quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Teoria do Estado 6

A CRISE DO ESTADO SOCIAL
Jose Luiz Quadros de Magalhaes

A crise do Estado social não foi a de um sistema que não podia mais se adaptar, mas uma crise forjada pelo mesmo grande capital que minou o liberalismo. A política do governo Nixon, quando em 1971 forjou a primeira crise do petróleo, seguida de nova crise, desta vez mais grave, em 1973, após a guerra do Yom Kipur, levou a economia do Estado social europeu a uma crise que abriu espaço a crítica “pseudoneoliberal”, que atacou os custos do Estado social, a pesada carga tributária sobre a atividade produtiva privada, inibindo a sua expansão e a grande presença do Estado na economia, fechando setores inteiros da economia ao grande capital privado, como o setor de transportes aéreos, privatizado na Europa na década de 80, assim como outros setores, como telefonia, transportes em geral, fábricas de automóveis e, em alguns casos, até as atividades de saúde e previdência, o que obviamente encontrou reação de uma população informada e organizada.
A crise leva à descapitalização das poderosas empresas estatais européias, assim como à diminuição da capacidade de arrecadação, obrigando o Estado social, por vezes, a utilizar recursos das empresas públicas para socorrer o déficit orçamentário existente com a crise econômica, uma vez que, de um lado, a população exigia a manutenção da segurança social e, de outro, o Estado perdia capacidade financeira para manter seu poderoso e sofisticado Estado de bem-estar-social.
Nos Estados Unidos, embora o modelo de Estado social seja bem diferente do europeu, ele tinha sido capaz de criar, com base em uma economia fordista-keynesiana, uma poderosa classe média e uma situação de quase pleno emprego, que tornava esta classe média uma poderosa consumidora e ao mesmo tempo forte e organizada, capaz de pressionar os salários constantemente para cima, o que não interessava ao grande capital. É por esse motivo que o governo Nixon abre as portas para imigrantes que significavam mão-de-obra barata, capaz de concorrer com a mão-de-obra dos trabalhadores norte-americanos organizados. Com isso, há uma geração proposital de desemprego que desmobiliza os trabalhadores organizados e permite ao capital manter ou mesmo diminuir níveis salariais. A economia ao serviço do grande capital iria buscar seu aumento de ganhos na tecnologia, na diminuição constante de custos e no aumento de consumo de uma parcela cada vez menor da população. O modelo de pleno emprego e o aumento de consumo com a geração de novos empregos e novos consumidores começava a ceder espaço para o nascente modelo neoliberal, que tomaria conta do mundo em 1980, a partir dos governos Ronald Reagan, Helmut Kohl e Margareth Tatcher.
O neoliberalismo consiste em um projeto do grande capital de expansão dos lucros, derrubada de barreiras nos países do Terceiro Mundo, o que cria as bases da economia globalizada na metade dos anos 80. Para o aumento dos lucros, a fórmula que procura substituir o Estado social (segundo os neoliberais falidos), busca a privatização em massa, o que permite a abertura de setores inteiros da economia ao grande capital o único com capacidade de investimento. Mesmo que a privatização ocorra inicialmente com a fragmentação ou pulverização do capital, o controle passa, cedo ou tarde, inevitavelmente, para o grande capital, assim como a concentração em nível global ocorre inevitavelmente, cedo ou tarde, mesmo com a ilusão inicial de concorrência. Para aumentar os seus lucros, há também a privatização do setor de saúde, educação e previdência, o que permite principalmente a retirada da carga tributária sobre o grande capital. A classe média deve arcar com o que resta de Estado social. Ao mesmo tempo verificamos a diminuição de salários, com a perda gradual do poder aquisitivo, o que ocorre com uma inflação sob controle. Depois a desconstitucionalização de direitos sociais e econômicos, tranforman¬do a Constituição em um texto submetido ao interesses ou aos imperativos matemáticos da economia. Aliás, este também é um dos movimento ideológicos do neoliberalismo: a falsa transformação da Ciência Econômica em uma ciência exata. Desta forma, não pode o Direito condicionar a economia, mas sim obedecê-la. Se no Estado liberal, Direito e Economia ocupavam espaços diferentes e no Estado social o discurso econômico se subordinava ao discurso jurídico, no neoliberalismo o Direito e a justiça constitucional se subordinam aos pseudo-imperativos matemáticos da economia.
Por fim, a exportação de modelos neo-autoritários, como Fujimori no Peru, Menen na Argentina, Fernando Collor e Fernando Henrique no Brasil, garantiam manter a oposição e qualquer projeto alternativo de economia e de poder, longe, inclusive da mídia, também concentrada e sob controle desse mesmo megapoder.
A globalização parece vir selar a nossa sorte, pelo menos para aqueles que acreditam ser a globalização inevitável no seu modelo neoliberal. A globalização implica alta tecnologia que permite que o capital financeiro e o industrial, cada vez mais unidos, tenham mobilidade a baixo custo, ou a um custo inexistente, com a colaboração de governos que financiam esses capitais, doam terrenos e retiram tributos.
O que ocorre é uma competição internacional da miséria, onde quem oferecer mais privatizações, menos tributos, sindicatos fracos, menos direitos sociais e econômicos, infra-estrutura e estabilidade econômica e política recebe o investimento. Entretanto, basta outro Estado oferecer melhores condições de ganho que a empresa fecha suas portas e vai, sem prejuízos ou gastos, para o outro que lhe oferece mais ganhos. Como resistir a um quadro como esse, que se agrava com o desaparecimento do emprego, decorrente da utilização perversa da tecnologia pela lógica neoliberal da eficiência pela eficiência, que no lugar de libertar o ser humano do trabalho o escraviza mais, esteja ele empregado ou desempregado?
Posto, em linhas gerais, o pano de fundo em que se dá a nossa proposta de uma democracia participativa para o Brasil, passamos a enfrentar o desafio de construir uma alternativa de democracia efetiva, que garanta um país soberano, livre e justo.

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