quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Teoria do Estado 1

Para os alunos de Teoria do Estado e para quem mais se interessar.


A TEORIA DO ESTADO
Jose Luiz Quadros de Magalhaes

Vivemos em um mundo cada vez com maior complexidade. Se no passado pensamos que a especialização crescente era inevitável, percebemos hoje que a compreensão deste mundo atual nos impõe um conhecimento transdisciplinar. O ser humano, na busca do entendimento do mundo e de sua história, vem acumulando um fabuloso conhecimento sistematizado e compartimentalizado, o que tem permitido encontrar diversas respostas diferentes para as mesmas questões, postas entretanto a partir de paradigmas, áreas de conhecimento e pré-compreensões diferentes. Este fato mostra a riqueza de um conhecimento inevitavelmente auto-referencial e auto-reprodutivo, permitindo-nos compreender a inexistência de uma só verdade e, portanto, da inexistência de um conhecimento científico definitivo e universalmente válido.
O estudo e a compreensão do Estado passa pelos mesmos problemas. A primeira afirmativa que podemos construir é a da impossibilidade da existência de uma teoria geral do Estado. Uma teoria geral pressupõe a validade da compreensão do Estado e sua estrutura e objetivos, dissociada do contexto histórico, socioeco¬nô¬mi¬co, cultural e político. É afirmar que podemos criar uma teoria definitiva dissociada da história do Estado, das sociedades e de seu comportamento delimitado por uma realidade localizada no tempo e no espaço. Ou seja, a compreensão da democracia brasileira pressupõe a compreensão da nossa história e de todo o jogo de forças políticas, sociais e econômicas, nacionais e internacionais pertinentes à compreensão do funcionamento do jogo de poder em determinado momento. A teoria do Estado, a teoria da Constituição e o Direito Constitucional, como de resto toda a ciência jurídica, não pode ser estudada a partir de uma análise fria da engenharia normativa. É preciso buscar as motivações e os jogos do poder. É preciso buscar os desejos ocultos, os interesses em conflito. Se não fizermos isto, o estudo do Estado e do Direito corre o risco de remeter os seus estudiosos a mundo fictício, onde contra os fatos. Continuamos a afirmar, por exemplo, que somos um país soberano.
Podemos dizer, portanto, que a Teoria do Estado é hoje uma disciplina-síntese de sistematização de conhecimentos jurídicos, econômicos, filosóficos, sociológicos, políticos, psicológicos e históricos, que busca conhecer e estudar o Estado e sua função na História, passado e presente. Certamente por vezes a palavra Estado é usada em um sentido amplo, para indicar sociedade política, outras vezes é utilizada com um sentido bem mais restrito, para indicar o aparato estatal ou até mesmo um órgão particular ...o governo, ou os sujeitos do governo...,1 o que não impede e mesmo indica a necessidade de uma disciplina que objetive estudá-lo em todas as suas vertentes e nuanças.
Um dos objetivos deste trabalho é estabelecer os contornos científicos do Estado, eliminando do saber, compreensões equivocadas que são utilizadas para a manipulação da opinião pública e logo para a limitação do processo democrático. A afirmativa, por exemplo, de que o Estado ou os agrupamentos humanos são um todo vivo constituiu um corpo teórico do organicismo romântico que ainda hoje são utilizadas pela imprensa para identificar o Estado com uma vontade ou uma realidade que de forma alguma é inerente à compreensão do Estado. A afirmativa, por exemplo, de que o Estado é eficiente ou ineficiente, corrupto ou honesto, é ideológica sem nenhuma base teórica sustentável. O Estado não é necessariamente nem uma coisa nem outra, uma vez que o Estado é reflexo do grupo que está no seu poder e suas relações com outras formas e grupos de poder e principalmente suas relações com uma sociedade com graus de organização, mobilização e capacidade de influência na construção da vontade deste Estado bastante diferenciadas no tempo e lugar.
O estudo de uma Teoria do Estado pode ser estabelecida em algumas etapas, mas desde a Antigüidade podemos encontrar a preocupação dos estudiosos em compreender o Estado e suas estruturas. Aristóteles, por exemplo, em sua obra A Política, preocupou-se em descrever e estudar a organização política em Atenas e Esparta, descrevendo o Estado real, tal como existia na sua época, enquanto Platão, em sua República, descreveu o Estado ideal.2
Na Idade Média, cresce o interesse pela matéria, e os escritos de Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino procuram justificar a ordem então existente a partir de considerações de natureza teológica.
De qualquer sorte, a doutrina é unânime em afirmar que Maquiavel – que foi secretário da República em Florença –, no início do século XVI, com O Príncipe, revoluciona os estudos políticos ao sistematizar, a partir de sua vivência com o poder, as diversas vertentes do relacionamento entre governantes e governados distanciados de fundamentações teológicas. Maquiavel elaborou uma separação consciente entre o ponto de vista da realidade e as questões teológicas e éticas... [investigando os meios técnicos] para conquistar ou manter o poder.3
Após o período de Maquiavel, vislumbramos o que podemos chamar jusracionalismo, ou seja, alguns estudiosos como Hobbes, Locke, Montesquieu e Rosseau passam a buscar o fundamento do Direito Natural na vida social, sendo considerados os precursores da antropologia cultural aplicada ao Estudo do Estado.

4 comentários:

  1. Caro Professor,

    Extremamente satisfeito em poder ler e ouvir suas ideais e, a partir de muitas das suas colocações, refletir mais, enfatizando o que já pensava sobre alguns pontos e reavaliando algumas ideais e perspectivas compreensivas com relação a outros.

    Luciana Melquíades tinha razão quando me recomendou o acompanhamento do seu trabalho.

    Parabéns.

    Saudações,
    Ciro Benatti

    ResponderExcluir