PARA CITAR: MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Poder Municipal, paradigmas para o estado constitucional brasileiro, Editora Del Rey, 1997, Belo Horizonte, pp. 107-108.
11 OS DIREITOS À EDUCAÇÃO E À SAÚDE COMO DIREITOS DEMOCRÁTICOS AUTOGERIDOS POR AUTONOMIAS CONSTITUCIONAIS
A nova teoria que tentamos estabelecer dos direitos fundamentais, ou dos direitos humanos, na perspectiva constitucional, partindo da teoria da indivisibilidade dos direitos humanos, leva-nos a propor tratamento diferenciado dos direitos fundamentais à saúde e à educação, direitos que, como vimos, são essenciais à existência e continuidade do processo democrático nas complexas sociedades contemporâneas.
Esses direitos são garantias do exercício da democracia e como tal devem estar desvinculados do governo, seja em que nível for, devendo ser geridos por autonomias constitucionais autogestionárias.
A ideia não é totalmente nova, pelo menos no que se refere às universidades, pois remonta às suas origens no século XII e XIII, sendo consagrada na legislação brasileira desde 1917 e garantida no Texto Constitucional no art. 207, que mantém a autonomia das universidades como verdadeira garantia de permanência e evolução do processo democrático, uma vez que têm a função de produzir e divulgar o conhecimento nas suas mais variadas perspectivas, de forma livre e plural.
Aliás, esse é o sentido originário da autonomia das universidades: desvincular a produção e divulgação dos saberes dos governos e dos “mercados”, que podem utilizá-los no sentido de manutenção do poder e de limitação de expressão cientifica, restrigindo sua produção a determinados interesses de grupos no poder, interesses esses que podem ser vinculados a interesses econômicos, condicionando a produção cientifica às necessidades criadas por um determinado modelo econômico específico, desprezando, através da ideologia oficial, toda produção que contrarie ou não seja útil a esse modelo (ideologia aí empregada enquanto distorção da realidade para sua adequação ao modelo autoritariamente imposto por aqueles que se encontram no poder, público ou privado)[1]. Não é que a Universidade não vá formar pessoas que as relações sociais e econômicas necessitam, o que ressalto é a necessidade de autonomia universitária para que se produza o conhecimento para a realidade e para transformar esta realidade. Não podemos ficar “produzindo” meros reprodutores ou técnicos. Temos que criar espaços para produção de alternativas ao sistema e não simplesmente alimentar o sistema.
Esse é o sentido da garantia democrática prevista no art. 207, que deve receber leitura sistemática com o restante do texto e, obviamente, com o capítulo sobre a educação, que estabelece bases democráticas para a gestão do ensino, adequando as instituições de ensino de primeiro, segundo e terceiro graus ao princípio democrático de livre expressão e convivência pacífica de idéias filosóficas, religiosas e políticas, sem nenhum tipo de imposição de qualquer forma de pensar, proibindo-se apenas a divulgação e logo o funcionamento de instituições que preguem qualquer tipo de preconceito ou discriminação.
Logo, a autonomia que será construida, no caso do art. 207 da Constituição, já existente, e das outras defendidas neste trabalho, devem necessariamente respeitar os princípios universais de direitos humanos, construindo sempre modelos de gestão que garantam, dentro do espírito da atual Constituição e da Constituição democrática que estudamos, a plena participação no sistema de autogestão de todos os que constroem o sistema educacional e de saúde.
Para construir o modelo de autonomias democráticas para gerir o sistema de educação e saúde em todas as esferas de poder na federação, partimos da idéia da autonomia universitária, enquanto lugar de autoorganização e autogoverno, limitadas aos princípios democráticos e constitucionais, pois autonomia não se confunde com soberania[2].Um aspecto fundamental da autonomia universitária é a idéia de desvinculação do governo, estabelecendo, as universidades, as políticas de educação superior, tendo a capacidade de proposta orçamentária própria feita diretamente ao Congresso Nacional, no caso de universidades federais, e nas respectivas esferas de Poder Legislativo da federação nos outros casos.
Sobre esse assunto, existe importante estudo do Colégio de Procuradores-Gerais das Instituições Federais de Ensino Superior, órgão da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, que detalha proposta inovadora de elaboração de uma lei orgânica das universidades, estabelecendo a forma de gestão e organização dessa autonomia constitucional de garantia do regime e da evolução do processo democrático.
[1] Os professores da antiga Alemanha Oriental são desprezados e se encontram desempregados após a unificação alemã. Ler: MIRAGLIA, Francisco. O Leste Europeu e a Construção do socialismo. Universidade e Sociedade, ano lI, n. 4, p. 91-95, dezembro, 1992. BANDEIRA, Moniz. A reunificação da Alemanha - Do ideal socialista ao socialismo real. São Paulo: Ensaio, 1992.
[2] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Ato administrativo e direito dos administrados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 11. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985; KELSEN, Hans. Teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 1938; CAMPOS, German 1. Bidart. Teoria del Estado - Los temas de la ciencia política. Buenos Aires: Editora Comercial, Industrial e Financeira, 1991.
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