir das normas vigentes sobre determinada ou determinadas matérias. Nos dois primeiros sentidos, pois, o termo tem uma conotação prescritiva; no derradeiro, a conotação é descritiva: trata-se de uma abstração por indução[3]
A classificação adotada por nós neste trabalho sugere uma visão um pouco semelhante dos princípios constitucionais, ressaltando, entretanto, que nos mantemos apenas no nível da norma constitucional, entendendo que os princípios jurídicos são na sua essência fundamentais, porque ponto de partida de interpretação e elaboração de todo ordenamento jurídico.
Uma importante questão deve ser respondida neste momento, pois irá ajudar a compreender a nossa perspectiva de princípios constitucionais e o importante papel que desempenham na interpretação, evolução e mutação da Constituição e na elaboração e interpretação do ordenamento jurídico infraconstitucional: qual é a hierarquia existente entre princípios expressos, princípios deduzidos, regras em sentido restrito e a ideologia constitucionalmente adotada?
[1] SOUZA,Washington Peluso Albino de. Direito econômico.Op. Cit.
[2] DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995, p. 59; CANOTILHO, J. J. Gomes. MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991; CAMPOS, German Bidart. El derecho de Ia Constitución y su fuerza normativa. Buenos Aires: Ediar, 1995.
[3] PECES BARBA, Gregório. Los valores superiores. Madrid: Tecnos, 1986; FERREIRA FILHO, Manoe1 Gonçalves. Direito constitucional do trabalho - Estudos em homenagem ao Prof. Amauri Mascaro do Nascimento. São Paulo: LTr, 1991, v. I, p. 73-74.
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