quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Teoria do Estado 14

2- O ESTADO UNITÁRIO
Jose Luiz Quadros de Magalhães

   O Estado unitário, entendido como aquele que possui apenas uma esfera de Poder Legislativo, Executivo e Judiciário, tem hoje três configurações diferentes: O Estado unitário simples, o Estado unitário desconcentrado e o Estado unitário descentralizado.
  O modelo simples de Estado unitário, não dividido em regiões administrativas desconcentradas ou descentralizadas, não é encontrado, em virtude do grau acentuado de centralização que dificulta ou, na maioria das vezes, impossibilita a administração do território, centralizando de maneira excessiva e pouco democrática as questões relativas ao Judiciário, ao Legislativo, distantes do povo e das realidades locais, e, principalmente, ao governo e à administração pública. Desta forma, o modelo de Estado unitário simples foi um modelo teórico criado para a lógica do Estado nacional soberano em processo de formação e adequado a um conceito de soberania do Estado que não mais pode ser aceito, onde se imagina a soberania una, indivisível, inalienável e imprescritível.         Este Estado Unitário simples por motivos óbvios (se pensarmos em termos de evolução das comunicações e transportes na época) é possível apenas em microestados, e mesmo nestes não vão existir de fato. A delegação de poderes a entes territoriais menores é inevitável.
   Embora os modelos desconcentrados de Estados unitários não tenham diferentes esferas de poder em níveis central, regional e local, a existência de uma divisão territorial, onde haja um representante do poder central sem poder de decisão autônoma, mas que funcione como um consultor e representante, do mesmo poder central ou mesmo atue por delegação de competência em nome do poder central (desconcentração), possibilita o exercício do poder e a resolução de problemas nos diversos níveis com maior eficiência.
   Já a descentralização dos Estados unitários democráticos atuais com a existência de entes territoriais autônomos, com personalidade jurídica própria e com capacidade de decisão em determinadas questões, sem a interferência do poder central, democratiza a administração pública, aproximando-a da população das regiões e das cidades, assim como agiliza os serviços prestados.
 Importante ressaltar que, além da desconcentração e da descentralização territorial da administração pública e, logo, das competências administrativas, também ocorre a desconcentração (e não a descentralização) da jurisdição no Estado Unitário. A existência de juízes nas localidades e de tribunais de segunda instância nas regiões, por exemplo, representa uma forma de simplificar, agilizar e aproximar o Judiciário da população. Isso significa que, permanecendo apenas um Poder Judiciário nacional, o que é uma característica do Estado Unitário, este terá órgãos que podem ter estrutura administrativa desconcentrada nas localidades e nas regiões.
  Com relação ao Poder Legislativo, não há a possibilidade de descentralização, conferindo autonomia legislativa, sem eliminar o Estado unitário e transformá-lo em Estado regional, autonômico ou federal. A autonomia legislativa das regiões ou das localidades representa a superação do Estado unitário. Desta forma, o que se encontra no Estado unitário pode ser a experiência de um Legislativo itinerante, que, desta forma, procura aproximação com a população de diferentes regiões e localidades, sem, entretanto, conferir-lhes alguma espécie de autonomia legislativa.

2.1 O Estado Unitário simples

  O Estado unitário simples, sem a existência de regiões administrativas autônomas ou meramente desconcentradas, e sem nenhuma espécie de desconcentração ou descentralização da administração e da jurisdição, está hoje completamente superado.
Entretanto, estudando as Constituições dos Estados membros da Federação brasileira, iremos perceber aqueles, que possuem territórios, na maioria dos casos superiores à dimensão de vários Estados nacionais europeus, mantêm ainda, de maneira inadequada, um grau de centralização muito grande.
     Entretanto alguns Estados da Federação começam a sofisticar a administração do seu território no âmbito de suas competências. Experiência rica ocorre, por exemplo, no Estado de Minas Gerais, em que a Constituição de 1989 abre o caminho para um Estado Unitário desconcentrado ou mesmo descentralizado, regionalizado. A Lei Estadual, n. 11.962, de 31 de outubro de 1995, de Minas Gerais, instituiu 25 regiões administrativas no Estado. É um importante passo para a democratização da administração pública e da gestão governamental até então extremamente descentralizada. Temos, neste caso, uma Federação, que é o Brasil, podendo ser constituída de Estados membros unitários simples, unitários desconcentrados (como Minas Gerais), podendo existir, inclusive, Estados membros unitários descentralizados.
    O Estado Unitário Simples é um modelo idealizado, mas que só pode ser possível em microestados ou então em Estados membros de uma federação de três níveis, por existir uma descentralização dos Municípios como entes federados por determinação da Constituição Federal, como ocorre no Brasil. Nos modelos federais de dois níveis (modelo clássico), os Estados membros descentralizam competências através de leis estaduais, que organizam os Municípios como entidades autônomas, como ocorre na Alemanha e como ocorreu no Brasil antes da Constituição de 1988.

2.2 O Estado unitário desconcentrado e o Estado Unitário descentralizado

   O Estado unitário desconcentrado é caracterizado pela divisão do território do Estado em diversas regiões, ou em regiões e outras divisões territoriais menores, como departamentos ou províncias, comunas ou municipalidades e arrondissements ou regionais. A terminologia é diferenciada de país para país, mas em geral encontramos quatro níveis administrativos.
Havendo apenas a desconcentração, em cada divisão territorial haverá um representante do poder central, sendo que pode haver divisões territoriais uma dentro da outra.
   Desta forma, o Estado nacional pode ser dividido em regiões, que, por sua vez, podem ser divididas em departamentos ou províncias; estes em comunas ou municipalidades; estas, de acordo com a dimensão, em regionais, distritos, arrondissementes ou qualquer outro nome que possa ser adotado para designar está última subdivisão.4 Entretanto, havendo apenas a desconcentração, em cada uma dessas divisões, para finalidades administrativas, haverá um representante do poder central, que não poderá tomar nenhuma decisão autônoma, tendo a função de levar ao poder central as questões que sejam de interesse das diversas esferas de divisão territorial, para a decisão final, permitindo, assim, que a decisão central possa ocorrer sobre bases de informações e verdadeiras reivindicações de cada divisão territorial, aproximando o poder central da população. Entretanto, por outro lado, a criação de diversas esferas apenas desconcentradas, ou seja, sem autonomia de decisão, sobrecarrega o poder central, criando uma imensa burocracia, o que torna as decisões lentas, tomadas fora do tempo adequado.
   Importante lembrar que o território pode ter diversas divisões, com finalidades diferentes. Desta forma, uma divisão territorial que tenha a finalidade de desconcentrar ou mesmo descentralizar a administração pública territorial pode ser diferente da adotada para a finalidade jurisdicional ou para a desconcentração dos tribunais com a sua regionalização. Obviamente, num Estado unitário, haverá sempre uma última instância central, uniformizadora, de acordo com a organização judiciária adotada e com a legislação processual.
  Percebemos que, hoje, no mundo, os Estados nacionais têm caminhado para a descentralização, sendo que aqueles que ainda não adotaram tipos de Estados federais, regionais ou autonômicos adotam a forma de Estado Unitário descentralizado nas mais recentes legislações (como a França), caminhando a passos largos em direção a uma descentralização cada vez maior, caracterizada pelo Estado regional no modelo italiano ou pelo Estado autonômico no modelo espanhol, que veremos a seguir. Podemos ainda ressaltar o caso da Bélgica, que, de Estado Unitário, transformou-se em Estado federal em 1993.
  Em virtude de motivações as mais variadas, como distância, diversidade cultural, diferença de grau de desenvolvimento, alguns Estados nacionais como Portugal e França, que podem ser classificados como Estados unitários descentralizados, apresentam tratamento diferente para determinadas regiões que recebem grau de autonomia maior, semelhante, por exemplo, à autonomia das regiões italianas no seu modelo de Estado regional. Nestes casos, essas regiões especiais recebem não apenas competências administrativas, mas também legislativas, o que caracteriza a descentralização legislativa e administrativa. Este é o caso das Ilhas de Açores e Madeira, em Portugal, classificadas como regiões autônomas pela Constituição portuguesa de 1976, e as regiões e departamentos de além-mar da França, como a Guiana Francesa, na América do Sul, que é um departamento do Estado francês. Diante do que foi exposto podemos sintetizar:

• Estado unitário desconcentrado – Neste modelo, ocorre apenas a desconcentração administrativa territorial, o que significa que são criados órgãos, territoriais desconcentrados, que não têm personalidade jurídica própria, logo, não têm autonomia, não podendo tomar decisões sem o poder central. Essa desconcentração pode ocorrer em nível apenas municipal ou também em nível regional e/ou departamental (provincial), ou qualquer outra esfera de organização territorial que se entenda necessário criar para possibilitar uma melhor administração do território. O modelo meramente desconcentrado aproxima a administração da população e dos diversos problemas comuns às esferas territoriais diferentes. Entretanto, como toda decisão depende do poder central, torna-se lenta. Os Estados democráticos avançados não mais adotam esse modelo, que permanece apenas em Estados autoritários.
• Estado unitário descentralizado – Para permitir maior agilidade e eficiência na administração territorial, gradualmente os Estados unitários desconcentrados passaram a adotar descentrali¬za¬ção territorial, conferindo a esses entes territoriais descentralizados (regiões, departamentos ou provincias, comunas ou municípios, etc.) personalidade jurídica própria, transferindo competências administrativas que lhes foram transferidas por lei nacional. Desta forma, não é necessário reportar-se ao poder central, não sendo nem mesmo possível a intervenção desse poder na competência dos entes descentralizados. Importante notar que o poder central mantém a estrutura desconcentrada ao lado estrutura descentralizada para o exercício de suas competências. Quanto mais competências forem transferidas para os entes descentralizados, mais ágil e mais democrática a administração. A doutrina européia tem ressaltado a necessidade da eleição de órgãos dirigentes dos entes territoriais descentralizados como característica essencial de sua autonomia em relação ao poder central.

8 comentários:

  1. O texto está ótimo,parabéns!!!! mas estou pesquisando algo mais histórico e descrições de quando o Brasil,na época do império,era considerado juridicamente unitário.Pode me ajudar???

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  2. O texto está ,realmente bem esclarecido. ajudou-me a desenvolver o questionário que estava fazendo.

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  3. Cade a bibliografia? Seu texto dá as mesmas definições do livro "Teoria do Estado Democrático e Poder Local" - Cinthia Robert & José Luiz Quadros de Magalhães.

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  4. Pois é Loveto, o livro é meu. Por isto.
    A bibliografia está ao final das publicações do livro que aqui foi divido em vários textos.

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  5. Quadros, uma dúvida. Os termos desconcentrado e descentralizado são utilizados apenas num Estado Unitário??? Como por exemplo, as sub-prefeituras em São Paulo, o quê elas são? Confundo isso principalmente dentro de um Estado Federal. Qual o termo adequado para se referir à organização política de Estados membros num Estado Federal, como Minas Gerais? Pode ser Estado Unitário???

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    1. Desconcentração implica em delegação de funções. O ente ou órgão desconcentrado não tem personalidade jurídica e logo, não tem autonomia.
      Na descentralização ocorre a transferência de funções, competências. Para isto o ente descentralização tem personalidade jurídica própria.
      As sub prefeituras de São Paulo só serão descentralizações se receberem competências próprias e personalidade jurídica própria para exercê-las.
      Os Estados Membros no Brasil são, na sua maioria, estados unitários meramente desconcentrados, ou nem isto. Isto só é possível porque os municípios brasileiros são, também entes federados.

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  6. Boa tarde... estou realizando um TCC pro curso de Direito e gostaria de maiores informações sobre o Estado Unitário...
    Seria possível adota-lo no Brasil "atual" (sem considerar a atual crise política), na forma descentralizada administrativa e politicamente?
    Um abraço e aguardo a resposta...

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